🔎 Lente #85: Rádios e TVs pressionam por aprovação do PL 2.630
Boa sexta-feira, 17 de março. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Gigantes da comunicação pressionam Congresso para plataformas pagarem por conteúdo jornalístico;
Por que “PL das Fake News” é um péssimo apelido para o PL 2.630;
STF vai discutir a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
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Gigantes da comunicação pressionam Congresso para plataformas pagarem por conteúdo jornalístico
As maiores empresas de comunicação do país entraram com tudo na campanha pela aprovação do PL 2.630 — popularmente conhecido como “PL das Fake News”, apesar de o projeto tratar de uma regulamentação das plataformas e não apenas sobre desinformação. Na prática, é uma campanha que coloca a Globo e as outras empresas do setor no país em rota de colisão com Google, Facebook e gigantes da tecnologia.
O principal objetivo do setor é garantir a aprovação de um artigo que obriga empresas de tecnologia a pagar por conteúdos de “jornalismo profissional” publicados em redes sociais — uma emenda que, além de não especificar o significado do conceito de “jornalismo profissional”, não tem relação direta com o projeto e favorece as emissoras diretamente.
Na quarta-feira (15), a Associação Brasileira de Televisão e Rádio (Abert), principal associação do setor, publicou a chamada “Carta de Brasília”, na qual explicita quais seus principais objetivos com a regulamentação das redes. “Assegurar uma remuneração justa pelo uso de conteúdos informativos de propriedade de empresas jornalísticas e veículos de comunicação, em benefício da sustentabilidade do ambiente digital e do desenvolvimento de empresas jornalísticas legalmente constituídas”, consta na carta.
Esse trecho é uma referência ao artigo 38 do substitutivo do PL 2.630, apresentado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) em 2022. E ele é bastante problemático, para dizer o mínimo.
Primeiro, e mais visível, trata-se de um “jabuti” — no linguajar de Brasília, uma emenda ao projeto original que pouco ou nada tem a ver com o assunto em questão. A proposta aprovada no Senado em 2020 não previa nada sobre remuneração por conteúdo jornalístico. E a relação da emenda com o tema do projeto, que visa primordialmente a regulamentar aspectos do funcionamento das redes sociais no Brasil, é questionável.
Além disso, o texto prevê a remuneração do “jornalismo profissional”, mas sem definir exatamente do que se trata. Isso pode ter duas interpretações radicalmente diferentes e igualmente ruins. Em uma, as empresas de tecnologia seriam forçadas a remunerar somente os grandes meios de comunicação, deixando iniciativas independentes de pequeno e médio porte, ou veículos locais, a ver navios — concentrando ainda mais recursos e poder. Em outra, abre-se a porteira para qualquer empresa que se diga “jornalismo profissional”, incluindo toda a sorte de veículo de desinformação, propaganda política, proselitismo religioso e o que mais vier.
Essas “minúcias”, porém, parecem ser pouco importantes para a Abert. Em outros países, a ameaça de uma regulação impositiva tem forçado as principais empresas de tecnologia, especialmente Google e Meta, a oferecer pagamentos aos veículos. Isso aconteceu, por exemplo, na França. Mesmo na Austrália, onde uma legislação específica chegou a ser aprovada, os acordos foram todos feitos por fora.
Além da carta, os grupos empresariais promoveram eventos sobre o tema ao longo desta semana. A ofensiva pública começou na segunda-feira (13). Maior grupo de comunicação do país, a Globo patrocinou um seminário da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre "Liberdade de Expressão, Redes Sociais e Democracia". Durante o evento, figuras-chave foram convidadas a falar sobre a regulação das redes. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e principal fiador político do projeto, fez uma fala breve, mas cheia de significado nas entrelinhas. Flávio Dino (PSB), ministro da Justiça e Segurança Pública, e Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defenderam a regulamentação das redes sociais.
Na quarta (15), foi a vez da Abert entrar de cabeça na campanha. A entidade promoveu um seminário em Brasília com outras duas figuras-chave do processo — o relator do projeto na Câmara, Orlando Silva, e o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT), que endossou em nome do governo a proposta de remuneração por conteúdo jornalístico.
Nos dois eventos, sobraram críticas às big techs. Algumas delas, bastante corretas. No evento de Brasília, por exemplo, a pesquisadora Rose Marie Santini, do NetLab, apresentou um estudo sobre o impulsionamento de desinformação política nas redes — e sobre a ineficiência das plataformas em coibir esse fenômeno.
Outras críticas, porém, escancaram os objetivos mais mundanos dos conglomerados de mídia. No mesmo evento, um vídeo produzido pela Abert fazia infundadas comparações sobre as regulações dos setores de radiodifusão e redes sociais, ignorando completamente as diferenças óbvias entre eles. Televisões e rádios, ao contrário das redes sociais, operam em frequências finitas, e as empresas têm o controle absoluto sobre o que é e o que não é mostrado, ao contrário das plataformas — para citar duas diferenças elementares.
Ainda que a viabilidade financeira dos veículos jornalísticos seja um assunto de evidente interesse público — considerado o cenário de crise financeira permanente do jornalismo profissional e a importância da informação de qualidade na luta contra a desinformação —, colocar essa obrigação de forma mal definida em uma lei que trata de um tema diverso apenas empobrece esse debate. E mais: ajuda a complicar a discussão pública sobre regulações delicadas que, se mal desenhadas, colocam em risco liberdades fundamentais nas redes.
Um abraço,
Chico Marés
Correspondente em Brasília
“PL das Fake News” é um péssimo apelido para o PL 2.630
Desde 2020, quando o projeto de lei 2.630/2020 foi aprovado no Senado, a proposta vem sendo chamada de “PL das Fake News” pelos veículos de comunicação — inclusive, aqui na Lupa, já nos referimos a essa proposta por esse apelido, até para facilitar a compreensão do leitor. Mas isso é um problema. A proposta é muito mais ampla que isso: trata-se da regulamentação das plataformas de redes sociais, da qual a desinformação é apenas uma parte.
Apelidar projetos é comum no jornalismo. Os nomes oficiais dos projetos de lei no Brasil são códigos produzidos a partir do tipo de projeto (PL ou PEC, por exemplo), a ordem de apresentação e o ano. É prático para fins de catalogação. Para a memória? Nem tanto. É mais fácil decorar uma expressão que tenha relação com o assunto do que uma sequência de números.
Muitos projetos, porém, têm também “nomes fantasia” oficiais, dados pelos proponentes — Lei da Responsabilidade Fiscal, por exemplo. É o caso do PL 2.630. O “nome fantasia”, porém, não resolve o problema: “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, além de pomposo, é imenso para memorizar e até mesmo incluir no título de uma reportagem.
Então, surgem os apelidos — PEC da Bengala, PL dos Agrotóxicos e por aí vai. Quando foi apresentado, o “PL das Fake News” era focado principalmente no fenômeno da desinformação — chegando até mesmo a conceituar a palavra em seu artigo 4º. O problema é que, desde então, a proposta mudou bastante.
Já no Senado, o foco foi alterado para uma regulamentação mais ampla das redes sociais — contas inautênticas, impulsionamento pago, moderação etc. Todas elas acabam tendo uma relação com a desinformação, mas também afetam o combate ao discurso de ódio e incitação à violência, para ficar em apenas dois exemplos. A palavra “desinformação” é citada apenas duas vezes. O mesmo vale para o substitutivo apresentado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
A mudança de foco, em si, não é um problema; pelo contrário. Uma lei “proibindo fake news” soa como algo positivo para o combate à desinformação, mas a experiência internacional mostra que não só isso é ineficaz como abre um flanco perigoso contra a liberdade de expressão e de imprensa. Geralmente, uma lei “proibindo desinformação” acaba se tornando uma ferramenta para amordaçar veículos de jornalismo sério na mão de regimes autoritários.
Uma regulação de processos em plataformas digitais, por outro lado, pode ser mais eficiente no combate a ações maliciosas — não apenas desinformação, mas discurso de ódio, ataques ao sistema democrático, etc. Isso, claro, se for uma regulação bem escrita, bem pensada e, mais importante, bem discutida com a sociedade. Ainda não sabemos exatamente o que, de fato, vai estar no texto que vai para o plenário da Câmara, embora alguns dispositivos problemáticos sejam presença quase garantida — incluindo a remuneração de veículos e a imunidade parlamentar.
Ainda assim, isso significa que o apelido “PL das Fake News” é, bem, uma fake news. A imprensa brasileira deve falar bastante no PL 2.630 nos próximos meses, então seria bom procurarmos um nome mais apropriado. “PL das Redes Sociais”, “PL das Big Techs” são opções plausíveis — mas, sem dúvida, bem menos chamativas.
Estude desinformação com integrantes da Lupa
Hoje queremos contar um pouco mais sobre nossos analistas de Educação, que estão no time de professores do programa de pós-graduação em Educação Midiática lançado pela Lupa em parceria com a Unisinos: Dominique Gogolevsky e Victor Terra.
Dominique Gogolevsky formou-se em Midialogia pela Unicamp, com passagem pela Sorbonne Nouvelle, em Paris. Já atuou como professora de mídia no ensino médio e com formação de professores, sendo certificada Google Innovator e fellow do programa de educação midiática Educamídia. Interessa-se pela construção e análise de narrativas em seus diversos formatos, espaços e objetivos.
Victor Terra, jornalista e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, também atua como repórter da área de Educação da Lupa. É autor de “Sou Visto, Logo Existo: eficácia, imagens de si e a instrumentalização do outro no Instagram”, pela Editora UFMG. Como pesquisador, tem investigado temas como desinformação, subjetividades, empreendedorismo, imagens e consumo nas redes sociais.
Não esqueça que quem se inscrever até 25 de março no programa de pós-graduação em Educação Midiática receberá 15% de desconto sobre o valor total do curso. A especialização tem por objetivo formar profissionais conscientes e aptos para atuarem com informação e mídias de maneira ética e responsável. As aulas ― todas online e ao vivo ― começam no dia 14 de abril e vão até 18 de novembro, sempre nas noites das sextas-feiras e manhãs e tardes de sábado.
Clique aqui para se inscrever no curso e aqui para mais informações.
…no TSE: na sexta-feira passada (10), o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, formalizou a criação de uma comissão com representantes de sete empresas de tecnologia — anunciada no dia 1º. O grupo deverá apresentar sugestões para uma autorregulação das plataformas digitais e, também, para o PL 2.630. Pelo texto da portaria, a comissão tem 15 dias para concluir seus trabalhos.
…no STF: enquanto o Congresso discute o PL 2.630, o STF deve julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O trecho determina que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros após ordem jurídica específica. Uma audiência pública para discutir uma ação sobre esse artigo, relatada pelo ministro Dias Toffoli, está marcada para 28 de março. Depois dessa audiência, a ação deve entrar na pauta de julgamentos do Supremo.
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