🔎 Lente #79: Golpistas também são vítimas da desinformação
Boa sexta-feira, 27 de janeiro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Parte dos criminosos de 8 de janeiro também são vítimas da desinformação;
Desinformação fica fora de proposta para combater golpismo nas redes;
WhatsApp lança funcionalidade polêmica no Brasil.
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Criminosos de 8 de janeiro também são vítimas da desinformação
Um velho chavão da direita é responder com um “leva pra casa” quem alega que bandidos são vítimas da sociedade ― conhecidos como “turma dos direitos humanos”. Trata-se de uma falácia evidente: o fato de que condições socioeconômicas influenciam pessoas a cometerem crimes não significa que um indivíduo que cometa um crime não deva ser punido. As pessoas podem ser, e geralmente são, vítimas e algozes em diferentes momentos e aspectos de suas vidas.
A extrema-direita, radicalizada em grande parte por esse tipo de falácia tosca, tem “vítimas da sociedade” para chamar de suas. Mais de 1,4 mil pessoas foram presas após a invasão e depredação do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, em Brasília — a maior quantidade de presos em uma única operação em pelo menos 14 anos. Parcela significativa dessa turba pode ser vista como vítima de manipuladores profissionais que usaram o poder das redes sociais para fidelizar, radicalizar e, após anos de mentiras e maluquices, levar essa multidão a cometer atos criminosos com a absoluta certeza de que estavam cumprindo seu “dever patriótico”.
Um aspecto fundamental das redes sociais é que elas não são um mero veículo de troca de informações, mas um espaço de criação de afeto, muitas vezes entre desconhecidos. Há pelo menos dez anos, extremistas vêm ludibriando pessoas com inclinações mais conservadoras para participar de grupos no Facebook, depois no WhatsApp e no Telegram, onde criam laços de amizade e confiança — e, claro, são alimentados com uma torrente inesgotável de mentiras, desde a Ferrari de ouro do filho do Lula até a mamadeira em formato de pênis que seria distribuída nas creches. É uma forma de manipulação emocional: gerar medo e, ao mesmo tempo, oferecer conforto.
Aos poucos, esses laços de afeto criados pelo ódio se tornam uma parte indissociável da vida dessas pessoas. Nos últimos meses, tornaram-se comuns relatos, em grupos do Telegram, de extremistas acampados em frente aos quartéis dizendo que se afastaram da família e dos amigos. Passaram a ter esses grupos de desinformadores como único laço social. Por outro lado, reportagens como esta do UOL mostraram o lado de famílias que romperam contato com parentes por causa do extremismo. O fato é que muitas dessas pessoas que depredaram Brasília — e outras que queriam muito estar lá — tiveram suas vidas destruídas pela desinformação.
Isso significa que os terroristas de 8 de janeiro são coitadinhos e devem ser postos em liberdade? Claro que não. Precisam, sim, ser punidos com todo o rigor da lei — e tendo, lógico, seus direitos respeitados. Mais importante do que isso, o que a sociedade brasileira vai fazer com uma multidão — dentro e fora da cadeia — de pessoas lobotomizadas pela desinformação? Como desprogramar essa seita? É um problema social e político que não vai ser resolvido pela caneta do Xandão.
Vigiar e punir — principalmente aqueles que estavam por trás dos ataques — é um começo importante. Desmantelar o funcionamento dessas operações é ainda mais. É inegável que as empresas de tecnologia tiveram um papel decisivo nesse processo, ainda que por omissão ou acidente, e precisam rever suas práticas. O novo governo e o Congresso precisam, logo, começar um debate público sobre políticas públicas para lidar com o fenômeno da desinformação.
O fundamental é evitar que a história se repita — ainda que os ataques no Brasil tenham sido claramente inspirados na invasão ao Capitólio americano. Isso só é possível com educação midiática e informação de qualidade, para que não haja mais vítimas da sociedade da desinformação.
Um forte abraço,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
Proposta de Dino para combate a golpismo em redes sociais não inclui desinformação
O governo federal deve apresentar uma medida provisória que prevê que as plataformas restrinjam a circulação de conteúdos que incitam golpe de estado e terrorismo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou, nesta quinta-feira (26), um projeto de lei que cria novas obrigações para as plataformas de redes sociais. No entanto, a desinformação deve ficar de fora.
Dino explicou que o escopo do projeto, de fato, é limitado a conteúdos golpistas. Segundo o texto, as plataformas terão o “dever de cuidado” de impedir conteúdos que violem a lei, como pedidos de abolição do estado democrático de direito e encorajamento de atos violentos para depor o governo ou outros poderes.
Dino precisava agir rápido após a tentativa de golpe do 8 de janeiro. Um texto mais amplo, que incluísse a questão da desinformação, exigiria um debate profundo com a sociedade. O risco de apresentar uma medida dessas no afogadilho era imenso: um projeto mal escrito pode levar a danos profundos à liberdade de expressão no Brasil. Assim, o foco restrito em conteúdos que já são, por definição, criminosos é positivo.
Embora a omissão da desinformação não seja algo negativo neste momento, é importante que Dino não perca a desinformação de vista. A mentira foi um elemento fundamental na construção e na solidificação dos grupos radicalizados que atacaram Brasília. Medidas específicas exigem um debate amplo e não devem ser aprovadas “para ontem”. Mas essa conversa precisa começar logo, antes que os atos golpistas sumam da pauta.
…no WhatsApp: menos de três semanas após os ataques na Praça dos Três Poderes, notoriamente influenciados pela desinformação, o WhatsApp decidiu lançar a função “Comunidades” no Brasil. Com essa função, moderadores podem enviar mensagens para até 50 grupos distintos separadamente, atingindo, potencialmente, até 5 mil pessoas. Essa função, que já está disponível em outros mercados, foi duramente criticada por facilitar a disseminação de conteúdos falsos — tanto que a Meta havia adiado o lançamento no Brasil por causa das eleições.
…na Justiça dos Estados Unidos: um juiz federal de Nova York, nos Estados Unidos, decidiu que materiais desinformativos sobre o processo eleitoral não são protegidos pela Constituição dos Estados Unidos. O caso em questão envolve um tuiteiro de extrema-direita que, entre outras coisas, disseminou conteúdos falsos que incentivaram pessoas a não votar nas eleições de 2016 — como a informação de que era possível votar pelo celular. No entendimento do juiz, a disseminação organizada de desinformação, nesse caso, se tratava de conspiração para violar o direito a voto e, portanto, esse discurso não era protegido pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana — que garante o direito à liberdade de expressão. Essa decisão pode ter repercussão em outros casos similares.
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