🔎 Lente #60: Em Oslo, Lupa debate educação e eleição
Boa sexta-feira, 24 de junho. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Uma perspectiva dos desafios do fact-checking em ano eleitoral;
Lupa anuncia parceria com prefeitura do Rio para Educação Midiática durante painel do GlobalFact;
YouTube apresenta apenas promessas vagas aos checadores.
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Desafios do fact-checking nas eleições vão muito além de ferramentas
Estamos em Oslo, capital da Noruega, Chico Marés, coordenador de Jornalismo, Raphael Kapa, coordenador de Educação, e eu. Seria bom poder estar curtindo as ruas, cheias de mesas de bares e pessoas bebendo neste verão europeu, com clima muito agradável em um país nórdico, mas estamos aqui para o GlobalFact, o principal evento mundial sobre desinformação.
Em nossa primeira manhã em Oslo, nesta quinta-feira (23), participei de um painel no GlobalFact sobre fact-checking nas eleições com colegas do Líbano, do Quênia, da Bósnia e das Filipinas. Logo no início, Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S.Paulo e mediadora do painel, me perguntou se estamos preocupados com os constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) às urnas eletrônicas – e o que pode resultar disso. Como éramos cinco painelistas, me limitei a uma resposta curta, mas compartilho aqui com vocês, leitores da Lente, o que teria sido a resposta completa que gostaria de ter tido tempo para esmiuçar.
Estamos preocupados porque vimos a história se repetir, principalmente o que acontece nos Estados Unidos, e não no bom sentido. Antes das eleições de 2018, que foram as últimas eleições presidenciais realizadas no Brasil, eu estava traduzindo o livro de Michiko Katutani, A Morte da Verdade, para o português, e foi desesperador perceber que todas as estratégias de desinformação que ela detalhou também estavam sendo usadas no Brasil — e ainda estão. Por isso, não seria surpreendente uma versão brasileira do ataque ao Capitólio americano ou algo no mesmo sentido. Isso porque temos visto ataques constantes liderados pelo presidente por meio do questionamento da eficiência do atual sistema de votação, levando ao descrédito de uma série de instituições e mecanismos, como a urna eletrônica, sem qualquer fundamento para isso e sem provas.
No painel anterior, Anne Applebaum, vencedora do Pulitzer e comentarista da revista The Atlantic, havia justamente comentado que um dos problemas nos Estados Unidos na era de Donald Trump foi que a imprensa não o levou a sério. Quando aconteceu o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, todos ficaram chocados, mas, mais do que isso, não o levar a sério deu margem a Trump fazer o que bem queria. E, pelo menos nesse aspecto, acredito que não cometeremos o mesmo erro.
Não acreditamos aqui na Lupa que a legislação por si só seja a forma ideal de lidar com essa questão. O que defendemos é uma série de medidas, principalmente de médio e longo prazo, como iniciativas relacionadas à educação e à alfabetização midiática. Mas acreditamos que devemos agir rapidamente, para evitar nosso pastiche de ataque ao Capitólio.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou em janeiro a resolução 23.671, com um artigo que veda a divulgação e o compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos. No MisinfoCon, evento realizado pela Lupa no dia 13 de junho, Thiago Rondon, integrante da assessoria especial de enfrentamento à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), destacou a importância do artigo nono. "Esse é um marco normativo novo para essa eleição. Assim como a gente teve um marco normativo para a eleição de 2020 relacionado ao disparo em massa, eu acho que a gente vem avançando nesse tema dentro dos marcos normativos."
Mas um marco regulatório não faz verão, até porque estamos falando de uma eleição para presidente, governadores dos 27 estados, 513 deputados e 27 senadores, o que resulta em quase seiscentos cargos em todo o país — sem contar deputados estaduais. Não há, portanto, como monitorar e se antecipar a tudo o que pode acontecer com esse volume.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a cassação de um deputado por postar informações falsas no dia do primeiro turno das eleições de 2018. Ele havia perdido a cadeira por decisão da Justiça Eleitoral em outubro do ano passado, mas a decisão foi revertida por um ministro aliado de Bolsonaro. Mas o ponto aqui é que essas teorias da conspiração estão minando as instituições, estão colocando em dúvida, por exemplo, as urnas, e por isso é necessário um trabalho colaborativo e bem articulado, em várias frentes diferentes. E as plataformas têm um papel principal nesse processo.
É fundamental que as plataformas atuem com mais transparência, principalmente sobre o que e como está sendo feita a prevenção da disseminação da desinformação. O Spotify e o Facebook, por exemplo, mantêm disponíveis, respectivamente, pelo menos quatro áudios e quatro vídeos de transmissões ao vivo feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas ou enganosas sobre medicamentos e a pandemia de Covid-19, como mostrou a Lupa no início do mês. O Telegram, já sabemos, será uma importante ferramenta para disseminar a desinformação nessas eleições, mas os acordos e contratos que estão sendo firmados no país, a reboque de uma série de demandas do TSE, estão envoltos em uma cortina de fumaça.
Esse é um resumo rápido do cenário que nos espera nestas eleições no Brasil. No fim, o assunto principal do painel transformou-se na dificuldade com ferramentas de tradução em países em que há muitas línguas. Gostaria muito de acreditar que esse é nosso maior desafio atual no fact-checking — até porque ferramentas sempre podem ser desenvolvidas — mas infelizmente vislumbro problemas maiores.
Um abraço,
Marcela Duarte
Gerente de Produto
Lupa anuncia parceria com Prefeitura do Rio para implementar educação midiática
O painel “Os esforços da literatura midiática na sala de aula” no Global Fact mostrou que essa modalidade não é um método único e possui diferentes desafios em cada lugar do mundo. O debate contou com Milena Rosenzvit, da Argentina; Kansu Tanca, da Turquia; Sølve Karlsen, da Noruega e comigo na moderação. Durante a conversa, foi ressaltada a importância de criar políticas públicas de implementação de educação midiática nas escolas, e a Lupa, orgulhosamente, anunciou que assinou um convênio com a Prefeitura do Rio para trabalhar educação midiática com os professores da rede pública municipal e fazer sua inserção dentro dos conteúdos já existentes.
O anúncio foi visto com otimismo pelos presentes devido às dificuldades desse tipo de iniciativa e com cenários tão diferentes. Na Argentina, onde o currículo mal trabalha mídia, a inserção desse conteúdo mostra resultado, mas o governo demonstra resistência na implementação da educação midiática. Na Turquia, o desafio é lidar com diferentes informações falsas em um contexto pouco democrático também sem apoio governamental. Já na Noruega, o cenário é bem diferente, com a introdução ainda inicial da educação midiática nas escolas demonstrando resultados e com o comprometimento do governo na sua ampliação.
Por isso, a presença do secretário de Estado do Ministério da Educação da Noruega, Halvard Holleland, no evento foi vista como um exemplo para ser seguido por outros políticos e gestores públicos. Em seu discurso, ele afirmou que a educação midiática é um dever do estado e que ela forma estudantes que se tornarão mais críticos com as informações que consomem.
Com as malas prontas para voltar para o Rio, a expectativa é que no próximo GlobalFact possamos mostrar o resultado da parceria de instituições voltadas para educação midiática com governos e educadores. A ideia é demonstrar como professores já trabalham com educação midiática, mas muitas vezes não sabem e podem se tornar multiplicadores e referências para outros educadores.
Queremos começar no Rio um projeto que possa surgir de uma única escola na cidade para toda rede e ser exemplo para outras cidades ― no Brasil e fora dele.
Um abraço,
Raphael Kapa
Coordenador de Educação
Cinco meses após carta coletiva, YouTube apresenta apenas promessas vagas aos checadores
Um dos momentos mais marcantes da atual edição do GlobalFact aconteceu durante a apresentação de Brandon Feldman, diretor de Notícias e Parcerias Cívicas do YouTube. Após uma longa e vaga exposição, na qual falou de supostos compromissos da plataforma com o combate à desinformação com poucas menções a políticas efetivas, o executivo foi questionado pelo britânico Will Moy, CEO do Full Fact, sobre a vagueza das tais afirmações. Polido, mas direto, Moy lembrou a Feldman que a empresa não apresenta medidas efetivas de combate à desinformação, mesmo sendo uma das plataformas mais utilizadas na divulgação de notícias falsas. E que precisa começar a mostrar mais ações concretas e menos palavras bonitas e elogios rasgados aos checadores.
Eu trabalho com checagem desde 2017. Lembro que, naquela época, já falávamos sobre o problema da desinformação dentro do Facebook e outras plataformas da Meta (que ainda não se chamava Meta) e no YouTube. Nesses últimos cinco anos, as políticas de combate à desinformação do Facebook evoluíram de forma notável, principalmente o Third-Party Fact Checking. O que era restrito a alguns mercados centrais, como os Estados Unidos e a Europa Ocidental, hoje se aplica em dezenas de países em todos os continentes. O que era restrito a links externos publicados no Facebook hoje afeta todos os tipos de conteúdo, e também funciona no Instagram. Existem problemas? Milhares, e alguns deles graves. Mas o programa existe e funciona.
Já o YouTube não avançou praticamente nada. Tirando políticas específicas para desinformação com maior potencial de dano em alguns mercados específicos, não há nada que ajude a diminuir a circulação de conteúdos falsos e, mais grave, que leve informação de qualidade aos usuários.
Em janeiro deste ano, dezenas de empresas de checagem escreveram uma carta aberta à CEO do YouTube, Susan Wojcicki, propondo quatro medidas concretas para melhorar o combate à desinformação na plataforma. A participação do YouTube na conferência, inclusive, parece uma tentativa de mostrar que a carta foi recebida. Contudo, o teor superficial e a falta de qualquer informação concreta da apresentação deixa a impressão de que eles não entenderam a mensagem. Espero que eu esteja errado.
Um abraço,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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