🔎 Lente #47: Mulheres precisam mais que políticas de segurança
Boa sexta-feira, 11 de março. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Políticas públicas voltadas para mulheres focam em segurança;
Os limites da LGPD e da transparência pública;
Fake news na próxima novela das nove.
Mulheres precisam mais do que políticas públicas de segurança
As políticas públicas para mulheres propostas por quem comanda governos estaduais e presidência da República são, em sua maioria, voltadas para a área da segurança. Cheguei a essa conclusão após analisar um levantamento ainda não divulgado do projeto SobreElas, lançado pela Lupa na terça-feira (8), Dia Internacional da Mulher. Com o apoio da Fundação Heinrich Böll, a iniciativa tem como objetivo verificar as promessas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e os 27 governadores eleitos em 2018, identificando o que foi cumprido por esses políticos. Ainda que o objetivo final seja a verificação das propostas, se debruçar sobre os planos de governo e cada uma das metas estabelecidas nos permite entender como os políticos acreditam que vão resolver questões relacionadas às mulheres.
Nesta semana, dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que uma mulher foi estuprada, em média, a cada dez minutos no ano passado, totalizando 56,1 mil casos. Isso indica um aumento desse tipo de crime em comparação com o ano anterior.
Na segurança, os governadores eleitos em São Paulo e Rio de Janeiro em 2018, João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC), tiveram a mesma ideia: aumentar o número de Delegacias da Mulher em seus respectivos estados. Esses espaços contam com um atendimento especializado para atender mulheres vítimas de violência. Identificamos que, até agora, apenas Doria cumpriu a meta, criando cinco novas unidades no estado. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, agora governado por Cláudio Castro (PL) em razão do afastamento de Witzel, não houve a inauguração de novas Delegacias da Mulher na atual gestão.
É indiscutível a necessidade de propostas na área de segurança, mas não é só isso. Sabemos que muitas brasileiras sofrem com outros tipos de violência, seja dentro de casa ou fora, verbal ou fisicamente. Além disso, as políticas públicas voltadas às mulheres não devem se resumir à questão da violência. Elas ganham 19% menos que os homens, podendo chegar a 33% menos em cargos de liderança, mas quase metade das casas do país são comandadas por mulheres. É necessário compreender o abismo de oportunidades entre homens e mulheres e de que forma é possível fazer essa compensação, seja com cursos profissionalizantes, com iniciativas que fomentem o empreendedorismo, ou com ações que propiciem mais mulheres em cargos eletivos.
E são justamente essas ações (ou suas promessas) que são apresentadas nos planos de governo, submetidos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Olhar detalhadamente para esses documentos nos ajuda a decidir de que forma queremos que a questão seja tratada nas políticas públicas. Neste mês de março, assumimos o compromisso de nos debruçarmos sobre as propostas já feitas, e também de manter o SobreElas ativo ao longo do ano, incluindo na eleição de outubro, sempre acreditando que eleitoras (e eleitores) bem informadas fazem escolhas melhores.
Abraços,
Nathália Afonso
Repórter
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Os limites da LGPD e da transparência
Na Lente #45, o Raphael Kapa, coordenador de Educação da Lupa, escreveu aqui sobre a decisão do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de omitir a maior parte das informações do Censo Escolar 2021, além de tirar do ar os mesmos microdados referentes às edições anteriores. Kapa já alertava para a dificuldade que isso pode acarretar no acompanhamento e na fiscalização do cenário do ensino brasileiro, além de tornar a checagem de informações propagadas pelos gestores públicos ainda mais complexa.
A alegação do Inep para isso é a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já que, segundo a instituição, os conteúdos anteriormente publicados tinham “possibilidade de identificação de pessoas”, o que contraria a norma. No entanto, a medida gerou um amplo debate sobre os limites da LGPD e da transparência pública. Desse debate, surgiram posicionamentos, muito deles contra a retirada das informações.
Entre as entidades que se posicionaram publicamente sobre a questão está o Fórum de Direito a Acesso a Informações Públicas, uma coalizão de 26 entidades da sociedade civil, organizações de mídia e pesquisadores, incluindo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
O Fórum publicou uma nota sobre a questão, intitulada “Inep faz uso equivocado da LGPD ao suprimir microdados da educação”, apontando que a justificativa do órgão para a retirada dos dados “é equivocada e compromete a transparência das políticas públicas de educação”. Lembrou que diversas reportagens usaram os dados do Censo para mostrar que 293 estudantes nas piores condições socioeconômicas obtiveram notas semelhantes a de alunos de escolas de elite no Enem, e para verificar o desempenho de alunos cotistas e não cotistas em universidades. Além disso, várias delas foram reconhecidas pelo próprio Inep em seu Prêmio de Jornalismo.
“Para avaliar a preponderância de interesse público e garantir, ao mesmo tempo, transparência e privacidade, uma série de práticas e procedimentos são adotados por órgãos públicos de todo o mundo. É preciso ponderar benefícios e eventuais riscos”, aponta ainda a nota, que finaliza afirmando que “a proteção de dados pessoais não pode ser pretexto para a redução da transparência pública e comprometimento do controle social”.
Certamente o debate sobre até onde vai a LGPD e onde começa a transparência pública ainda vai longe, pois não é um tema simples e ainda incipiente. No entanto, são necessárias garantias de que não haverá perdas, tanto nos sofridos avanços no acesso à informação como em bases de dados que permitam análises cuidadosas da realidade.
…na guerra entre Rússia e Ucrânia: o fact-checking, creia, está sendo usado para espalhar desinformação relacionada ao conflito. Nesta semana, uma matéria da ProPublica assinada por Jeff Kao e Craig Silverman, referência em verificação, mostrou passo a passo como isso acontece. Por exemplo, no início do mês, um funcionário da região separatista pró-Rússia de Donetsk twittou um vídeo que, segundo ele, revelava “como as falsificações ucranianas são feitas”. Eram dois vídeos justapostos de uma explosão em uma área urbana. As legendas em russo apontavam que o vídeo havia sido divulgado por propagandistas ucranianos que diziam se tratar de um ataque com mísseis russos em Kharkiv, a segunda maior cidade do país. Mas, como as legendas do segundo vídeo explicaram, as imagens eram de uma explosão de um depósito de armas na mesma área em 2017. A mensagem é para que não se confie em imagens de supostos ataques com mísseis russos porque os ucranianos estariam espalhando mentiras sobre o que realmente está acontecendo, e grupos pró-Rússia estão desmascarando. Uma verificação de fatos muito útil, certo? Errado: há pouca ou nenhuma evidência de que o vídeo tenha circulado antes disso. Ou seja, a verificação parece ser parte de uma campanha de desinformação disfarçada como verificação de fatos.
…na próxima novela das nove: os danos que as notícias falsas provocam nas vidas das pessoas serão o tema central da próxima novela do horário nobre da Globo, que deve estrear em outubro. Segundo o Notícias da TV, a autora, Gloria Perez, chegou a afirmar que “a fake news será a grande vilã da história”. "Quero trazer uma história que emocione e faça pensar, refletir sobre uma porção de coisas, dentro desse universo moderno que estamos vivendo de revolução tecnológica, de excesso de informação”, disse. Na trama, Perez deve retratar a tecnologia por dois lados, como vilã e como mocinha. Haverá um retorno da delegada Helô, de Salve Jorge (2012), interpretada por Giovanna Antonelli, a quem caberá o papel de mostrar que a internet não é terra sem lei. Por aqui, estamos animados com a perspectiva desse debate ser colocado em rede nacional, furando a bolha e apresentando o tema para o grande público.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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