Lente #40: Twitter cede e avança com passos tímidos
Boa sexta-feira, 21 de janeiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Twitter passa a permitir denúncia de conteúdos desinformativos no Brasil;
Queiroga inventa 4 mil mortes por vacina;
Justiça Eleitoral estuda suspender o funcionamento do Telegram.
Ferramenta de denúncia é passo tímido do Twitter no combate à desinformação
Após semanas de pressão por parte de usuários da plataforma, o Twitter passou a permitir, na segunda-feira (17), que usuários da plataforma no Brasil denunciem conteúdos que contenham desinformação. Antes disso, não era possível fazer esse tipo de apontamento, como contamos na Lente, duas edições atrás. Em outros mercados, como Estados Unidos, já era possível denunciar informações falsas desde agosto do ano passado.
Essa mudança de postura — seja resultado de pressão do público ou apenas continuidade de uma política global da companhia iniciada antes de toda a polêmica — é um passo importante do Twitter no combate à desinformação. Porém, é apenas um passo. Há outras questões em jogo, como o uso de contas automatizadas para inflar publicações e hashtags. Há também uma questão que ainda não está clara: como, exatamente, o Twitter vai avaliar o que é desinformação e o que não é.
Em alguns conteúdos falsos, a plataforma está colocando um aviso — similar ao do programa de verificadores de fatos independentes, da Meta. Essa etiqueta leva a um moment — uma compilação de tweets — de fontes que desmentem a publicação.
Um exemplo pode ser visto em um vídeo que mostra um pai chorando junto ao caixão de um filho. As imagens, gravadas na Síria, são, na verdade, de uma vítima de bombardeio, mas desinformadores compartilharam a falsa informação de que seria uma vítima da vacina. Os tweets que apresentam o vídeo e a desinformação estão circulando com uma etiqueta dizendo que o vídeo está fora de contexto. Ao clicar na etiqueta, é possível acessar um moment com as informações corretas sobre o caso: duas checagens (uma da Lupa e outra do Yahoo), além de um tweet do fotógrafo que filmou a cena original.
O formato é visualmente interessante e informativo, mas ainda falta clareza sobre como será o processo entre a denúncia e a resposta. Quais exatamente serão os critérios para a aplicação destas etiquetas? Quem fará essa triagem? Conteúdos serão apagados? Se sim, com quais critérios?
Contatei o Twitter para entender um pouco melhor como esse processo vai funcionar. De acordo com a empresa, o projeto ainda deve ser tratado como um piloto, e não como uma função estabelecida — isso vale, inclusive, para os mercados onde começou mais cedo. “Usaremos uma combinação de avaliação humana e automação para destacar as denúncias que atendem aos nossos critérios para avaliação”, diz o texto. Os critérios para desinformação sobre Covid-19, por exemplo, podem ser consultados aqui.
Segundo o Twitter, as publicações denunciadas que efetivamente contrariam as políticas de segurança contra desinformação da empresa são em torno de 10% nos mercados onde o programa começou mais cedo. O número é considerado relativamente baixo quando comparado a outros tipos de violação. Mesmo assim, as denúncias são “valiosas como uma fonte de inteligência a respeito de narrativas e tendências que estão surgindo” e têm ajudado a ampliar o escopo do combate à desinformação na plataforma.
A medida é, sem dúvida, um avanço do Twitter em ações de combate à desinformação. A falta de transparência sobre o processo de moderação, no entanto, transforma esse avanço em algo mais tímido do que o esperado. Em ano de eleições, com uma pandemia ainda assombrando, a realidade pede passos mais contundentes.
Um forte abraço,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
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Queiroga inventa 4 mil mortes por vacina e ignora 2,6 mil mortes de crianças e adolescentes por Covid-19
Mais uma vez, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, usou de seu cargo para veicular desinformação para sua base de apoio. Em entrevista à Jovem Pan, ele declarou que 4 mil pessoas morreram por causa das vacinas. O dado não está sequer próximo de ser verdade: a Folha de S.Paulo apurou que houve 13 mortes relacionadas à vacinação, em um universo de 159 milhões de pessoas vacinadas. Já o número de mortes por Covid-19 estava em 622 mil nesta quinta-feira, segundo o Conass.
Em entrevista à Folha, inicialmente, o ministro admitiu o erro. Os tais 4 mil casos estariam sob investigação, ou seja, não há comprovação de que haja uma relação causal entre a vacina e a ocorrência. Porém, em sua conta pessoal no Twitter, ele fez um jogo de palavras para acusar o jornal de… fazer um jogo de palavras. Queiroga disse que nesses casos “há uma comprovação de uma relação causal com a aplicação da vacina”. Ou ele não sabe o que significa “relação causal” ou está mentindo. Só há relação estabelecida nesses 13 casos em que a ligação foi comprovada. Nos outros, há, até o momento, somente uma correlação — quando duas informações coincidem, mas não necessariamente estão relacionadas.
Nos últimos meses, as narrativas fantasiosas sobre a vacinação voltaram a ganhar força, especialmente após o início da vacinação de adolescentes, em setembro do ano passado. Desinformadores profissionais chegaram a inventar que a morte de jovens que sequer estavam vacinados tinha ligação com a vacina. Raramente falam sobre o fato de que 2,6 mil pessoas com menos de 19 anos morreram de Covid-19 desde o início da pandemia.
A boa notícia é que, apesar de todos os esforços de Queiroga e outras autoridades para sabotar a vacinação das crianças e adolescentes, essas mentiras não estão pegando, assim como a desinformação sobre a vacinação de adultos não pegou. Segundo pesquisa do Datafolha publicada na segunda-feira, 79% dos pais de crianças com entre 5 e 11 anos pretendem vacinar seus filhos.
… no Telegram: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda suspender o funcionamento do Telegram no país. Um dos principais receios é com a disseminação de teorias conspiratórias e notícias falsas sobre as urnas em uma eleição já marcada pela forte polarização e radicalização política. O Telegram permite até 200 mil pessoas em grupos e está presente em 53% dos smartphones em funcionamento no país. No entanto, não tem escritório no Brasil. Em nota divulgada na terça-feira (18), o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, observou que, na sua avaliação, “nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”. Ele acrescentou que, na volta do recesso, irá discutir internamente com os ministros as providências possíveis. “O TSE já celebrou parcerias com quase todas as principais plataformas tecnológicas e não é desejável que haja exceções.”
… na Folha, que publicou, no último sábado (15) um artigo intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, do antropólogo Antônio Risério. O resumo é o seguinte: “Ataques de negros contra asiáticos, brancos e judeus invalidam a tese de que não existe racismo negro em razão da opressão a que estão submetidos. Sob a capa do discurso antirracista, esquerda e movimento negro reproduzem projeto supremacista, tornando o neorracismo identitário mais norma que exceção”. O texto em questão levou 186 jornalistas da Folha de S.Paulo a assinarem uma carta aberta em protesto a conteúdos considerados racistas publicados no veículo. No mesmo dia, tarde da noite, o diretor de Redação do jornal, Sérgio Dávila, publicou uma resposta em que afirma, entre outros pontos, que “o texto erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo”. Marcelo Träsel, ex-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), publicou um tweet comentando pontos da resposta. Silvio Almeida, advogado e autor do livro "Racismo Estrutural", fez uma análise do caso em sua coluna na própria Folha, em que chama o jornal a se posicionar sobre o que chamou de "maior suicídio reputacional da história da imprensa".
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