🔎 Lente #48: PL das Fake News sob "feitiço do tempo"
Boa sexta-feira, 18 de março. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
PL 2.630/2020 anda em cÃrculos, sem contribuir para o combate à desinformação;
Pôster reúne estratégia básica da desinformação;
TSE quer contratar empresa para monitorar fake news, mas já tem parceria com quem faz isso.
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O feitiço do tempo e o "PL das Fake News"
Quando eu era estagiária em uma rede de TV em Porto Alegre, lá pelos idos de 2007, toda vez que um assunto se repetia nas nossas reuniões de pauta, uma editora dizia: "é o Dia da Marmota". Todos riam. Eu me perguntava o que ela queria dizer com aquilo, mas também não queria, no alto da minha imaturidade, admitir que não fazia ideia do que ela queria dizer. Só fui entender, de fato, quando assisti a "O Feitiço do Tempo", um filme de 1983, no qual o Bill Murray encarna um jornalista egocêntrico que, por questões mágicas, fica preso em um mesmo dia de sua vida por tempo indeterminado. Este dia é 2 de fevereiro, quando o jornalista cobria o Dia da Marmota em uma pequena cidade da Pensilvânia, um festival no qual a marmota pode "prever" a duração do inverno, segundo a cultura popular local.
Desde então, adotei também eu essa ideia de me referir a coisas que se repetem incansavelmente como parte desse feitiço do tempo que nos faz ter a impressão de que andamos, andamos, mas acabamos voltando para o mesmo lugar. É assim que me sinto ao acompanhar os desdobramentos do PL 2.630/2020, o famoso PL das Fake News — que "das Fake News" não tem nada —, que tramita no Congresso e, agora, parece se encaminhar finalmente para votação (ainda que isso não tenha nada de positivo para o combate à desinformação).
Na última quinta-feira (17), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a votação do PL é uma prioridade para a casa, mas que isso só acontecerá depois que todos os partidos tiverem conversado com o relator da medida, Orlando Silva (PCdoB-SP), para entrar em um acordo sobre ela. A principal preocupação é com a base aliada do governo federal, que vê infinitas ameaças no projeto. O próprio governo já afirmou que vai propor mudanças no texto, mas ainda não se sabe quais seriam.
Segundo Lira, o assunto é delicado e "qualquer palavra ali fora do contexto gera distorções. Tem interesses grandes por trás dessa questão, cito as big techs x jornalismo, por exemplo; e o interesse das empresas de comunicação, dentre outros grupos". Esse interesse a que Lira se refere diz respeito especificamente ao artigo 38 do texto: "os conteúdos jornalÃsticos utilizados pelos provedores ensejarão remuneração ao detentor dos direitos do autor do conteúdo utilizado, ressalvados o simples compartilhamento de endereço de protocolo de internet do conteúdo jornalÃstico original e o disposto no art. 46 da Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, na forma da regulamentação".Â
Com uma redação confusa, que não determina especificamente quem, de fato, seria beneficiado nem como, o trecho é alvo de crÃticas. Nesta semana, a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), entidade que reúne mais de 70 empresas jornalÃsticas nativas digitais brasileiras, publicou um comunicado no qual expõe as nefastas consequências de medida semelhante adotada na Austrália pouco tempo atrás. A Ajor — veja bem, uma associação de veÃculos de jornalismo — se posicionou frontalmente contra o projeto de lei, antevendo os riscos que ele representa para a pluralidade jornalÃstica no paÃs.
O certo é que esse artigo especÃfico nasceu de um grande trabalho de influência de alguns dos maiores grupos de comunicação brasileiros junto a deputados e senadores em BrasÃlia. Estive em eventos nos quais essa possibilidade foi aventada e exposta e ouvi de importantes figuras que cuidam detalhadamente do que se conhece como "relações institucionais" que as conversas avançavam. A partir desse avanço, se acoplou a medida a essa suposta Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, que ficou conhecida como Lei das Fake News, mas não contribui em nada para parar os processos desinformativos tão nocivos para os nossos ambientes polÃtico, econômico e social.
De todo modo, congressistas já admitem que as medidas determinadas pelo PL 2.630/2020 não devem valer para a eleição deste ano. A expectativa é que haja um texto para ser apreciado até o fim de março, mas, além da remuneração por conteúdos jornalÃsticos, há outras polêmicas, como a rastreabilidade (como identificar a origem de um conteúdo), a transparência do algoritmo e a extensão da imunidade parlamentar à s plataformas de redes sociais.
Do lado das big techs, há ainda o argumento de que a proibição do uso de dados pessoais compartilhados conscientemente por usuários para fins publicitários (ou seja, para o direcionamento de anúncios) terá um impacto econômico e financeiro gigantesco nos pequenos e médios negócios que usam as plataformas para se conectar com clientes. Foi o que disse o Google, entre outras ponderações, em sua carta aberta publicada na semana passada, sob assinatura de Fábio Coelho, presidente da empresa no Brasil. Uma reedição da carta publicada dias antes e assinada em conjunto também por Facebook, Instagram, Twitter e Mercado Livre.
As discussões, embora crescentes, não avançam no mérito. Os pontos polêmicos não são revisitados e corrigidos. Como quase tudo no Brasil, se faz um debate de fachada, que acaba por nublar as negociações polÃtico-partidárias que se desenrolam nos bastidores. Enquanto isso, a Câmara aprova, por exemplo, a ampliação dos gastos em publicidade digital no primeiro semestre de anos eleitorais. Deputados contrários à medida afirmam que ela pode privilegiar o governo federal, autorizado a gastar mais em publicidade institucional justamente no ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) disputará a reeleição, ou seja, podendo fazer uso da máquina pública para uma campanha velada.
Nada de novo no front. É o Dia da Marmota.
Um abraço,
Natália Leal
CEO
Pôster reúne estratégia básica da desinformação
Dar voz a especialistas falsos, se valer de falácias lógicas, criar expectativas irreais, ouvir só o que confirma sua posição e espalhar teorias da conspiração: essas são as estratégias mais comuns usadas para disseminar desinformação. E agora todas elas estão reunidas em um , simples e traduzido para o português.
A Lupa lançou nesta semana a versão brasileira do pôster que reúne informações básicas sobre desinformação, desenvolvido há dois anos pelos colegas do site americano Skeptical Science, autoridade quando o assunto é ciência, e do alemão Klimafakten, especializado em ciência climática. O design é de autoria da ilustradora de Hamburgo Marie-Pascale Gafinen.
Os métodos apresentados no pôster são usados em campanhas de desinformação em uma ampla gama de tópicos: seja alguém distorcendo descobertas da ciência climática, manipulando informações sobre a pandemia de Covid 19 ou tentando construir supostas justificativas para uma guerra. Linguisticamente, os truques de desinformação são ― infelizmente ― universais. É por isso que quase não precisamos mudar nada na nova versão do pôster.
Nossa expectativa é que o pôster sirva de material de apoio em muitas frentes, especialmente para professores que precisam lidar com o tema da desinformação com seus alunos. Para baixar o pôster, .
…no TSE: o Tribunal Superior Eleitoral quer contratar uma empresa para monitorar a desinformação que circula no ambiente digital sobre o processo eleitoral e sobre a própria corte. Segundo a secretaria-geral da presidência, o TSE quer ser mais rápido na identificação de desinformação que possa ter impacto em sua própria imagem e na credibilidade da eleição para agir com mais rapidez para contê-la. Não está claro se a contratação do serviço se dará por licitação ou por meio de uma consultoria técnica, mas já se sabe que o TSE busca uma empresa que transfira a tecnologia de monitoramento para o tribunal. Vale lembrar que plataformas de checagem, como a Lupa, já fazem esse trabalho em colaboração com o TSE — e não recebem qualquer contrapartida financeira por isso.
…no Check My Ads: o princÃpio é o mesmo do Sleeping Giants, e as duas iniciativas, inclusive, compartilham uma cofundadora, a americana Nandini Jammi. Mas, além das campanhas regulares, o Check My Ads é um serviço de consultoria especÃfico voltado a empresas que querem parar de financiar a propagação da desinformação com seus anúncios na internet, assumindo as rédeas sobre em quais sites e páginas suas marcas poderão ser apresentadas por sistemas de mÃdia paga automatizados que já atuam no ambiente digital. Jammi e Claire Atkins, a outra fundadora do CMA, falaram sobre seus esforços no SXSW 2022, na última semana, no Texas (EUA). Atualmente, o CMA tem uma campanha ativa para parar os anúncios em páginas de influenciadores que incentivaram o ataque ao Capitólio, em Washington DC, em 5 de janeiro de 2021, como Steve Bannon e Dan Bogino, entre outros.
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