🔎 Lente #70: A correspondente Gretchen e o (não) jornalismo
Boa sexta-feira, 18 de novembro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
O jornalismo, a correspondente Gretchen, o Choquei e o que temos a ver com isso;
O (aparente) silêncio de Bolsonaro;
No Twitter, Elon Musk exige “comprometimento hardcore” e vê centenas de funcionários pedindo demissão.
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Correspondente Gretchen não vai salvar nem matar o jornalismo
Uma das milhares de polêmicas da semana no Twitter foi a comparação descabida entre o notório perfil Choquei e veículos tradicionais de comunicação. Tuiteiros chateados com o fato de que nem todas as opiniões publicadas na imprensa são iguais às suas defenderam que a página faria um serviço melhor informando a população do que uma Folha ou uma Globo.
Primeiro, o óbvio: sem imprensa não haveria Choquei — e mais uma série de perfis supostamente jornalísticos que vivem de repetir as apurações alheias nas redes sociais. Com exceção da correspondente Gretchen, o perfil não tem repórteres em campo. O único trabalho de “apuração” é ler as últimas notícias publicadas pelos mesmos sites que, supostamente, estariam fazendo uma cobertura pior. Mas a questão vai muito além disso.
O sucesso de perfis como o Choquei reflete um comportamento bastante problemático das redes sociais. É muito raro que os leitores, de fato, leiam as notícias. O usuário médio — e, sendo franco, me incluo nisso — costuma passar os olhos em dezenas e dezenas de títulos de matérias jornalísticas, mas quase nunca clica no link e lê a notícia inteira. Isso não acontece por sermos ignorantes ou maus — tampouco é culpa da Gretchen. A arquitetura de todas as principais plataformas favorece esse time de consumo.
Após ler dezenas e dezenas de tuítes, sentimos que estamos plenamente informados — mas estamos muito longe disso. Essa “leitura dinâmica” limita nossa capacidade de compreender o contexto das informações e facilita interpretações precipitadas ou simplesmente erradas. Assim, por vezes, estamos profundamente desinformados, mas acreditamos que entendemos tudo.
Mais do que isso, esse hábito nivela trabalhos de reportagem cuidadosos, com farta documentação e atenção ao detalhe, com especulação barata, disse-me-disse e até mesmo ficção pura. Um caso que me vem à cabeça é a reportagem do UOL sobre os imóveis da família Bolsonaro comprados com dinheiro vivo. Trata-se de um levantamento detalhadíssimo, com fartura de provas. Mesmo assim, os puxa-sacos de plantão do atual governo não tiveram dificuldades em convencer uma parte significativa do público que tudo se tratava de uma confusão dos repórteres com o termo “moeda corrente”. Quando apenas as manchetes são lidas, fica mais fácil acreditar no que convém e descartar o que incomoda.
Por fim, há o problema mais evidente: quando um desses perfis solta uma informação qualquer, sem nenhuma referência, há sempre o risco de que a informação seja falsa. Aqui, sendo justo, o Choquei é uma exceção: ainda que, no passado, o perfil tenha publicado informações falsas, atualmente o conteúdo noticioso costuma vir acompanhado da fonte. Outros perfis similares, contudo, não costumam ter esse mesmo cuidado. Quando interagimos com conteúdos desses perfis, nosso comportamento é bastante similar ao do tiozão do zap que compartilha com seus sobrinhos as declarações bombásticas do general Benjamin Arrola.
Veículos jornalísticos devem ser sempre cobrados e criticados por sua produção e seus posicionamentos — inclusive nós da Lupa. Mas não dá para confundir o trabalho de um veículo sério com perfis que se dedicam ao copia-e-cola. Para criticar o jornalismo, é preciso ir além da chamada no Twitter.
Abraços,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
O (aparente) silêncio de Bolsonaro
As repórteres Carol Macário e Iara Diniz mostraram, em matéria publicada na Lupa nesta quinta-feira (17), que o presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou radicalmente seu comportamento nas redes sociais desde a derrota no segundo turno das eleições. Muito ativo até então no Twitter, no Facebook e no Instagram, o presidente tem mantido uma presença tímida nessas redes, fazendo parecer que estava recluso. O que as repórteres mostraram, no entanto, é que Bolsonaro intensificou sua presença no Telegram, Gettr e TikTok, fazendo uma espécie de "dog whistle" com seus apoiadores.
Desde o dia 30 de outubro, a média é de uma postagem por semana em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram. Nem mesmo as lives de quinta-feira estão sendo feitas ― a última transmissão de Bolsonaro foi no dia 27 de outubro, ou seja, faz três semanas que elas não ocorrem.
Telegram, Gettr e TikTok têm sido usados diariamente por Bolsonaro para compartilhar mensagens, a maioria delas fazendo propaganda de ações e programas do governo. Até o LinkedIn, rede muito usada para temas corporativos e busca de emprego, tem recebido mais atenção do presidente do que o Twitter.
O novo posicionamento digital de Bolsonaro também tem ampliado a aderência de seus apoiadores a essas plataformas. Só no Telegram, o número de inscritos no canal oficial do presidente aumentou em quase 1 milhão nos últimos 19 dias – de 1,72 milhão em 29 de outubro, um dia antes da eleição, para 2,66 milhões em 17 de novembro. Ou seja, cresceu 54%. Já no Gettr, rede social criada em julho do ano passado por ex-assessores de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, Bolsonaro aumentou em 115 mil o número de seguidores só em novembro — um crescimento de 16,7% em 17 dias.
Nas redes em que Bolsonaro segue atuante, os conteúdos publicados focam em divulgar realizações do mandato, ignorando o resultado das eleições. A derrota nas urnas não foi mencionada em nenhuma ocasião, apesar de o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já ter sido citado em postagens recentes.
…no Twitter: a crise na plataforma, que citamos na newsletter da semana passada, continua. Na quarta-feira (16), Elon Musk mandou um e-mail a todos os funcionários pedindo “comprometimento hardcore” com a plataforma, que trabalhem “longas horas” e com “alta intensidade”, e dando a “opção” aos empregados de concordar com as demandas ou sair da empresa. Nesta quinta-feira, centenas de funcionários optaram por sair da empresa. Segundo a NBC, a saída de programadores de setores críticos da plataforma apenas duas semanas depois de uma demissão em massa pode comprometer o funcionamento do Twitter. Após as demissões, Musk decidiu fechar os escritórios da empresa até a próxima segunda-feira.
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