Lente #39: Como parar a desinformação no YouTube?
Boa sexta-feira, 14 de dezembro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Em carta pública, checadores cobram ações do YouTube contra a desinformação
Comportamento desinformativo de Bolsonaro é alvo de críticas em relatório
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Checadores clamam por ações contra desinformação no YouTube
Na última quarta-feira (12), mais de 80 organizações de checagem de fatos de 46 países publicaram, em conjunto, uma carta aberta direcionada à CEO do YouTube, Susan Wojcicki. O documento aponta que "o YouTube está permitindo que sua plataforma seja transformada em uma arma por infratores inescrupulosos, que a usam para manipular e explorar outros, além de se organizarem para arrecadar fundos" e afirma que as ações tomadas pela plataforma nos últimos anos são insuficientes para conter a desinformação que circula por lá.
Eu participei ativamente das discussões em torno desta carta. Os debates tiveram origem na Europa, mas se espalharam entre a comunidade de checadores à medida que boa parte dela reconheceu enfrentar problemas com o YouTube, não importando o país. Esses problemas se agravaram durante a pandemia de Covid-19 e há muitos exemplos de informações falsas que se espalharam na plataforma de vídeos e tiveram impactos devastadores no mundo real.
A própria carta os traz, como no caso dos "Doutores pela Verdade", um grupo de conspiracionistas que promoveu curas falsas para a Covid-19 em uma rede de conteúdos que começou na Alemanha e se espalhou por toda a América Latina. Muitos dos vídeos ainda estão disponíveis em canais no YouTube ― e um deles, inclusive, ensina como driblar as restrições da plataforma e assistir aos vídeos "censurados."
Identificar desinformação no YouTube não é tarefa fácil. São milhares de horas de vídeo subindo todos os dias na plataforma e não há ferramentas efetivas de monitoramento dos discursos e dos debates compartilhados por lá. Com base nisso, a carta enviada à CEO da plataforma sugere quatro medidas: o compromisso com a transparência (a partir do apoio a estudos e da publicação de suas políticas relacionadas à desinformação), o foco em oferecer mais conteúdo verificado e de contexto, com parcerias estruturadas com os checadores de fatos, a punição a atores reincidentes no compartilhamento de desinformação e um olhar atento para os países que não falam inglês, a fim de construir soluções que atendam às peculiaridades dos diferentes idiomas e de cada país.
Os checadores também reafirmaram sua disponibilidade para o diálogo e para apoiar o YouTube em ações que, de fato, se mostrem efetivas contra a desinformação na plataforma. A resposta da plataforma veio em reportagem de Renata Galf publicada no jornal Folha de S.Paulo também na última quarta-feira: "o YouTube afirmou ter investido em políticas e produtos em todos os países em que opera 'para conectar as pessoas a conteúdo qualificado, reduzir a disseminação de informação limítrofe e remover vídeos que violam as políticas' da plataforma. Segundo a empresa, o site mantém o 'consumo de desinformação limítrofe recomendada significativamente abaixo de 1% de todas as visualizações no YouTube'. 'Estamos sempre procurando maneiras significativas de melhorar e continuaremos a fortalecer nosso trabalho com a comunidade de checagem de fatos.'"
Talvez você não tenha ideia, mas o YouTube contabiliza mais de 1 bilhão de horas de vídeo consumidas todos os dias, além de ser o segundo site mais acessado do mundo, perdendo apenas para o próprio Google, que o controla. Ou seja, se cerca de 1% disso é desinformação, significa que os usuários consomem, diariamente, algo em torno de 10 milhões de horas de conteúdos desinformativos. Se quisermos assumir o "significativamente abaixo" mencionado na nota como a metade disso, ainda serão 5 milhões de horas de "informação limítrofe", a forma que o YouTube usa para descrever conteúdos problemáticos.
O problema do conteúdo limítrofe é velho conhecido do YouTube. Em 2018, uma pesquisa da Pew Research mostrou que 64% dos usuários americanos da plataforma disseram encontrar, às vezes, vídeos com conteúdo problemático, entre eles informações falsas — e aqui, mais um ponto interessante: apenas 12% disseram nunca ter visto esse tipo de conteúdo, enquanto 15% afirmaram vê-lo com frequência.
A experiência de consumo de conteúdo desinformativo é altamente potencializada pelo algoritmo de recomendação do YouTube. Ele "aprende" com o comportamento do usuário e sugere vídeos semelhantes àqueles que prendem mais sua atenção, aumentando o tempo de uso individual da plataforma (os engenheiros do Google escreveram um artigo em 2016, explicando como ele funciona e o papel das redes neurais e do machine learning nesse processo). Em 2019, uma reportagem do The New York Times mostrou que esse modo de operação, que naquele ano gerava mais de 70% do tempo total de uso da plataforma, ajudou a radicalizar o Brasil. Um trecho: "Como o sistema sugere vídeos mais provocativos para manter os usuários assistindo, ele pode direcioná-los para conteúdo extremo que, de outra forma, nunca encontrariam. E foi projetado para levar os usuários a novos tópicos para despertar novos interesses."
Se você preferir, o episódio 9 da primeira temporada da série The Weekly conta essa história e está disponível na GloboPlay. Não por acaso, o nome do episódio é The Rabbit Hole (em português, buraco ou toca de coelho), como ficou conhecido o efeito provocado pelo algoritmo de recomendação nos usuários: a inteligência artificial da plataforma sugere vídeos semelhantes aos que eles já assistiram, mas conforme ela trabalha, essas sugestões trazem conteúdos cada vez mais extremos e, em muitas vezes, mais próximos a conteúdos limítrofes.
É claro que o YouTube não está totalmente alheio a essas discussões. A empresa já tomou algumas ações e sempre promete a expansão delas para a maior quantidade possível de países. Entre elas está a disponibilização de um "painel de checagem", que exibe verificações de organizações de checagem entre os resultados de buscas na plataforma. A ferramenta, no entanto, tem desempenho pífio no Brasil, e a empresa nunca compartilhou informações sobre a efetividade dessa medida.
A carta dos checadores de fatos ao YouTube é mais uma ação da comunidade com o objetivo de tornar o ambiente digital mais saudável. Antes dela, apelos foram direcionados ao Facebook e ao WhatsApp, que, apesar de apresentarem inúmeros problemas, tomaram medidas para conter a desinformação em seus ambientes. Não são medidas totalmente efetivas, mas permitem discussões e construção de soluções conjuntas.
Nossa expectativa é de que o YouTube siga o mesmo caminho.
Um abraço,
Natália Leal
CEO da Lupa
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Qual o limite do comportamento desinformativo de Bolsonaro?
Em seu Relatório Mundial 2022, lançado nesta quinta-feira (13), a Human Rights Watch destacou a necessidade de o Brasil "proteger os direitos ao voto e a liberdade de expressão de qualquer tentativa de subversão do sistema eleitoral ou de enfraquecimento do Estado democrático de Direito e das liberdades fundamentais pelo presidente Jair Bolsonaro." No texto de apresentação do capítulo brasileiro da análise, a organização destaca que "em 2021, o presidente Bolsonaro continuou a disseminar informações falsas sobre as vacinas contra Covid-19, e seu governo fracassou no enfrentamento do enorme impacto da pandemia na educação. (...) [e] promoveu políticas contrárias aos direitos humanos em outras áreas, incluindo direitos dos povos indígenas, direitos das mulheres, direitos das pessoas com deficiência e liberdade de expressão."
O relatório menciona ainda os constantes ataques de Bolsonaro a jornalistas e críticos. Somente em 2021, o governo tentou investigar criminalmente 17 pessoas, inclusive através da Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar revogada pelo Congresso em agosto. As ações não prosperaram, mas, segundo a ONG, deixam uma mensagem de que "criticar o presidente pode resultar em perseguição." Como a Lupa mostrou em dezembro, Bolsonaro atacou a imprensa em 86% das suas lives semanais em redes sociais no ano passado. O presidente também intensificou os bloqueios a jornalistas e veículos de mídia em seus perfis, conforme levantamento publicado pela Abraji.
Bolsonaro não deve modular o discurso desinformativo nem as agressões a opositores e jornalistas só porque estamos em ano eleitoral. As falas do presidente estão direcionadas ao seu grupo de apoiadores, que, apesar de ter diminuído consideravelmente, forma uma base fiel e numerosa, ainda que incapaz, numericamente, de decidir a eleição presidencial. É certo que ainda veremos muitos ataques ao processo eleitoral, principalmente às urnas eletrônicas, e muitas tentativas de negar casos de corrupção ocorridos nos últimos anos. Para o azar de Bolsonaro, não importa quantas vezes se conte uma mentira, ela não se transforma em uma verdade.
…em El Salvador: uma pesquisa divulgada nesta semana mostrou que pelo menos 35 jornalistas e membros da sociedade civil do país tiveram seus telefones infectados com o software de espionagem Pegasus entre 2020 e 2021. As invasões ocorreram enquanto as organizações relatavam questões sensíveis envolvendo a administração do presidente Bukele, como um escândalo envolvendo a negociação de um "pacto" com o grupo criminoso MS-13 para redução da violência em troca de apoio eleitoral.
…nos memes: a "Grávida de Taubaté" completou 10 anos nesta semana. Caso você não lembre, essa é a história icônica da pedagoga que simulou uma gravidez de quadrigêmeas e se tornou uma celebridade nacional ao ser desmascarada e se converter em um dos primeiros memes da internet brasileira. O colunista do TAB Matheus Pichoneli escreveu sobre o tema e atestou: "a história dos quadrigêmeos feitos de espuma expôs um flanco na nossa defesa e animou enganadores do tipo a tentarem a sorte com a boa fé nacional". Comédia ou tragédia, não se pode desconsiderar que a afirmação tem sentido.
O impacto dos memes nas eleições é um dos pontos que serão debatidos na primeira oficina no ano da Lupa, que será ministrada pelo jornalista Roberto Kaz, responsável, por muitos anos, pelo The piauí Herald, seção satírica da revista piauí. Kaz ganhou um prêmio Esso de Reportagem quando trabalhava n'O Globo, além de um Prêmio Jabuti pelo "O Livro dos Bichos", publicado pela Companhia da Letras.
Outro tópico importante que ele promete abordar é a sátira ― sempre um tema polêmico para nós da Lupa. Se um grupo de pessoas acredita em uma sátira, é desinformação? E qual a responsabilidade sobre o conteúdo de um programa de humor ao utilizar elementos do jornalismo? Certamente será um debate interessantíssimo, já que o humor faz parte das nossas vidas e, apesar de já ter sido muito usado para informar, denunciar e divertir, hoje em dia também serve para desinformar e manipular.
A oficina é no dia 18 de janeiro, terça-feira, às 18h30 via Sympla Streaming. Clique aqui e garanta sua vaga.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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