🔎 Lente #82: A desinformação como arma de manipulação

Boa sexta-feira, 17 de fevereiro. Na próxima semana, faremos uma breve pausa de Carnaval e, por isso, a Lente volta no dia 3 de março. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Reportagens feitas por consórcio internacional revelam uso de desinformação para manipular até eleições;
Procuradoria da AGU que lidará com desinformação começa a tomar forma;
TikTok informa ter deletado mais de 10 mil vídeos golpistas, enquanto outras big techs silenciam.
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Jornalista indiana assassinada inspira série sobre desinformação para manipulação ― inclusive no Brasil
A série de reportagens intitulada Story Killers, que começou a ser publicada nesta semana, conta a história de grupos de inteligência que usaram de meios criminosos para criar e desmanchar reputações, usando a desinformação como uma de suas principais armas. Um dos casos que vieram à tona com a série é a história de um ex-promotor de Fundações do Ministério Público de São Paulo que contratou a multinacional espanhola Eliminalia para apagar seu passado online. "Defendemos sua reputação de todas as maneiras e garantimos os resultados", afirmava a empresa num folheto. O caso do brasileiro foi revelado nesta sexta (17) em reportagem de Patrícia Campos Mello para a Folha de S.Paulo.
Airton Grazzioli foi denunciado por lavagem de dinheiro em 2021. Na época, reportagens mostravam fotos de maços de dinheiro em operação de busca e apreensão em sua casa. Ele pagou € 19,7 mil (R$ 110,1 mil) para a Eliminalia reduzir a visibilidade de textos e fotos sobre a operação.
Antes disso, outra reportagem da série falava de “Jorge”, codinome usado por Tal Hanan, ex-agente do serviço especial de Israel e que hoje é CEO de uma empresa especializada em atuar na manipulação do discurso público, quase sempre usando desinformação para atingir seus objetivos. A série foi feita pelo consórcio intitulado Forbidden Stories, que inclui o The Guardian (Reino Unido), o Haaretz (Israel), a Radio France (França) e o Washington Post (Estados Unidos).
Jornalistas da Radio France e do Haaretz se passaram por clientes para entender melhor como funciona o chamado “Team Jorge”. O israelense contou várias das campanhas que a empresa executou, algumas delas em parceria com a famosa Cambridge Analytica. Hanan, que diz ter atuado em 33 eleições e vencido 27, participou de campanhas de desinformação em diversas partes do mundo.
No México, por exemplo, sua empresa fez uma campanha secreta para Tomás Zerón de Lucio, um alto funcionário do governo federal acusado de ocultar informações sobre o desaparecimento de 43 estudantes e de desviar US$ 85 milhões. Usando robôs em redes sociais, Hanan orquestrou uma campanha para transformar Zerón — que nega ter contratado o ex-agente — em um perseguido político, uma vítima do presidente Andrés Manuel López Obrador.
Já na Nigéria, “Jorge” atuou junto com a Cambridge Analytica para reeleger o então presidente Goodluck Jonathan. Entre as técnicas usadas, ele bombardeou o celular do principal coordenador da campanha de oposição para dificultar a comunicação.
Outro grupo israelense, o Percepto International, conseguiu fomentar uma campanha de desinformação sobre a Cruz Vermelha Internacional no Burkina Faso a pedido do próprio presidente do país. O grupo “plantou” uma informação de que a ONG estaria ajudando inadvertidamente guerrilhas terroristas — o que não era verdade — em jornais de direita na França. Essa informação reverberou localmente e manchou a imagem da instituição — que, não coincidentemente, estava fazendo alertas sobre violações aos Direitos Humanos cometidos no país.
Essa série mostra como a luta do jornalismo profissional contra a desinformação, muitas vezes, é um eterno Davi contra Golias. A inspiração para produzir as reportagens veio da jornalista indiana Gauri Lankesh, assassinada em 2017 por revelar segredos de um grupo extremista hindu. Jornalistas sérios, em veículos pequenos ou grandes, precisam trabalhar dentro dos limites éticos impostos pela profissão — e isso é fundamental para garantir a qualidade e a credibilidade do nosso trabalho. Desinformadores não. Por sua própria natureza, toda jogada é válida.
Forte abraço,
Chico Marés
Correspondente em Brasília

Procuradoria da AGU que lidará com desinformação começa a tomar forma
Na semana seguinte ao Carnaval, a Advocacia-Geral da União (AGU) realiza cerimônia em Brasília para iniciar oficialmente os trabalhos para a criação da Procuradoria de Defesa da Democracia, anunciada nos primeiros dias do ano e que gerou polêmica.
Um grupo de trabalho ficará responsável por elaborar o regulamento desse novo órgão e terá três eixos de atuação: democracia, integridade da ação pública e legitimação dos poderes; democracia e representação de agentes públicos; e democracia, desinformação e políticas públicas.
Esse mesmo GT deverá elaborar uma minuta de regulamento que será submetida à consulta pública. Nesse meio-tempo, outros braços da AGU devem cuidar de ações que envolvam esse tema.
Inicialmente, a procuradoria foi criticada por setores da oposição, que acusaram o governo de criar um “Ministério da Verdade” — uma referência ao livro 1984, de George Orwell. Logo após o anúncio, foi feito um esclarecimento de que o órgão não será responsável por definir o que é desinformação nem por julgar casos, mas por assessorar juridicamente a União em ações judiciais ou extrajudiciais que envolvam desinformação contra instituições, autoridades ou políticas públicas.
A AGU também se manifestou, como relatou reportagem da Lupa, que a procuradoria não cerceará opiniões, críticas ou liberdades públicas consagradas na Constituição. De qualquer forma, o assunto é delicado e, como diz respeito à desinformação, a Lupa vai acompanhar não só o início dos trabalhos do GT, mas todo o desenrolar envolvendo a atuação do órgão.

…no TikTok: a empresa chinesa anunciou ter derrubado 10.442 vídeos que incitaram violência, terrorismo e desinformação durante os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro e nos dias seguintes, conforme a Folha de S.Paulo. Foi a única plataforma, até agora, a divulgar dados internos sobre o tema. Recentemente, reportagem da Lupa detalhou relatório de pesquisadores da área apontando que os apps de vídeos curtos, como TikTok e Kwai, ajudaram a agravar a disseminação de desinformação durante as eleições de 2022. Bem antes disso, em 19 de janeiro, a Lupa já havia alertado que dez dias não tinham sido suficientes para que as principais redes sociais localizassem e retirassem do ar postagens que violam suas próprias diretrizes e que foram usadas para incitar os ataques de 8 de janeiro. Até aquele dia, a base de dados Lupa nos Golpistas já havia recebido ao menos 2.173 links não repetidos com material que serviu à organização e divulgação dos atos terroristas e/ou que incitaram o vandalismo. Ao menos 1.651 – ou seja, 76% – dessas URLs seguiam ativas e podiam ser acessadas por qualquer internauta.
…no Senado: a senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) entrou com um mandado de segurança no STF pedindo a instalação imediata da CPI dos Atos Antidemocráticos. O requerimento tem assinaturas suficientes para que a comissão seja aberta — 38 senadores, de um mínimo de 27. Inicialmente, ela teve o apoio da bancada de apoio ao governo, que mudou de ideia após declaração contrária de Lula e sinalizações favoráveis da oposição. Com uma situação politicamente delicada nas mãos, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) optou por não ler o requerimento nas primeiras sessões do ano, e, assim, a CPI não foi instalada. Ele tentou essa mesma estratégia para evitar a CPI da Covid, em 2021. Não deu certo.
…nas entrevistas de Lula: ao contrário de Jair Bolsonaro (PL), que preferia as lives nas redes sociais aos programas jornalísticos, Luiz Inácio Lula da Silva tem feito questão de ser entrevistado pela mídia nacional. Lupa tem acompanhado essas ocasiões, checando algumas declarações do presidente – tanto na GloboNews, em janeiro, como na CNN, nesta quinta-feira (16). A economia é um dos temas mais comentados por Lula nesses bate-papos e, como verificou Lupa, o presidente tem cometido imprecisões em alguns momentos, principalmente ao citar dados.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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