🔎 Lente #50: SobreElas mostra um país sem compromisso e transparência
Boa sexta-feira, 1º de abril. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
SobreElas nos mostrou a falta de transparência nos governos do Brasil, e a falta de compromisso dos governantes;
Novo substituto do PL 2.360 pode ir a plenário cheio de vícios;
Editores da Wikipedia em português consideram quatro veículos brasileiros como “fontes não-confiáveis”.
Curte a Lente? Envie este link e convide seus amigos para assinarem a newsletter
Mais transparência, menos marketing
Nas últimas quatro semanas, a equipe da Lupa se debruçou sobre exatas 218 promessas feitas pelos 27 governadores e pelo presidente da República para as eleitoras brasileiras na campanha de 2018. Menos da metade (90 metas no total) do que foi prometido para mulheres saiu, de fato, do papel.
O trabalho realizado ao longo do mês de março para a segunda edição do projeto SobreElas jogou luz em uma verdade indigesta, justamente às vésperas de um novo pleito: a ausência de dados que, em tese, deveriam ser públicos. Embora a internet tenha facilitado a disponibilização de informações, poucos governos estaduais têm sites organizados e com informações claras acerca de ações, projetos e políticas públicas que estão em andamento para mulheres.
Em Roraima, por exemplo, não é possível consultar na página da Secretaria de Segurança Pública os índices de crimes como estupro para saber se esse tipo de violência diminuiu ou foi eliminado, como prometeu o governador Antonio Denarium (PP) em 2018. No Amapá, não foram localizadas informações públicas acerca da licitação para a única meta feita para mulheres pelo governador Waldez Góes (PDT): a implantação da Casa da Mulher Brasileira. No Acre, não é possível encontrar, nas páginas do governo, nem mesmo o endereço das delegacias especializadas para atendimento às vítimas de violência. Outro exemplo vem do Rio Grande do Norte, estado cuja Assembleia Legislativa não divulga os projetos de lei que tramitam na casa.
Para verificar se as metas foram ou não cumpridas, recorremos a pedidos oficiais junto aos órgãos de comunicação dos governos porque simplesmente não era possível comprovar se obras prometidas, por exemplo, foram concluídas. Para nós, jornalistas, buscar fontes oficiais não é uma novidade, esse processo faz parte do trabalho de verificação e de apuração. Mas é importante lembrar que dados e informações, além de valiosas fontes para análises e construção de políticas públicas, são um direito da população e deveriam ser facilmente acessadas.
Toda essa experiência me fez lembrar de uma fala do filósofo político e historiador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), que afirmou que a transparência do poder está entre as promessas não mantidas da democracia, sendo a mais grave, a mais destruidora e a mais irremediável. Nesse sentido, a chamada “cultura do segredo”, perpetuada na gestão pública brasileira desde sempre, pode e deve ser neutralizada a partir do exercício pleno do direito de saber.
Desde 2012 temos previsto na constituição o acesso à informação por meio da Lei nº 12.527 (a Lei de Acesso à Informação). Por isso é sempre bom lembrar que a transparência é uma das ferramentas mais eficazes para o combate à corrupção. Ela permite a fiscalização, o acompanhamento e a avaliação dos gestores.
Por fim, a constatação da cientista política Camila Cassis, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na última reportagem da série SobreElas (que será publicada nesta sexta-feira, 1º), soa como um alerta em um ano eleitoral. Mulheres precisam de mais do que marketing de campanha ou promessas vazias para ganhar votos. Precisamos de transparência para que saibamos o quê e de quem cobrar nas urnas em outubro.
Abraços,
Carol Macário
Repórter
Mudanças cosméticas no PL 2.360 não resolvem vícios graves
Na manhã desta quinta-feira (31), o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentou a versão final do substitutivo do PL 2.360/2020, erroneamente apelidado de “PL das Fake News”. A nova versão mantém alguns dos dispositivos mais problemáticos do projeto, incluindo um mal ajambrado mecanismo de remuneração de veículos de comunicação por parte das plataformas e, claro, a previsão de “imunidade” para a atuação de agentes políticos nas redes.
O artigo 38 prevê que “provedores de aplicativos” — definição que inclui plataformas de redes sociais, buscadores e aplicativos de mensagem — “ensejarão remuneração às empresas jornalísticas de direitos de autor”. Na sua versão original, tratava-se de uma única e longa frase, que pouco explicava quem pagaria o quê para quem dentro de quais determinações. A nova versão tem quatro parágrafos, e inclui que a remuneração deve valorizar o “jornalismo profissional nacional, regional, local e independente” — mas, ainda assim, não avança em absolutamente nada a proposta original.
Apesar de parecer, à primeira vista, um grande ganho para o jornalismo, esse mecanismo de remuneração pode gerar mais problemas do que soluções. A Associação de Jornalismo Digital (Ajor), uma entidade de veículos jornalísticos e, em tese, “beneficiários” deste artigo, publicou um texto há duas semanas comentando legislação similar aprovada na Austrália. Lá, a medida favoreceu acordos sem nenhuma transparência entre grandes veículos e as plataformas e prejudicou os mesmos veículos regionais, locais e independentes que o texto proposto por Silva diz proteger. A diferença, importante dizer, é que a mudança aprovada na Austrália foi feita a partir de uma legislação extensa e detalhada — ao contrário dos quatro parágrafos pouco esclarecedores apresentados pelo deputado.
Outro ponto crítico que foi mantido é o artigo 22. Esse trecho define que contas de políticos exercendo cargo eletivo ou em cargos de direção nos três poderes passam a ser consideradas “de interesse público”. Essa mudança traz alguns aspectos positivos — as comunicações de agentes públicos por essas contas passam a estar “sujeitas às mesmas obrigações de transparência às quais as comunicações oficiais estão submetidas”. Como sempre, há um porém: o parágrafo 8 diz que “a imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais”.
Esse trecho abre brechas para que políticos fiquem livres para continuar propagando desinformação nas redes, inclusive sobre temas que possam causar danos à população — não é pequena a lista de congressistas que divulgaram em suas redes sociais remédios sem eficácia contra a Covid-19, e Bia Kicis (PL-DF) chegou a divulgar um vídeo ensinando um “truque” para não usar máscaras.
É curioso que esse parágrafo tenha sido aceito por Silva. Ele é o autor do projeto de lei chamado “Estatuto da Família do Século XXI”, alvo de uma das campanhas difamatórias mais agressivas, covardes e despudoradamente mentirosas dos últimos tempos, com boa parte dessa desinformação circulando a partir de perfis de congressistas nas redes sociais. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), por exemplo, acusou ele e o relator do projeto, Túlio Gadelha (Rede-PE), de quererem “legalizar o incesto” porque um trecho (redigido de forma pouco clara, é preciso notar) falava no reconhecimento de famílias “independentemente de consanguinidade”, para se referir a pais e filhos adotivos.
Na entrevista coletiva em que apresentou o novo substitutivo, Silva disse que conversou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e que o projeto deve ser votado na semana que vem ou na seguinte. Instituições como a Coalizão Direitos na Rede, o InternetLab e o Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS) estão se organizando para evitar que o projeto seja votado em plenário da maneira que está. A Lupa apoia essa mobilização. O PL 2.360 não está maduro o suficiente para virar lei. Do jeito que está, essa legislação não só falhará em resolver os problemas que diz querer solucionar como criará novas angústias para todos os que lutam e trabalham por um ambiente digital mais saudável.
Chico Marés,
Coordenador de Jornalismo
…na Wikipedia: entre janeiro e março deste ano, os editores da Wikipedia em português determinaram que quatro veículos de notícias brasileiros não devem ser usados como fonte para artigos: Brasil 247, Diário do Centro do Mundo, Revista Oeste e Jovem Pan. No entendimento deles, esses sites têm “elevado viés” político e costumam publicar desinformação. A produtora Brasil Paralelo também foi incluída nessa lista. Um dos sites classificados como “fonte não confiável”, o Brasil 247 publicou texto acusando, sem provas, que a enciclopédia digital estaria sendo capturada por “interesses políticos”. Os editores responderam em uma nota, explicando que a decisão de excluir esses sites do rol de fontes válidas foi uma decisão coletiva. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) entrou na briga e condenou a decisão, dizendo em nota que a Wikipedia não teria “legitimidade” para “tachar veículos de comunicação brasileiros como ‘fonte não confiável’”.
…nas novas funcionalidades do Instagram: recente palco de uma série de campanhas como #BlackLivesMatter e #WomensRight, o Instagram resolveu lançar uma nova função para propagar o ativismo dentro da plataforma. O novo botão terá duas opções: uma de “Espalhar a palavra”, que permite compartilhar a causa defendida entre os amigos, e “Criar uma arrecadação de fundos”, para conseguir levantar quantias financeiras para apoiar a causa.
…na relação da Meta com o Tik Tok: reportagem do Washington Post diz que a Meta, empresa que controla o Facebook e outras plataformas de rede social, contratou uma empresa de consultoria republicana, a Targeted Victory, para criar uma campanha de difamação sobre o TikTok. Dentre as estratégias, estão a publicação de artigos de opinião e cartas a editores de mídias locais apresentando uma série de relatos duvidosos sobre o TikTok e como a plataforma é uma ameaça aos jovens.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
Não sabe o que a Lupa faz com seus dados?
Conheça nossa Política de Privacidade aqui
Enviamos este email porque você assinou nossa newsletter.
Se quiser parar de recebê-la, Clique aqui.