Lente #43: Por que toleramos Monark?
Olá! Boa sexta-feira, 11 de fevereiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Caso Monark é simbólico da deturpação da liberdade de expressão e do paradoxo da tolerância
Canais que espalham desinformação no Telegram são bloqueados na Alemanha
Estudo mostra que YouTube e TikTok são as redes que mais rastreiam dados do usuário
Toleramos Monark por tempo demais ― e pelos motivos errados
"Existe em todas as democracias um resíduo de incorrigíveis ou de malucos." A frase não é minha nem foi dita recentemente — vem de uma conferência do filósofo Theodor W. Adorno, em Viena, na Áustria, em 1967, e está registrada no livro "Aspectos do novo radicalismo de direita", publicado em 2020 no Brasil. Adorno analisava o sucesso dos movimentos de extrema-direita na Alemanha do pós-guerra, defendendo que, embora o regime nazista tivesse colapsado, seus apoiadores permaneciam por ali, assim como seus valores, em condições perfeitas para a ascensão de um novo fascismo.
Antes de Adorno, em 1945, o também filósofo Karl Popper cunhou o paradoxo da tolerância, um dos três que aparecem em sua obra "A sociedade democrática e seus inimigos". Disse Popper: "a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles".
Quase 55 anos depois de Adorno falar sobre o lunatic fringe presente na sociedade e mais de 75 anos depois de Popper alertar para a necessidade de não tolerar o intolerante, o youtuber, podcaster, empresário e gamer Bruno Aiub (ou Monark, se você preferir) aparece para nos lembrar que a história sempre se repete.
Como bem resumiu o podcast Café da Manhã, Monark foi ao (até então) seu Flow Podcast defender que um partido nazista deveria existir de forma legal no Brasil. Foi combatido com veemência pela deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP), mas não por Kim Kataguiri (Podemos-SP), que chegou a afirmar que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo. O Flow perdeu patrocínios, Monark foi demitido de sua própria empresa e uma penca de entrevistados pediu que suas participações no programa fossem apagadas.
Por que permitimos que pessoas como Monark tenham espaço para esse tipo de manifestação extrema? E, depois que permitimos isso, por que nos chocamos quando isso ocorre? No cerne dessa questão há dois pontos cruciais: primeiro, a deturpação do conceito de liberdade de expressão; segundo, a naturalização de discursos de ódio e desinformação a partir da exposição ingênua feita pela mídia.
Me explico sobre a primeira: não é de hoje que a sociedade brasileira reclama que o mundo, de repente, ficou chato e que a galera do "politicamente correto" só faz "mimimi". Na edição passada da Lente, a Marcela Duarte falou sobre a posição do presidente Jair Bolsonaro (PL) na abertura do ano do Congresso, clamando por seu "direito de desinformar" na próxima campanha eleitoral.
Deturpar o conceito é isso: é se esconder atrás de uma pretensa liberdade de expressão para dizer qualquer coisa a qualquer tempo, em qualquer situação, contra qualquer grupo ou pessoa, podendo justificar qualquer absurdo com "desculpe, essa é minha opinião". Para isso, não há máxima melhor do que "a sua liberdade termina onde começa a do outro" e, em casos como a defesa do nazismo, a liberdade do outro — aqui, a comunidade judaica — é a de, simplesmente, existir. A liberdade de expressão não pode ser usada para justificar condutas criminosas.
Agora, me explico sobre a segunda: também nesta semana, a atriz Monica Iozzi, em entrevista ao UOL, revisou sua participação no programa CQC, e disse que não percebia o perigo ao expor Bolsonaro e suas manifestações agressivas no programa. Se você não lembra, o CQC era um programa humorístico travestido de jornalismo, que ficou conhecido principalmente por expor, de forma cômica, políticos e celebridades em vídeos que lembravam reportagens de TV, mas não passavam de humor.
Disse a atriz: "o que eu posso dizer é que toda vez que a gente mostrava o Bolsonaro, era no intuito de fazer uma denúncia. Queríamos denunciar e questionar como era possível termos parlamentares daquele nível". É a mesma ideia ingênua (para não dizer maliciosa ou irresponsável) que tem um portal de notícias ao exibir uma fala desinformativa de alguém, contando que, ao fazê-lo, estará alertando para o absurdo. Na verdade, estará dando espaço para que um discurso seja naturalizado e, além disso, para que semelhantes se encontrem e sintam que suas ideias, por mais criminosas que sejam, são compartilhadas. É nessas — e em outras — situações que a grande mídia também desinforma, apesar de ter enorme dificuldade para admitir.
Além dessas questões centrais, a situação ocorrida com Monark mostra um lado bastante delicado do processo educacional brasileiro e de como os privilegiados encaram "com leveza" suas atitudes extremas (e/ou criminosas). No vídeo em que tentou justificar o injustificável, publicado após a confirmação de sua saída do Flow, o podcaster pediu compreensão, disse que queria aprender e afirmou que estava bêbado durante o programa.
Não sei onde Monark estudou, mas aos 31 anos, já deveria saber que defender o nazismo é crime no Brasil. E deveria ter aprendido isso na escola, em um processo educativo que vai além da decoreba para passar no vestibular, mas que foca na formação de um cidadão e no desenvolvimento do pensamento crítico e na compreensão do consumo e da produção de mídia no ambiente digital e fora dele. Também deveria ter aprendido que pedido de desculpas de nada vale sem mudança de atitude. Mas, "quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor", como diria Paulo Freire.
O caso Monark é um símbolo do que Adorno chamou (em 1967!) de "um conflito permanente entre o que não se pode dizer e o que deve levar a audiência à loucura". É por isso que ainda vemos espaços sendo abertos para esse tipo de manifestação. É por isso, também, que o discurso de ódio e desinformativo que se veste de outra coisa — seja de "brincadeira na mesa de bar", seja de jornalismo — é tão cativante e ganha tanto espaço em redes sociais, grupos de WhatsApp e sites já amplamente conhecidos por praticá-lo abaixo do radar do monitoramento das grandes plataformas.
As reações a Monark, no entanto, são um fio de esperança para quem tem como princípio o combate a esse tipo de discurso. Que possamos, como sociedade, nos reservar "em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante".
Um beijo e bom fim de semana,
Natália Leal
CEO
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Alemanha bloqueia canais desinformativos no Telegram
Na última quarta-feira, o governo alemão bloqueou canais de Telegram que espalhavam teorias conspiratórias sobre Covid-19 e faziam apologia ao antissemitismo. Boa parte deles estava ligada a Attila Hildmann, notório teórico da conspiração que já está na mira do governo alemão há tempos. O bloqueio, justificado pelo estado por "violação às leis locais", só atinge usuários na Alemanha. No fim de janeiro, o país inaugurou uma central especializada em crimes na internet, com foco na repressão aos discursos de ódio e desinformativo. Especialistas alemães, no entanto, temem que a medida se torne um tipo de censura, principalmente contra artistas e ativistas.
Hildmann fugiu da Alemanha para a Turquia em 2021. Nesta quarta-feira (9), a polícia da Baviera (Sul da Alemanha) fez uma batida na casa e escritório de um suspeito de espalhar conteúdos de incitação ao ódio e disseminação de teorias da conspiração no Telegram. Ele operava um canal com mais de 800 participantes, onde eram divulgadas, por exemplo, teorias negacionistas do Holocausto.
As medidas na Alemanha ocorreram poucos dias depois de a ministra do Interior, Nancy Faeser, ter se reunido com executivos do Telegram. Aqui no Brasil, como mostramos na Lente #40, de 21 de janeiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda suspender o funcionamento do Telegram, já que a plataforma não tem representação no Brasil nem atende às notificações da Justiça. Um dos principais receios é com a disseminação de teorias conspiratórias e notícias falsas sobre as urnas em uma eleição já marcada pela forte polarização e radicalização política.
…nos seus dados: uma pesquisa recente da URL Genius mostrou que YouTube e TikTok são os aplicativos de redes sociais que mais rastreiam dados pessoais de seus usuários. É claro que os termos de uso dessas plataformas preveem isso — e, ao aceitá-los, você concorda. O curioso é que, enquanto o YouTube faz isso para uso próprio (para oferecer melhores recomendações ou atingi-lo com anúncios mais certeiros), o TikTok entrega dados a terceiros e não é claro sobre quais dados nem como eles são usados. A pesquisa foi feita usando o sistema disponível no iOS que indica quais aplicativos estão rastreando e armazenando informações do usuário.
…no WhatsApp: nesta semana, a empresa anunciou que terá um diretor no Brasil, algo atípico em sua estrutura. Até agora, apenas a Índia contava com um head local. O escolhido foi Guilherme Horn, fundador da corretora Ágora (adquirida pelo Bradesco) e com passagens pelo Banco do Brasil, pelo banco BV e também pela Accenture. O perfil de Horn e os comunicados feitos pelo WhatsApp/Meta indicam que o foco da decisão está no desenvolvimento do aplicativo como uma ferramenta para pequenos negócios locais, buscando apoiar o desenvolvimento econômico. Sem dúvida, essa é uma frente importante, mas, em ano de eleição e diante da situação que vive o Brasil em termos de desinformação, era de se esperar que a escolha também contemplasse isso. Os anúncios, no entanto, não trazem sequer uma linha a respeito.
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