🔎 Lente #83: As políticas contra desinformação no novo governo
Boa sexta-feira, 3 de março. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Debate sobre propostas de combate à desinformação avança, mas de forma pulverizada em Brasília;
Âncoras da Fox News mentiram mesmo sabendo que eleições americanas não foram fraudadas;
Meta divulga dados sobre remoção de posts com discurso de ódio e desinformação, mas não detalha impactos
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A disputa pelos holofotes da inconcebível bala de prata contra a desinformação
Desde antes da eleição de 2022, já se sabia que a desinformação seria um assunto central a partir de 2023 para o governo federal — independentemente de qual fosse. Em dezembro do ano passado, em um evento do Conselho Canadense para as Américas, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já eleito e com a transição a pleno, ouvi que o tema era prioritário para a administração que tomava forma nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Faltava apenas definir se ele seria tratado a partir de um órgão especial ou se seria uma agenda a ser abordada por todos os ministérios, secretarias, autarquias, empresas e instituições ligadas aos três poderes.
Dois meses depois da posse (e na esteira de um traumático 8 de janeiro), começa a tomar forma a abordagem que a administração atual seguirá. O que chama atenção é a quantidade de comissões, coletivos e grupos de trabalho — formais ou não — que se apresentam e se envolvem nas discussões. Para além da inédita Secretaria de Políticas Digitais, subordinada à Secretaria de Comunicação da Presidência e que recebeu como missão tratar dos temas que envolvem desinformação e educação midiática, há gente no Ministério da Justiça, na Advocacia Geral da União, na Casa Civil, no Ministério da Educação e, mais recentemente, no Ministério dos Direitos Humanos encarregada de abordar o tema e propor "soluções".
Para isso, vale (quase) tudo. O ministério chefiado por Silvio Almeida, por exemplo, lançou, na semana do Carnaval, um grupo para discutir desinformação e discurso de ódio com nomes de peso, como o influenciador Felipe Neto e a ex-deputada e ex-candidata à vice-presidência Manuela D'Ávila, ambos vítimas históricas de desinformação e com pinta de estrela o bastante para colocar as ações do novíssimo ministério na mídia. E isso para ficar apenas no Executivo, já que também há frentes de trabalho sobre o assunto no Legislativo e no Judiciário, cada um no seu quadrado e de acordo com seu interesse.
É de se esperar que muito burburinho sobre o assunto surja nas próximas semanas. O quase esquecido e famigerado projeto de lei 2.630, o "PL das fake news", voltará à baila, trazendo consigo as discussões sobre a imunidade parlamentar digital e o pagamento aos veículos jornalísticos, por parte das plataformas, pelos conteúdos que circulam em redes sociais. Também haverá enorme debate sobre a "regulação autorregulada" das bigtechs, bandeira defendida inclusive por importantes figuras do Judiciário que têm ouvido diretamente dessas empresas conselhos sobre quais sugestões apresentar ao Legislativo para adicionar, suprimir ou alterar artigos no projeto de lei.
O Executivo precisa fechar posição sobre todos esses temas para iniciar a discussão e negociação com os congressistas, pois entende que não é possível perder a janela de oportunidade para discutir (e votar algo sobre) o tema. Porém, há quem diga que, pelos corredores do Planalto, é consenso que o PL 2.630 não é bom e que, se tiver que passar, seria melhor que passasse sem os artigos mais polêmicos citados anteriormente.
É claro que a complexidade do tema exige um amplo debate, que conte com diferentes setores da sociedade e com pontos de vista que se complementam para chegar ao melhor entendimento para a segurança da democracia brasileira. O que a complexidade do tema não tolera ou permite é uma disputa por holofotes e pela paternidade de uma inexistente e inconcebível bala de prata contra a desinformação. Disputas internas para ver quem tem a melhor política, a melhor ideia e/ou a melhor forma de levar a discussão adiante não irão ajudar em nada na construção de um ambiente propício e efetivo para o combate à desinformação.
Um abraço e bom fim de semana,
Natália Leal
CEO
Âncoras da Fox News sabiam que eleições americanas não foram fraudadas, mas preferiram mentir
Apresentadores da rede de televisão americana Fox News sabiam que não houve fraude nas eleições americanas de 2020, mas divulgaram teorias da conspiração mesmo assim. E-mails e mensagens trocadas entre funcionários e executivos do canal, um dos maiores do mundo, comprovam que a emissora veiculou informações falsas de forma deliberada — e, pior, fez isso porque a audiência reclamou quando foram veiculadas informações corretas.
A empresa Dominion, que produz sistemas de votação eletrônica, foi alvo constante de desinformação da campanha do ex-presidente Donald Trump. Sidney Powell, uma das advogadas do republicano, passou a acusar a companhia de ter fraudado urnas para beneficiar seu adversário, Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos. As evidências? Nenhuma. Absolutamente nenhuma. Mesmo assim, a Fox News dedicou longas horas de seus principais programas debatendo a tal “fraude” como se fosse algo comprovado.
A Dominion, então, processou a Fox News em US$ 1,6 bilhão. O processo foi tornado público no dia 16 de fevereiro. Nele, constam mensagens privadas trocadas entre âncoras e executivos da companhia — incluindo o presidente da News Corp, companhia proprietária da Fox News, Rupert Murdoch — que falavam que as alegações não tinham nenhum embasamento na realidade.
A razão para manter uma narrativa mentirosa, porém, talvez seja ainda mais nefasta. A Fox News foi a primeira rede de TV a — corretamente — anunciar a vitória de Joe Biden na eleição do Arizona, que sacramentou sua vitória eleitoral. A empresa reparou que, após fazer esse anúncio, passou a perder espectadores para canais de TV mais radicais, como o Newsmax. Como forma de conter a perda, preferiu sacrificar a verdade e embarcar de peito aberto nas teorias da conspiração da campanha de Trump.
Para quem acompanha a máquina de desinformação de extrema-direita americana, o fato de que as principais estrelas da Fox News sabiam que estavam propagando informações falsas, em si, não é surpresa. Porém, agora há evidências concretas de que isso aconteceu. Resta saber se, dessa vez, haverá consequências.
…na Meta: na terça-feira (28), a empresa divulgou uma nota à imprensa sobre o combate ao discurso de ódio, incitação a violência e desinformação em conteúdos sobre política no Facebook e no Instagram. Segundo a companhia, entre 16 de agosto, início da campanha eleitoral, e 8 de janeiro, foram removidos mais de 1 milhão de posts desse tipo no Facebook e outros 960 mil no Instagram. Os números, porém, não dizem muita coisa: é difícil saber o impacto da medida sem saber o alcance potencial desses posts — obviamente, derrubar uma publicação de um perfil pessoal com algumas centenas de amigos e de uma página de um político com milhões de seguidores tem resultados bem diferentes.
…no TikTok: também na terça-feira (28), o governo dos Estados Unidos proibiu a instalação do TikTok em celulares pertencentes a instituições federais. A Casa Branca deu 30 dias para que o aplicativo seja desinstalado em todos os smartphones governamentais. O governo norte-americano alega risco para a segurança nacional, visto que o aplicativo é da empresa chinesa ByteDance Ltd. No entendimento da companhia, que é privada e não tem laços oficiais com o governo chinês, a medida é somente “teatro político” e foi tomada sem a devida deliberação.
…no tempo de tela: na quarta-feira (1º), o TikTok anunciou que vai limitar o tempo de uso do aplicativo para uma hora por dia para menores de 18 anos. O limite, porém, não será absoluto. Após atingir 60 minutos, o aplicativo vai pedir uma senha — o que, no entendimento da empresa, vai forçar adolescentes a “fazer uma escolha ativa” ao aumentar seu tempo de uso. Limites semelhantes serão impostos a usuários menores de 13 anos — que podem acessar uma versão limitada do aplicativo —, mas, nesse caso, a escolha de estender o tempo será dos pais ou responsáveis legais.
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