🔎 Lente #46: TikTok vira front estratégico na guerra da Rússia
Boa sexta-feira, 4 de março. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Por que a invasão da Ucrânia é chamada de Guerra TikTok;
‘PL das Fake News’ pouco ajuda no combate à desinformação;
Twitter amplia testes de ferramenta colaborativa de combate à desinformação.
TikTok é front estratégico na invasão da Ucrânia
Na semana passada, neste mesmo espaço aqui, usei minha infância nos anos 1980 e os atrativos das coberturas de guerra em vídeo, na época restritas à televisão, como gancho para escrever sobre a invasão da Ucrânia. Ao longo dos sete dias que transcorreram desde a , vimos a história se repetir — exceto pelas plataformas a que cada geração tem acesso.
Fui dar uma olhadinha no TikTok (quem usa sabe que é impossível dar só uma olhadinha) no fim de semana para ver o que estava rolando por lá sobre a guerra. Desde então, não deixei de conferir um dia sequer — o que não quer dizer que você deva fazer o mesmo. Explico por que.
O conflito entre Rússia e Ucrânia está sendo chamado de “primeira Guerra TikTok”, como apontou o Guardian num texto sobre como os influenciadores russos e ucranianos estão lidando com a questão. No entanto, quem ganhou protagonismo nesses últimos dias foram os cidadãos comuns ucranianos, que transmitem ao vivo a invasão das tropas russas, bombardeios e o dia a dia em uma zona de conflito.
Esta não é a primeira guerra transmitida via redes sociais. A Primavera Árabe, de 2011, ganhou fôlego no Twitter e no Facebook. A guerra da Síria, em 2018, encheu as redes sociais de imagens de crianças atingidas por armas químicas. No ano passado, acompanhamos pelo Twitter a tomada de Cabul pelo Talibã. Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia é, sem dúvida, a primeira a ser transmitida pelo TikTok, uma rede exclusivamente de vídeos curtos. Segundo a revista Wired, dados da plataforma apontam que, entre 20 e 28 de fevereiro, semana em que teve início a invasão, vídeos com a hashtag #Ukraine tiveram um salto de visualizações de 6,4 bilhões para 17,1 bilhões, ou seja, 928 mil visualizações por minuto.
O resultado disso é uma pulverização de micropartículas de informações, o que certamente tem riscos. “Cada vídeo do TikTok é um pequeno retrato de um curto momento na linha do tempo, muitas vezes sem qualquer outro contexto”, declarou David French, editor sênior da revista online estadunidense The Dispatch, em entrevista à CNN. Para ele, as plataformas não oferecem uma visão estratégica global sobre a guerra.
Como bem lembrou o El País, o conflito não é apenas no campo de batalha físico: ele tem pelo menos três frentes digitais. A primeira delas diz respeito à informação de guerra, já que os serviços de inteligência se valem de imagens do TikTok para saber, por exemplo, o número de aeronaves em determinado ponto. Outra frente de batalha é por servidores e redes de computadores, o que envolve uma série de ataques hackers que temos visto nos últimos dias. E a última — sabemos bem — é a guerra da desinformação. É o que fazem, por exemplo, separatistas pró-Rússia nas regiões de Donetsk e Luhansk ao compartilhar vídeos acusando o exército ucraniano de ataques que eles negam ter realizado. Especialistas questionam essas imagens (o som de tiros, por exemplo, é copiado de outro vídeo mais antigo). E essas alegações são usadas como pretexto para justificar a invasão.
Veículos e agências de checagem signatários da Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN, na sigla em inglês) — da qual a Lupa faz parte — formaram uma coalizão para reunir informações verificadas no mundo todo sobre a Guerra da Rússia contra a Ucrânia. O esforço resultou em um mapa interativo atualizado diariamente, em que é possível ver as publicações por país. O Brasil aparece com mais de 30 verificações sobre o conflito.
Há ainda o risco de se romantizar a guerra — que existe desde antes das redes sociais. Essa romantização não vem apenas nos vídeos dos civis ucranianos fabricando coquetéis molotov para serem usados contra os soldados russos: ela também vem maquiada nas tendências do TikTok, que pasteuriza e glamurifica a guerra. Alex Hook, soldado ucraniano que viralizou com vídeos mostrando os bastidores da resistência, tem um vídeo dançando uma música de Michael Jackson que tem quase 80 milhões de visualizações.
O problema dessa glamourização, especialmente quando nos informamos com pequenos recortes da realidade, é o mesmo da disseminação de conteúdos falsos: muitas vezes agimos com base em vieses inconscientes. Esses conteúdos reverberam em muitas pessoas, ainda que sem embasamento em fatos. É importante destacar que a principal audiência do TikTok é a geração Z, ou seja, nascidos entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010. É a geração que está formando agora sua personalidade, moldando seus interesses. E é no TikTok que essa geração está lapidando a forma como vai encarar o mundo, que não sabemos como será a partir desta guerra. Por isso, é necessário frear a disseminação de desinformação e investir em educação midiática.
Abs,
Marcela Duarte
Coordenadora de Produto
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‘PL das Fake News’ pouco ajuda no combate à desinformação
O projeto de Lei nº 2.630, conhecido como "PL das Fake News", voltou a ser tópico de debate nas últimas semanas, depois que o Congresso voltou a aventar a possibilidade de colocá-lo logo em votação. Segundo o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a expectativa é de que a proposta seja votada em plenário na Câmara no mês de março. O que não significa que haja consenso ou mesmo apoio da maioria ao texto, que tem sido alvo de críticas — inclusive .
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Silva afirmou que a medida não tem como objetivo "afetar nenhuma empresa, nenhum aplicativo, nenhuma tecnologia, nenhuma liderança política" e que ele trabalha por um "ambiente na internet menos tóxico, que permita fluir mais o debate, em que a opinião do cidadão brasileiro se forme ancorada em dados objetivos, informações". O deputado também disse não ser possível conceituar "fake news", uma vez que não há uma definição consolidada de desinformação no mundo.
Até aqui, estamos todos de acordo. Mas há incontáveis artigos e parágrafos do PL 2.630 que merecem atenção redobrada. Em artigo recente no Jota, Vinicius Marques de Carvalho e Marcela Mattiuzzo chamaram a atenção para a determinação de autorregulação das plataformas para a aplicação da lei e para o quanto a redação dos artigos que delimitam essa prática é confusa até mesmo para quem é versado em legislação. Trechos como o que trata da proibição da combinação de “tratamento de dados pessoais dos serviços essenciais dos provedores com os serviços prestados por terceiros, quando tiverem como objetivo exclusivo a exploração direta e indireta no mercado em que atua ou em outros mercados”, por exemplo, não estabelecem com clareza o que está sendo vedado. O que são serviços essenciais neste contexto? O que é a exploração direta? E a indireta?
Outras críticas vêm das próprias plataformas. Na quinta-feira (24), quando parte dos brasileiros já se preparava para curtir o Carnaval (fosse pulando, fosse descansando), Facebook/Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre assinaram uma carta aberta criticando o PL 2.630, que, segundo as empresas, "irá restringir o acesso das pessoas a fontes diversas e plurais de informação; desestimular as plataformas a tomar medidas para manter um ambiente saudável online; e causar um impacto negativo em milhões de pequenos e médios negócios que buscam se conectar com seus consumidores por meio de anúncios e serviços digitais".
O certo é que, como já dissemos em edições passadas da Lente, o PL 2.630 não é um projeto de lei para combate à desinformação. Não deveria sequer levar a alcunha de PL das Fake News, como leva. Enquanto artigos sobre remuneração a veículos de imprensa, autorregulação regulada e até uma espécie de imunidade parlamentar digital são acoplados a um texto que, por si, já era questionável, a única solução de fato para a desinformação, a educação, segue relegada a pouquíssimos parágrafos, sem qualquer determinação concreta.
…no Roda Viva: o recém empossado presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin, estará no centro do tradicional programa de entrevistas da TV Cultura na próxima segunda-feira (7). Na pauta, as ameaças baseadas em desinformação ao processo eleitoral brasileiro e as ações da corte para combatê-las. Fachin não estará à frente do TSE durante a eleição, em outubro. Esse papel caberá ao ministro Alexandre de Moraes, atual vice-presidente do tribunal. Mas a preparação para o processo eleitoral recai sobre Fachin, que herda do ministro Luís Roberto Barroso uma estrutura robusta — ainda que cheia de problemas — focada no combate à desinformação. A diretora-executiva da Lupa, Natália Leal, estará na bancada para a entrevista.
…no Twitter: a empresa está ampliando os testes do Birdwatch, sua ferramenta colaborativa de combate à desinformação, nos Estados Unidos. O Birdwatch permite que indiquem informações potencialmente falsas em tuítes, adicionando contexto e conteúdos verdadeiros que possam comprovar a falsidade. Até agora, essas informações apareciam em um site separado, mas com a expansão dos testes, elas estão disponíveis diretamente no Twitter. Porém, para uma parcela muito pequena dos usuários americanos — e sem qualquer previsão de chegada ao Brasil.
…no Telegram: o app informou que baniu mais de 17 mil grupos de pornografia infantil em fevereiro. De acordo com pesquisa da SaferNet Brasil, somente no Telegram, de 2020 para 2021, as denúncias de pornografia envolvendo crianças e adolescentes aumentaram 99,5%, enquanto este número despencou no WhatsApp. A associação acredita que esteja havendo uma migração, uma vez que o WhatsApp teria uma política mais dura no combate ao abuso sexual de crianças. Aliás, no sábado de Carnaval (26), o Telegram divulgou que bloqueou três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos. A ação decorreu de uma determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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