🔎 Lente #44: Acordos entre TSE e plataformas decepcionam
Olá! Boa sexta-feira, 18 de fevereiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
TSE e plataformas assinam acordos contra desinformação eleitoral; medidas são tímidas
Esquerda e direita usam depoimento inexistente de Adélio para empurrar narrativas falaciosas
Na semana que vem, Câmara vota urgência de projeto falho contra desinformação
TSE e plataformas assinam acordos contra desinformação eleitoral, mas medidas são tímidas
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou, na terça-feira (15), parcerias para combate à desinformação com oito plataformas digitais: Facebook, Instagram, Twitter, Google, YouTube, WhatsApp, Kwai e TikTok. Acordos como esse são fundamentais para garantir o bom andamento do processo eleitoral neste ano. Contudo, os termos assinados deixam a impressão de que ambos os lados poderiam fazer bem mais.
Os checadores de fatos também têm uma parceria com o TSE. Desde a eleição de 2018, as organizações de checagem brasileiras buscam melhorias no processo de combate à desinformação junto ao tribunal. Para 2022, a participação e colaboração das plataformas digitais na busca dessas melhorias foi um ponto crucial nas discussões entre os checadores e o TSE para melhorar o que ficou popularmente conhecido entre os participantes como Coalizão para Checagem.
Ainda em 2021, as unidades jornalísticas que integram esse grupo (que são nove, ao total, incluindo a Lupa), sinalizaram ao tribunal que o apoio, inclusive financeiro, das plataformas digitais era fundamental para que esse trabalho tenha êxito e seja efetivo na próxima campanha eleitoral. Mas, surpreendentemente, os memorandos assinados e divulgados nesta semana não fazem qualquer menção às solicitações dos checadores.
Há outros problemas. No mesmo dia que os acordos ganharam espaço em todos os veículos de comunicação, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem da jornalista Patrícia Campos Mello comparando as políticas contra a desinformação eleitoral adotadas nos Estados Unidos nos últimos anos e o que as plataformas se dispuseram a fazer no Brasil, neste ano, nos acertos com o TSE. O texto mostra que, lá fora, há determinações mais abrangentes e previsão de ações bem mais firmes do que as previstas por aqui.
Um dos pontos cegos destacados na reportagem é a ausência de políticas claras sobre contestação, com base em informações falsas, dos resultados das eleições. Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro (PL) acusou o TSE de fraudar as eleições de 2014 e o primeiro turno de 2018 em uma live cheia de informações inverídicas em julho de 2021 — e em diversas outras ocasiões. Uma nova tentativa de deslegitimação não será surpresa em 2022, caso o resultado não agrade o presidente. Até mesmo o ministro Luís Roberto Barroso, que deixou na quinta-feira (17) o comando do TSE, reconhece a existência desse risco.
Nas eleições dos Estados Unidos, em 2020, e na Alemanha, em 2021, o YouTube, por exemplo, se comprometeu a apagar conteúdos que indicavam, com informações falsas, a existência de fraudes generalizadas. No acordo com o TSE, contudo, a plataforma não deixa esse ponto claro. O Facebook também não apresentou nenhuma política específica em relação a esse assunto.
Além disso, não está claro quais diretrizes serão adotadas quando os próprios candidatos usarem seus perfis para atacar a integridade do sistema eleitoral. Hoje, o Facebook e o Instagram isentam candidatos a cargos eletivos de verificação no seu programa de checagem, mesmo sabendo que muitas vezes os próprios políticos são os principais propagadores de desinformação eleitoral.
Embora o período eleitoral não comece oficialmente até agosto, na prática, a campanha já está quase a pleno vapor. A oferta de informação de qualidade que se contraponha à desinformação é fundamental para manter a integridade do processo. Ainda há tempo para o TSE e as plataformas apresentarem medidas mais efetivas contra a desinformação eleitoral. Mas não muito.
Um forte abraço,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
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Fake sobre Adélio escancara poder do viés de confirmação e da distorção de narrativa
No último sábado (12), um suposto perfil do grupo hacker Anonymous publicou no Twitter que Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018, teria sido coagido, em depoimento à Polícia Federal, a declarar que “o PT” foi o mandante do crime. Essa informação, obviamente, é falsa: não houve depoimento algum. Mesmo assim, o assunto gerou uma imensa comoção e uma batalha de narrativas sobre o nada entre militantes de esquerda e de direita nas redes sociais.
O assunto ganhou visibilidade quando sites mais identificados com a esquerda começaram a reproduzir a teoria da conspiração direto da boca do “Anonymous”. A irresponsabilidade — para usar um termo leve — começa aí. Mas não termina.
Perdoe a redundância, mas o Anonymous é um grupo de pessoas que atua e se comunica de forma anônima. O que logicamente implica que qualquer pessoa pode, em poucos segundos, pegar uma foto da máscara do Guy Fawkes, inventar um e-mail qualquer e fazer uma conta no Twitter com algum nome relacionado, sem que haja qualquer possibilidade de verificação sobre sua autenticidade. Já está longe de ser uma boa prática jornalística reproduzir, sem apuração, uma informação publicada por um perfil verificado, cujo proprietário você conhece e confia. Fazer isso com qualquer um dos milhões de “Anonymous” da 25 de Março do Twitter é um desrespeito com a inteligência alheia.
Vale pontuar, ainda, que essa mesma conta já tinha publicado o nome completo do suposto proprietário do quiosque onde Moïse Kabagambe foi brutalmente assassinado no início do mês no Rio de Janeiro — e que ele estaria sendo “protegido” pela mídia e pela polícia. A pessoa em questão tinha vendido o quiosque em 2019 e, ao que tudo indica, não tem qualquer relação com o crime.
Inicialmente, a falsa informação sobre o depoimento de Adélio Bispo circulava nas bolhas de esquerda. Mas aí vem o plot twist mais óbvio do mês. Perfis e sites de direita usaram esses mesmos veículos de esquerda como uma fonte confiável para confirmar a estapafúrdia tese de que PT mandou mantar Bolsonaro — claro, ignorando toda a parte da coação citada inicialmente.
Na segunda-feira, o jornalista Rubens Valente conversou com três fontes — todas com conhecimento sobre a investigação — para saber se o depoimento existiu. Todos negaram. Posteriormente, a própria PF se manifestou, também negando a existência de toda a história.
O caso é bastante simbólico do estado da desinformação no Brasil. Primeiro, mostra como atua o viés de confirmação, provando que é fácil enganar milhares de pessoas que desejam desesperadamente acreditar em algo. Depois, indica como uma informação, falsa ou verdadeira, pode ser distorcida a tal ponto que serve a narrativas opostas.
Mas o ponto mais crucial é que é muito mais fácil desinformar do que informar. Toma muito pouco tempo copiar qualquer informação jogada em uma rede social. E se ela for sensacionalista o suficiente, muita gente vai cair e ela vai se espalhar. Fazer uma apuração é bem mais complicado. Exige tempo, exige fonte e exige, principalmente, paciência e método. Nesse aspecto, por mais esforços que os jornalistas façam, os desinformadores saem sempre na frente. Por isso, o combate à desinformação não é só dos checadores — é de toda a sociedade.
…na Câmara dos Deputados: Está prevista para a semana que vem a votação da urgência do PL 2630/2020, que, supostamente, trata de combate à desinformação. Caso seja aprovada, o projeto em si, relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP), deve ir a votação antes das eleições. Visto como uma “bala de prata” contra a desinformação por deputados, o projeto é criticado por especialistas por vários motivos, como a ausência de uma definição clara de desinformação e de qualquer proposta concreta sobre educação midiática. E, claro, a cereja do bolo: congressistas ficariam imunes de qualquer punição ao desinformar.
…no WhatsApp: O aplicativo de mensagens está lutando na Justiça contra o disparo automatizado de conteúdo. A companhia ingressou com ações contra diversas empresas que fazem disparos automáticos por violação dos termos da plataforma e uso indevido de marca. Na semana passada, uma decisão liminar impediu uma dessas empresas, a Namosca, de fazer disparos usando a plataforma. No ano passado, outra empresa, a ZapFácil, já tinha sido impedida de atuar. Em 2018, essa prática foi usada para espalhar desinformação eleitoral. Desde as eleições de 2020, isso passou a ser ilegal para fins eleitorais — mas não para outras atividades.
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