🔎 Lente #65: Os apelos de Lula e Bolsonaro à desinformação
Boa sexta-feira, 29 de julho. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Às vésperas do início oficial da campanha, Lula e Bolsonaro apelam à desinformação;
TJ-RS condena Allan dos Santos por calúnia contra cineasta;
Arrecadação da Meta cai pela primeira vez em dez anos.
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Às vésperas da campanha, Lula e Bolsonaro usam desinformação em seus discursos
A campanha eleitoral ainda não começou oficialmente, mas os dois principais concorrentes ao Palácio do Planalto já estão usando peças de desinformação para embasar seu discurso. Jair Bolsonaro (PL), na convenção que sacramentou sua candidatura, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em entrevista ao UOL, repetiram lorotas saídas direto dos piores canais do zap para milhares de eleitores — a Lupa checou ambas (aqui e aqui). Um começo nada promissor — e nada surpreendente.
Durante seu discurso na convenção, Bolsonaro apelou para uma das peças de desinformação mais toscas a viralizar na internet brasileira. Segundo ele, Lula “defende o roubo de celulares como um direito do bandido roubar para tomar uma cerveja”. Trata-se de uma referência a uma montagem de péssima qualidade que já circula desde 2020. Adversários do ex-presidente editaram um vídeo de uma entrevista de 2017 para mudar o sentido de suas palavras.
Na entrevista, Lula falou sobre o impacto da pobreza na violência. “Para que [uma pessoa] roubar um celular? Para vender. Para ganhar um dinheirinho. Então eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança.” Minutos depois, em resposta a outra pergunta, ele comentou sobre a polarização na política brasileira. “O ódio está disseminado no país. (…) É preciso distensionar para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas, são adversárias durante o jogo. Depois vão para o bar tomar uma cerveja junto.”
Picaretas cortaram deliberadamente o começo de uma declaração e colaram no final da outra. O corte é óbvio para qualquer um que não esteja cego ideologicamente. Mas a mentira funcionou tão bem que foi parar até no discurso do presidente.
Lula, contudo, usou do mesmo expediente — embora Bolsonaro não fosse o alvo. Em entrevista ao UOL, disse que o então presidente do Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4), Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, elogiou a sentença de Sergio Moro, que o condenava, sem nem ter lido. Isso é mentira pura e simples.
Thompson, ainda em 2017, deu uma entrevista ao Estadão na qual elogiou a sentença de Moro — chamou de “tecnicamente irrepreensível” — , mas ponderou que não leu as provas em si e, portanto, não poderia dizer se condenaria Lula ou não. Desnecessário dizer, mas que seja dito: a sentença e as provas utilizadas para embasá-la não são a mesma coisa. Dois dias depois, em entrevista à Rádio Gaúcha, ele foi ainda mais preciso: disse que leu a sentença, mas que não leu as “dezenas e dezenas de documentos” usados para sustentá-la.
Não adiantou muita coisa. O mito de que Thompson “elogiou a sentença sem ler” ganhou força entre os eleitores de Lula e entrou para o rol das famosas frases nunca ditas da Lava Jato, talvez somente repetida menos vezes do que a infame — e igualmente falsa — “não temos provas mas temos convicção”.
É totalmente legítimo questionar a pertinência de um presidente de tribunal ficar dando pitaco público em sentença. Não é válido, porém, inventar algo que ele não disse. Mas foi o que aconteceu. E a mentira funcionou tão bem que foi parar até no discurso do ex-presidente.
Existe uma certa angústia que acomete todo checador na hora de verificar uma informação. A etiqueta de falso, por mais absoluta que pareça, esconde certas nuances. Políticos quase sempre usam alguns dados equivocados, por malícia, descuido ou um pouquinho dos dois, para defender um ponto de vista ou ação. Na mesma ocasião em que falou do vídeo forjado, Bolsonaro, por exemplo, citou um dado inflado para falar do potencial de energia eólica do Nordeste, enquanto Lula, em discurso recente, citou informações equivocadas sobre o crescimento do PIB da região durante seu governo. E é importante jogar luz e mostrar a informação correta nesses casos para que nossos julgamentos não sejam baseados em premissas equivocadas.
Mas as mentiras pré-fabricadas, sabidamente manipuladas para atacar adversários ou desafetos — ou o próprio processo eleitoral, como Bolsonaro tem feito recorrentemente em sua cruzada contra as urnas eletrônicas —, são muito mais graves e muito mais corrosivas para o debate público. Mas a etiqueta acaba sendo a mesma.
Essas nuances vão além. O vídeo porcamente editado não foi o ataque mais grotesco de Bolsonaro a Lula. Segundos depois, ele acusou o ex-presidente de assinar um decreto para “emboscar nossos filhos e netos, a partir dos 5 anos de idade, dentro da escola, para estimular o sexo desde essa idade” — em referência a trecho de decreto sobre Direitos Humanos, de fato assinado por Lula, que tratava do reconhecimento de famílias formadas por “lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”. Se não tivéssemos vivido os últimos anos, seria difícil acreditar que qualquer figura pública relevante — muito menos o presidente da República! — tivesse a capacidade de falar algo tão profundamente delirante e irresponsável.
Mas o nível da campanha vai ser esse mesmo. Esteja preparado.
Abraços,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
Justiça do RS condena blogueiro bolsonarista por calúnia
Nesta quinta-feira (28), o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos foi condenado a um ano e sete meses de prisão por calúnia contra a cineasta Estella Renner, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em 2017, o blogueiro disse em um vídeo publicado no YouTube que a cineasta é responsável por “colocar maconha na boca dos jovens” e “destruir a família e a vida das criancinhas”. No mesmo vídeo, ele associou a exposição Queermuseu de fazer “zoofilia e pedofilia”.
Renner está longe de ser a única pessoa prejudicada pelas atividades de Santos. Em 2019, seu notório site, o Terça Livre (atualmente fora do ar), inventou declarações da jornalista Constança Rezende para tentar prejudicá-la. Na época, ela cobria investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Santos também popularizou notícias falsas sobre Covid-19, incluindo que o jogador de futebol Christian Eriksen teria sofrido colapso durante jogo de futebol por causa da vacina contra a doença — ele não estava vacinado na época.
Muitas vezes, Santos e seus comparsas acusam a Justiça brasileira de persegui-los por suas opiniões. Mas existe uma distância imensa entre emitir uma opinião e imputar, sem provas e sabendo que é mentira, crimes a terceiros — ou ameaçar ministros em vídeo, outro crime pelo qual ele foi denunciado. A liberdade de expressão não significa que calúnia ou ameaça seja um direito de todos.
…na Meta: nesta quarta-feira (27), pela primeira vez desde que abriu seu capital em 2012 (ainda como Facebook), a Meta anunciou uma redução na sua arrecadação trimestral. A queda foi pequena, pouco menos de 1%: de US$ 29,07 bilhões, no segundo trimestre de 2021, para US$ 28,82 bilhões no mesmo período em 2022. Os lucros caíram de forma mais significativa: 36%. Embora isso não signifique, nem de longe, que a empresa tenha deixado de ser — bastante — lucrativa, trata-se de um momento delicado na trajetória da gigante da tecnologia — que ainda vive outros dramas paralelos, como o escândalo dos Facebook Papers e, mais recentemente, um processo contra a aquisição da empresa Within, focada em realidade virtual.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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