🔎 Lente #45: Coalizão de checadores na guerra à desinformação
Boa sexta-feira, 25 de fevereiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Checadores de todo o mundo unidos no combate à desinformação de guerra;
Restrição de dados no Censo Escolar pode ser indicativo do que vai acontecer nas eleições;
Facebook ainda não etiqueta como falsas as principais desinformações sobre clima.
Checadores se unem na guerra contra a desinformação
Um dos livros que mantenho ao lado da minha cama é um compilado de imagens feitas pelo fotógrafo francês Marc Riboud. Ele cobriu muitos conflitos ao longo de sua carreira, inclusive no Vietnã. Curiosamente, uma de suas fotografias mais conhecidas ― e que você vai lembrar ― é de uma jovem que empunha uma flor contra fuzis e baionetas durante a Marcha pela Paz, em Washington, em 1967.
Esse livro está sempre à minha vista porque me lembra da jornalista que eu sonhava ser. Entrei na faculdade de jornalismo porque queria ser fotógrafa de guerra. Cresci entre os anos 1980 e 90, sob a fumaça da Guerra Fria e a iminência de um conflito. Pela proximidade geográfica, sempre ouvi histórias sobre a Guerra das Malvinas. Tinha 11 anos quando vi pela televisão a queda do muro de Berlim, em 1989. Menos de dois anos depois, eu acompanhava a cobertura de Pedro Bial da Guerra do Golfo. Ainda vieram muitas outras, como as guerras da Iugoslávia, da Bósnia, do Kosovo. Como jornalista, acompanhei à distância conflitos no Iraque, na Síria, no Afeganistão. Depois disso, achei que eu jamais me enxergaria como uma jornalista de guerra ― e eu estava errada.
A escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia foi marcada por informações, se não deliberadamente falsas, ao menos não comprovadas. Na segunda-feira (21), os russos afirmaram que guardas de fronteira impediram que um grupo invadisse a fronteira da Rússia a partir do território ucraniano e que cinco pessoas foram mortas. Segundo Kiev, a informação é falsa e nenhuma força ucraniana estava presente na região de Rostov, onde o incidente teria ocorrido.
Até aí, nada de novo ― a desinformação sempre foi uma arma de guerra, como comentamos na . Usar informações não confirmadas como estopim para começar uma guerra não é uma tática nova. Um caso típico é a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, sob o pretexto de tomar armas de destruição em massa ― armas essas que nunca foram encontradas. A história está cheia de exemplos.
O site de notícias Axios publicou uma matéria em que alerta que a invasão da Ucrânia foi sustentada pelo que chamou de “frenesi de desinformação russo”. Em resumo, a mídia estatal russa teria sido aparelhada com conteúdo desinformativo para ganhar apoio em seu próprio território e de simpatizantes. A empresa de tecnologia de desinformação NewsGuard identificou três narrativas falsas mais comuns disseminadas pela Rússia. A primeira delas é que o Ocidente deu um golpe em 2014 para derrubar o governo ucraniano. Naquela época, a Ucrânia era governada por um presidente pró-Rússia, que foi deposto a partir dos Protestos da Maidan, fazendo setores pró-Ocidente chegarem ao poder. A segunda narrativa falsa, e que reforça a primeira, é que a política ucraniana é dominada pela ideologia nazista. O argumento de que a Rússia estaria agindo para libertar a Ucrânia do nazismo tem encontrado eco no Brasil. O Vox explicou a estratégia russa para deslegitimar o governo de Volodymyr Zelenski, que é filho de pais judeus. Por fim, a terceira narrativa aponta que teria havia um genocídio de russos na região de Donbas, na Ucrânia.
A novidade é que a desinformação não é mais apenas uma arma da guerra direta entre países ou coalizões, mas um mecanismo da batalha colateral travada nas redes sociais. Muitas dessas peças de desinformação criadas pela Rússia estão se espalhando mundo afora e ganhando novos contornos. Se existe uma disputa entre Rússia, Ucrânia e Otan, há também centenas, talvez milhares de confrontos narrativos espalhados pelo mundo todo.
No Brasil não é diferente. Logo após o início da invasão russa à Ucrânia, na madrugada de quinta-feira (24), o site Choquei, que até então se dedicava à cobertura do Big Brother Brasil (BBB), deu uma guinada editorial e passou a acompanhar o conflito. Além da confusão causada pela mudança brusca, seguidores desconfiaram da falta de fontes claras e o tom alarmista dos tuítes. Ao menos dois conteúdos publicados pela página eram falsos. Um deles afirmava que “dezenas de milhares de corpos mortos estão nas ruas da capital ucraniana”. Outro, reciclava um vídeo antigo como cena de um ataque recente.
A profusão de desinformação relacionada à guerra em diferentes partes do globo motivou checadores de diversos países a se unirem no combate à desinformação, em uma coalizão organizada pela International Fact-Checking Networking (IFCN). De cara, os checadores se depararam com um dado preocupante: das 53 primeiras peças checadas, somente três eram compostas exclusivamente por texto, demonstrando que imagens falsas e vídeos manipulados estão se espalhando e ganhando espaço na guerra desinformativa.
Só aqui na Lupa, já verificamos cinco peças relacionadas à guerra entre Rússia e Ucrânia ― e continuaremos. Para facilitar a consulta, todas as checagens estão elencadas em uma só matéria. E é assim que, de um dia para o outro, nos percebemos literalmente no meio de uma cobertura de guerra. Não aquela das barricadas físicas, mas das trincheiras da desinformação.
Abs,
Marcela Duarte
Coordenadora de Produto
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Apagão de dados na educação é prelúdio ruim para eleição
Pela primeira vez desde que começou a divulgar os dados em 2007, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) resolveu omitir a maior parte das informações do Censo Escolar 2021 e tirou do ar os mesmos microdados referentes às edições anteriores. A alegação para a retirada, segundo a autarquia federal, é que os conteúdos anteriormente publicados tinham “possibilidade de identificação de pessoas” e isso fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O caso acende um sinal amarelo sobre a possibilidade de retenção de dados de candidatos, como financiadores, durante a eleição deste ano e ampliar a desinformação na disputa.
No caso da educação, com essas planilhas do Censo Escolar, pesquisadores, governantes e jornalistas analisavam o cenário do ensino, as melhoras e pioras das cidades, estados e do país e os desafios que a área teria que enfrentar. Sem eles, o acompanhamento e a fiscalização não ocorre e dificulta a checagem de informações propagadas pelos gestores públicos.
Apesar dos microdados contabilizarem e detalharem características das escolas, das turmas, dos professores e dos alunos, a informação não tinha uma referência nominal e, no lugar de estudantes e docentes, eram utilizados códigos. O Inep afirmou que a medida foi tomada após pesquisadores contratados pela instituição identificarem que, com os antigos indicadores cruzados ― que iam desde mês, ano de nascimento, código da escola e raça ―, a probabilidade de identificar um aluno era de 75,51%.
O problema é que são exatamente esses dados que permitem fazermos análises e cobrar dos governantes ajustes que permitam que distorções no ensino não aconteçam. Essas informações que possibilitaram perceber que a idade média de estudantes negros nas escolas é maior do que brancos, e que isso pode ter relações com questões socioeconômicas. Graças a elas, a Lupa conseguiu checar prefeitos e governadores, quando falavam sobre número de alunos no ensino integral.
O episódio no Inep fez com que entidades questionassem se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá uma posição parecida com dados fornecidos pelo candidatos. Atualmente, a plataforma DivulgaCand traz um mosaico de informações dos postulantes que vão desde estado civil, profissão, declaração de bens e o nome e CPF de pessoas que contribuíram financeiramente com a campanha. A corte elaborou um grupo de trabalho para tratar do tema. O presidente Edson Fachin afirmou que não haverá sigilo nas doações, mas que a questão não é “tão simples”.
O debate, como se percebe, está em se achar uma intermediação entre a privacidade e a transparência. E não deve terminar com a eleição.
Um abraço,
Raphael Kapa
Coordenador de Educação
…no TSE: Edson Fachin foi empossado presidente do TSE e com declarações mais incisivas, mas que precisam se pautar em medidas concretas. Ele afirmou que poderá impor limites na atuação de aplicativos que possam afetar o pleito de outubro. A postura é uma reação ao silêncio do Telegram, aplicativo de mensagens, após o TSE tentar entrar em contato para pensar ações em conjunto. O novo presidente disse que está analisando as experiências em outros países e citou a Alemanha, que conseguiu fazer com que o Telegram se adequasse às normas internas. Outra declaração mais forte foi sobre os próprios ataques e questionamentos à Justiça Eleitoral, o que inclui a dúvida sobre as urnas eletrônicas. Fachin afirmou que a resposta será implacável e afirmou que quem propaga desinformação sobre a Justiça Eleitoral causa mais danos “do que uma crítica exclusivamente política”.
…no Facebook: pesquisadores de Inteligência Artificial coletaram mais de 7 milhões de fotos geolocalizadas publicadas na plataforma e construíram o que chamaram de “mapa da moda”. Com a análise, eles puderam identificar tendências no vestuário em determinadas cidades e identificar estilos e perfis que os usuários podem querer ter.
… ainda no Facebook: pesquisadores alertam que a plataforma não está direcionando os usuários para informações climáticas confiáveis. De acordo com o Center for Countering Digital Hate, de 184 publicações comprovadamente falsas analisadas, somente metade foi marcada como desinformação na plataforma. A seleção foi feita a partir de postagens feitas por editores famosos por propagar desinformação sobre o tema e que correspondem a 69% das interações do Facebook quando o assunto é negacionismo climático.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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