🔎 Lente #52: WhatsApp e a contradição do recurso Comunidades
Boa sexta-feira, 22 de abril. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Por que WhatsApp ganha etiqueta de "contraditório" com o recurso de Comunidades;
Spotify publica suas políticas – e agora?;
A influente conta Libs of TikTok.
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Com recurso Comunidades, WhatsApp cai em contradição
Na Lupa, uma das etiquetas que usamos para classificar falas de atores públicos no nosso trabalho de fact-checking é o "contraditório". Ela é usada quando alguém diz algo diferente do que havia dito anteriormente, ou seja, se contradiz. É uma etiqueta difícil, porque visões de mundo e apoios políticos, por exemplo, estão sempre sujeitos a mudanças no decorrer do tempo. É ponto pacífico que, para aplicá-la, é preciso analisar o contexto e, por isso, o "contraditório" é válido inclusive para expor essas mudanças. Não é uma questão de bom ou ruim, é apenas uma questão de pontuar que falas ou atitudes atuais estão em contradição com discursos ou ações anteriores.
Na esteira disso, o WhatsApp bem que anda merecendo um "contraditório". Você deve ter visto que, na semana passada, a empresa anunciou a criação do recurso Comunidades, que permitirá que "grupões" com até 2.560 usuários sejam criados e administrados por um único usuário, em uma espécie de "guarda-chuva" de 10 grupos comuns de 256 usuários.
Quando se trata de análise de risco, eu gosto de trabalhar com números. Até semana passada, o WhatsApp permitia que uma mesma mensagem fosse encaminhada para até cinco grupos de uma só vez. Se todos esses grupos tivessem 256 usuários, o máximo permitido pelo aplicativo, ao repassar uma mensagem — com apenas um clique —, você poderia atingir 1.280 usuários (5 x 256), que poderiam, individualmente, reencaminhar essa mensagem para mais cinco usuários ou grupos.
Em uma "conta de padaria", vamos imaginar que cada um dos 1.280 usuários que receberam a mensagem original encaminhasse ela para mais cinco grupos completos de 256 usuários. Isso significa que a mensagem poderia chegar a mais de 1,6 milhão de pessoas em apenas dois cliques.
Desde segunda-feira (18), o reencaminhamento foi reduzido a apenas um grupo, ou seja, na primeira vez que uma mensagem é encaminhada, ela pode atingir 1.280 usuários, mas estes usuários só poderão repassá-la para até 256 usuários. Isso reduz o alcance da mensagem original dos mais de 1,6 milhão de pessoas para pouco mais de 325 mil pessoas. Ponto para o WhatsApp: sabemos que o reencaminhamento contínuo de mensagens contribui para a disseminação de desinformação, logo, o movimento de redução é positivo para o combate às notícias falsas.
Voltemos às Comunidades. Digamos que cada uma das 2.560 pessoas atingidas pela mensagem original em um "grupo de grupos" encaminhe essa mensagem a um novo grupo, seguindo a nova determinação do aplicativo. Teremos mais de 655 mil usuários atingidos pela mensagem (2.560 x 256) — mais do que hoje, mas menos do que a situação inicial, de reencaminhamento para cinco grupos.
Digamos que cada um dos 2.560 usuários que receberam a publicação original seja também um administrador de Comunidade, tendo à sua disposição o recurso de encaminhar a toda uma comunidade, com outros 2.560 usuários, uma mesma mensagem. Isso significa que, em dois cliques, a mensagem original pode chegar a mais de 6,5 milhões de pessoas, ou seja, pelo menos quatro vezes mais do que os 1,6 milhão de pessoas que seriam atingidos na situação inicial.
O WhatsApp anunciou apenas que o recurso Comunidades não estará disponível no Brasil antes da eleição, e a Lupa se prontificou, em projetos que estão sendo desenvolvidos com a empresa, a testar a nova funcionalidade. No entanto, não há data para que os usuários brasileiros tenham acesso a ela. Isso pode ocorrer a qualquer momento a partir do fim do segundo turno, o que preocupa instituições. O Ministério Público Federal já pediu à empresa para deixar o lançamento para 2023, alegando risco de um "Capitólio brasileiro" em janeiro — uma menção ao episódio em que simpatizantes do ex-presidente americano Donald Trump atacaram o Capitólio, em Washington DC, na tentativa de impedir a posse do democrata Joe Biden.
Mas também há quem defenda. O presidente Jair Bolsonaro, candidatíssimo à reeleição, disse que irá "procurar o CEO" do WhatsApp para pedir que as Comunidades passem a valer imediatamente. Segundo ele, o fato de o recurso ainda não ter chegado ao Brasil e já estar disponível em outros países é um cerceamento à liberdade de expressão dos brasileiros.
O WhatsApp mantém silêncio sobre isso, alegando apenas que a nova funcionalidade se destina mais a escolas, empresas e condomínios, com a intenção de facilitar a comunicação. A decisão parece estar muito mais relacionada ao fato de que o aplicativo de mensagens vem perdendo espaço para concorrentes (como Telegram e Discord) por não contar, até agora, com determinados recursos. Dessa forma, as mudanças atendem mais ao WhatsApp como empresa do que como ferramenta de comunicação a serviço da sociedade e da democracia, em mais um exemplo da confusão entre o interesse público e o caráter privado das companhias que operam plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagem.
Apesar de ter um discurso de proteção do usuário e de preocupação com um ambiente digital saudável e livre de desinformação, o que o WhatsApp faz, na prática, é disponibilizar funcionalidades que podem contribuir para aumentar a disseminação de conteúdos falsos, reacendendo uma discussão já feita em 2018. Naquele ano, o aplicativo reduziu, pela primeira vez, a possibilidade de encaminhamentos, na tentativa de acabar com o movimento de broadcasting feito pelas campanhas políticas. Agora, sob a máscara de um novo recurso, a empresa apresenta uma função que, na verdade, se assemelha à transmissão em massa banida na última eleição presidencial, aumentando o risco de impacto de uma mensagem falsa.
Merece um selo de "contraditório"?
Um abraço,
Natália Leal
CEO
Spotify publica suas políticas – e agora?
Pela primeira vez, o Spotify publicou as políticas da plataforma sobre tópicos sensíveis ou que violam regras, de acordo com o Nieman Journalism Lab, da Universidade de Harvard. Você deve lembrar que falamos aqui na Lente #41 e #42 sobre a polêmica com o podcaster Joe Rogan, que divulgou conteúdo negacionista sobre a Covid-19 em seu programa, que tem a maior audiência do Spotify. Pois foi necessário um atrito sobre essa questão com outro podcast, o Science Vs, para o CEO do Spotify, Daniel Ek, pedir desculpas pelas políticas opacas da plataforma e publicar as regras, até então desconhecidas.
As políticas descrevem um conjunto de atividades proibidas, como defender a violência contra um grupo, manipulação eleitoral, pornografia e “conteúdo que promova informações médicas pergigosamente falsas ou enganosas que podem causar danos reais ou representar uma ameaça direta à saúde pública”. Com a publicização das regras, o conteúdo desinformativo pode ser removido e as contas, suspensas ou canceladas, como já fazem outras plataformas.
No entanto, o episódio de Joe Rogan sobre vacinas que gerou a polêmica ainda está na plataforma. Tornar públicas as regras é um passo importante no combate à desinformação – ao menos elas existem. Mas é necessário prever também um conjunto de medidas do que será feito em caso de violação a essas regras. Por fim, claro, é fundamental que as medidas sejam postas em prática para que aquele conteúdo que não deveria ter sido postado seja retirado e, mais que isso, para que as regras não voltem a ser violadas.
Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem rescindido na violação de regras de algumas plataformas, entre elas o YouTube. Na live de 21 de outubro passado, ele propagou uma falsa relação entre a vacina da Covid-19 e Aids. A live foi removida do YouYube quatro dias depois e o canal, suspenso por uma semana. Bolsonaro resolveu, então, transmitir a live seguinte, de 28 de outubro, nos canais de seu filho Carlos Bolsonaro e Os Pingos nos is. O YouTube removeu o material e afirmou que suas diretrizes proíbem conteúdos de criadores que estejam sob alguma restrição.
Pois Bolsonaro anunciou, em maio do ano passado, o lançamento de um podcast no Spotify para veicular suas lives semanais. Quando divulgado, o canal já tinha as lives desde o início de 2021. Comparando-se o material que foi removido do YouTube com o que está no Spotify, percebemos que há quatro lives do presidente que foram apagadas do YouTube continuam disponíveis no Spotify. Evidentemente que as regras entre as plataformas, embora tenham semelhanças, não são exatamente as mesmas. Portanto, um material removido de uma plataforma não necessariamente viola as regras de outra. Mas a amostra das lives transmitidas somente no período de um ano e quatro meses nos dá uma ideia do tamanho do problema, que se agrava com a proximidade das eleições.
…no Libs of TikTok: que, na realidade, é principalmente uma conta no Twitter, com quase 900 mil seguidores. O Washington Post publicou uma extensa matéria contando como o perfil foi se transmutando desde novembro de 2020 até chegar ao que é hoje, influenciando inclusive na legislação do estado da Flórida que proíbe a discussão de sexualidade ou identidade de gênero do jardim de infância até a terceira série, referida pelos críticos como projeto de lei “não diga gay”. O Libs of TikTok ganharam destaque ao longo do final do ano passado, consolidando seu lugar no ciclo de indignação da mídia de direita. Seus ataques à comunidade LGBTQ+ também aumentaram. Em janeiro, o perfil pedia que qualquer professor que se declarasse gay para seus alunos fosse “demitido na hora”. Segundo o WaPo, a criadora do perfil, Chaya Raichik, se gaba de que vários professores foram demitidos como resultado de serem apresentados na conta. Tyler Wrynn, um ex-professor de inglês em Oklahoma, postou um vídeo dizendo a crianças LGBTQ não aceitas por seus pais que estava “orgulhoso delas” e as amava; foi exposto no Libs of TikTok e, desde então, foi bombardeado com ameaças de assédio e morte. A popularidade do Libs of TikTok coincidiu com um momento em que comunidades de extrema direita começaram a praticar doxxing com funcionários de escolas e a pedir sua execução. Pais de jovens LGBTQ+ foram expulsos de suas cidades, e membros do conselho escolar local relataram ameaças de morte.
…no Twitter: que colocou em prática um plano de duração limitada de direitos dos acionistas, numa estratégia conhecida no mercado financeiro americano como "pílulas venenosas" (poison pills). A estratégia foi adotada para se proteger de uma oferta do bilionário Elon Musk de US$ 43 bilhões em uma carta ao conselho do Twitter. O presidente-executivo da Tesla adquiriu no dia 14 de março uma participação acionária de 9,2% no Twitter, tornando-se o maior acionista da empresa. As pílulas funcionam como um mecanismo para que os sócios — que tenham receio de perder o controle de uma companhia — dificultem ou, até mesmo, impeçam uma possível aquisição de ações. Musk, um usuário prolífico do Twitter, com mais de 80 milhões de seguidores, tem criticado a plataforma e suas políticas, afirmando que a empresa está minando a democracia ao não aderir aos princípios de liberdade de expressão.
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