Lente #42: Bolsonaro e o "direito de desinformar"
Boa sexta-feira, 4 de fevereiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Bolsonaro briga por “direito de desinformar” e antecipa tom da campanha
Um tuíte presidencial na polêmica da desinformação no Spotify
Conteúdo falso como estopim de guerras
No Congresso, Bolsonaro briga por “direito de desinformar” e antecipa tom da campanha
Aqui no Brasil se costuma dizer, em tom de piada, que o ano só começa depois do Carnaval, o que é uma grande injustiça com os anos eleitorais. É bem verdade que, mais uma vez, não teremos Carnaval ― pelo menos não em sua data oficial. Na falta deste marco, o Congresso abriu o ano legislativo já em clima de campanha eleitoral neste 2 de fevereiro, como um prenúncio de que muita água vai passar por baixo dessa ponte.
Teve alfinetada para todo lado. O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, destacou a necessidade de se aprovar as matérias de interesse da população, especialmente por conta da pandemia, e pediu que os assuntos eleitorais fiquem somente para o período de campanha. Sua fala veio logo após o discurso de abertura do presidente Jair Bolsonaro (PL): no geral, um discurso morno, ensaiado, mas com um recado claro para Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP), provável concorrente nas urnas. “Os senhores nunca me verão vir aqui neste parlamento pedir pela regulação da mídia e da internet. Eu espero que isso não seja regulamentado por qualquer outro Poder. A nossa liberdade acima de tudo.” Continuou: “sempre respeitaremos a harmonia e a independência entre os Poderes”.
Em outras palavras, o presidente sentou à mesa diretora, como manda o protocolo, para defender seu direito de continuar dizendo e espalhando o que bem entender. Nós, aqui na Lupa, já checamos diversas declarações falsas de Bolsonaro, muitas delas repetidas à exaustão. Seu canal no YouTube já teve 34 publicações banidas em 2021, liderando a lista de canais de direita que mais tiveram conteúdo removido no ano passado (e que totalizaram 233 vídeos fora do ar).
A fala de Bolsonaro parece ser um resumo do que podemos esperar dele nas eleições que se avizinham: ora lendo notas muito bem articuladas, ora esbravejando para seu público fiel. No fechamento de seu discurso, quando retomou ― com aparente improviso ― o tema da “regulação da mídia e da internet”, Bolsonaro adotou o tom de campanha: “Não deixemos que qualquer um de nós, quem quer que seja que esteja no Planalto Central, ouse regular a mídia, não interessa por que, por qual intenção e objetivo. A nossa liberdade, a liberdade de imprensa, garantida em nossa Constituição, não pode ser violada ou arranhada por quem quer que seja nesse país.”
Em um país da dimensão do Brasil, onde um homem negro e pobre é morto a pauladas em um quiosque numa praia no Rio de Janeiro, palavras têm o potencial de matar. Vimos diversos casos ao longo da pandemia, como de pessoas que morreram após fazerem nebulização com cloroquina, procedimento defendido por Bolsonaro. A tática de confundir o eleitor, misturando liberdade de imprensa com uma autorização para dizer o que bem quiser sem se responsabilizar por suas falas tem potencial para seguir matando.
Um sopro de esperança veio na fala do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que lembrou que a desinformação atrapalhou o combate à pandemia. “Mas a informação prevaleceu no Brasil. Passamos a usar máscaras na nossa rotina, nos isolamos de familiares, amigos e colegas de trabalho, esperamos ansiosos por vacinas que salvariam, e de fato salvaram, vidas brasileiras.”
Aqui na Lupa, nosso ano começou sem Carnaval, mas com a certeza de que estaremos produzindo informação verificada no combate da máquina mortífera da desinformação.
Abs,
Marcela Duarte
Coordenadora de Produto
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Um tuíte presidencial na polêmica da desinformação no Spotify
Seguindo no tema das liberdades individuais, no mesmo dia em que esteve no Congresso, Bolsonaro aproveitou para tuitar em apoio ao podcaster negacionista e antivacina Joe Rogan. Na publicação em inglês, o presidente afirma que “se liberdade de expressão significa alguma coisa, significa que as pessoas devem ser livres para dizer o que quiserem, concordando ou discordando de nós”.
Na edição passada da Lente, nós contamos que o Spotify tinha começado a retirar as músicas de Neil Young do ar a pedido dele, depois que o cantor e compositor canadense acusou a plataforma de espalhar desinformação sobre a Covid-19. Young pedia que o Spotify removesse um episódio do podcast The Joe Rogan Experience, no qual o apresentador conversava com Robert Malone. O médico ganhou notoriedade, inclusive no Brasil, por espalhar informações completamente falsas sobre vacinas de mRNA contra a Covid-19. O Spotify optou por Rogan e seu podcast, o mais popular da plataforma, que tem direitos exclusivos sobre o programa.
No meio da polêmica, David Crosby, Graham Nash e Stephen Stills, antigos parceiros de Young, se juntaram ao protesto e também deixaram o Spotify para pressionar a plataforma a não financiar negacionistas.
Conteúdo falso como estopim de guerras
Usar informações não confirmadas como estopim para começar uma guerra não é uma tática exatamente nova. Foi assim na Guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos alegaram que uma embarcação norte-americana foi atacada por dois lançadores de torpedos vietnamitas, sendo que o segundo ataque nunca foi comprovado. Foi assim na Guerra do Iraque, em que Estados Unidos e Reino Unido supostamente iriam tomar e destruir as armas de destruição em massa do regime de Saddam Hussein ― armas essas que nunca foram encontradas.
Com a evolução das tecnologias, é de se esperar que até mesmo as desinformações de guerra mudem. Uma matéria do jornal inglês The Guardian revelou que autoridades dos Estados Unidos afirmam ter evidências de um plano russo de fazer um vídeo falso “muito gráfico” de um ataque ucraniano como pretexto para uma invasão. O vídeo usaria cadáveres, imagens de prédios explodidos, equipamentos militares ucranianos falsos, drones fabricados na Turquia e atores.
O vice-conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jonathan Finer, disse à MSNBC que não se sabe se este é o caminho que os russos vão seguir mas, segundo ele, “esta é uma opção em consideração”. O vídeo, acrescentou, “envolveria atores encenando luto por pessoas que são mortas em um evento que eles mesmos teriam criado”.
…no TSE: o ministro Luís Roberto Barroso abriu os trabalhos do ano judiciário nesta terça-feira (1º). Ele deixa a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim do mês, quando será substituído pelo ministro Edson Fachin. Na ocasião, Barroso falou, entre outros temas, sobre voto impresso e comprovantes de votação, e logo foi acusado, nas redes, de propagar fake news.
…no Instagram: a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) foi impedida temporariamente de fazer transmissões ao vivo em seu perfil na rede social. A parlamentar chamou a medida de censura. O Instagram alegou que “repetidas violações às Diretrizes da Comunidade do Instagram podem levar a restrições temporárias na conta”.
…na ABC: Whoopi Goldberg foi suspensa por duas semanas de seu próprio programa, The View. A atriz fez um comentário sobre o Holocausto e disse que o massacre de seis milhões de judeus não foi “uma questão de raça”, já que eram “dois grupos de pessoas brancas”. A atriz se desculpou no Twitter, mas a ABC News manteve a suspensão.
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