🔎 Lente #87: 'Brecha' pode desviar temas espinhosos do PL 2.630
Boa sexta-feira, 31 de março. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Código de conduta abre brecha para adiar temas espinhosos do PL 2.630
Governo erra ao querer combater fakes sem critérios transparentes
É possível frear de forma consensual o avanço da inteligência artificial?
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Código de conduta abre brecha para adiar temas espinhosos do PL 2.630
Após prometer e adiar mais de uma vez, o governo federal finalmente apresentou suas sugestões ao projeto de lei (PL) 2.630, que trata da regulamentação das redes sociais no Brasil. Se alguns pontos foram mais específicos, como o cerco às big techs, outros só aumentaram a incerteza sobre o que vem por aí.
Um deles é a ideia de criar um Código de Conduta de Enfrentamento à Desinformação. O problema começa logo de cara: a sugestão não define o que é “desinformação” – e essa é uma discussão que, por si só, é tão complexa quanto necessária para que políticas públicas possam, de fato, ser efetivas.
Além disso, a proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é de que caberá ao Congresso criar uma comissão para elaborar o código, com a participação de, por exemplo, representantes das empresas de tecnologia, imprensa e sociedade civil.
A sugestão é que este código traga desde medidas para impedir a proliferação de desinformação até regras para impedir a existência de “publicidade desinformativa”, entre outras questões. E tem mais: o governo propõe a criação de uma “entidade autônoma” para vigiar o cumprimento das regras, cuja composição não é detalhada e que seria financiada por uma taxa cobrada das big techs.
Na prática, a proposta do código parece ser um meio de empurrar questões complexas para serem discutidas à parte, enquanto uma lei é aprovada com uma regulação – mesmo que menor – às plataformas. E não é à toa que o texto conta, também, com “afagos” aos políticos que serão responsáveis por votar a futura lei, como a “imunidade parlamentar”.
O artigo 18 da proposta cita, por exemplo, que as plataformas não poderão bloquear ou excluir contas institucionais ou de cidadãos eleitos sem decisão judicial prévia – apesar de autorizar a suspensão de páginas, perfis e contas por até sete dias em caso de violação às regras das plataformas ou disseminação de “ódio, conteúdos ilícitos ou com potencial de provocar dano iminente”.
O governo também parece ter abraçado a ideia das grandes empresas de mídia ao defender, na sugestão, que as plataformas paguem pelo uso de conteúdo jornalístico – mas estendeu a medida para conteúdos musicais e audiovisuais. A dúvida é como esse embate se dará no Congresso, ainda mais levando em conta que será necessário discutir e definir o que é conteúdo jornalístico, por exemplo.
Depois de o Executivo dar as cartas, agora a expectativa é quanto às proposições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O indicativo é que o foco delas será, principalmente, a autorregulação das big techs. Mas as falas recentes de ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo Alexandre de Moraes, que preside o TSE, sinalizam que pode vir algo mais firme no caminho – na terça-feira, em audiência pública, ele declarou que “não é possível” que as redes sociais sigam sendo “terra de ninguém”.
Caberá ao Congresso o papel de transformar tantas sugestões – e muitas lacunas – em uma lei capaz de trazer um impacto positivo. Até agora, o relator do PL 2.630, Orlando Silva (PCdoB-SP), apenas afirmou que vai incorporar à proposta o que considerar adequado e viável de passar no plenário. Mas teremos de aguardar mais algumas semanas para entender o que isso de fato significa – se será dele o próximo e mais significativo movimento.
Um abraço,
Leandro Becker
Editor
Governo erra ao querer combater fakes sem método e checando a si mesmo
A decisão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar um site para desmentir conteúdos falsos envolvendo a atual gestão vai muito além do que uma preocupação com os efeitos da desinformação. Sem metodologia clara nem transparência sobre o que deve ou não ir para o ar, o Brasil contra fake politiza o assunto ao mesmo tempo que quebra um preceito básico deste trabalho: a isenção. Afinal, como pode o governo checar a si mesmo?
Na prática, o portal tem quatro questões práticas bastante graves. Em primeiro lugar, não há nenhuma indicação de escopo. Afinal, que tipo de desinformação pretende se combater com esse site? É desinformação sobre o governo? Sobre autoridades? Sobre políticas públicas? E qual o critério de seleção? O que é relevante e o que não é? O governo vai analisar informações falsas produzidas por seus apoiadores — como, por exemplo, as teorias da conspiração envolvendo a facada no ex-presidente Jair Bolsonaro?
Não há nenhum texto explicando o que, exatamente, esse site pretende cobrir. Mais que isso, nem mesmo uma leitura dos conteúdos permite qualquer conclusão significativa — há textos sobre políticas públicas, sobre autoridades, sobre vacinas, alguns são reproduções de checagens feitas por veículos, outras não têm nenhuma referência mesmo quando conteúdos idênticos foram produzidos por checadores.
Os exemplos positivos de atuação do poder público na divulgação de checagens começam por ter um escopo definido. Para ficar em um bastante próximo: em suas parcerias com checadores durante as eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sempre teve um foco muito claro, que era a desinformação sobre o processo eleitoral. Apenas conteúdos tratando de urnas, processo de votação, regulamento das eleições e outros temas diretamente ligados às eleições estavam no escopo — e até mesmo questões bastante próximas, como desinformação sobre os ministros da Corte, ficavam de fora.
Para além da falta de método na seleção, a redação das “checagens” permite questionamentos. Afinal, os textos não são específicos sobre qual a origem da declaração que está sendo checada — cita apenas algo como “não procede informação repercutida nas redes sociais de que o Governo Federal tem pretensão de taxar o setor de games”.
Além disso, na imensa maioria dos casos, os textos se limitam a dizer que determinada informação é falsa, e não oferecem qualquer evidência além do texto que corrobore a afirmação — por exemplo, ao falar de um vídeo deturpado, não é linkado o vídeo original, ao falar sobre um determinado valor gasto, não se aponta um documento que comprove o pagamento. Isso não quer dizer que as informações prestadas pelo governo sejam falsas, mas “checagem” sem apresentar prova não é checagem, é batalha de versões.
Há, ainda, o uso de conteúdos de checadores sem autorização. Sem que houvesse qualquer tipo de consulta ou comunicação, 12 conteúdos publicados no site foram copiados de três plataformas de checagem, Lupa, Aos Fatos e Fato ou Fake — com referência e link direto. Embora a publicação siga parâmetros usados por sites jornalísticos privados, o Brasil contra fake, obviamente, não é um site jornalístico privado.
Finalmente, o quarto aspecto é que o site divulga alguns conteúdos que têm como única função “passar pano” para decisões controversas do governo, muitas vezes representando analistas e veículos de comunicação críticos à atual gestão como desinformadores — e, claro, misturando opinião e fato.
Foi o que ocorreu com a nota, publicada na terça-feira, com o título “Controladoria-Geral da União continua sua missão no combate à corrupção”, que apenas menciona – não de forma específica – que “postagens na internet repercutem as mudanças na estrutura da Controladoria-Geral da União (CGU) de maneira deturpada”.
O que todo esse episódio demonstra, porém, é algo mais profundo sobre a natureza das políticas contra desinformação do atual governo: não há espaço para um diálogo aberto com a comunidade. A decisão por lançar uma “plataforma de checagem” com equívocos conceituais elementares foi tomada inteiramente dentro dos gabinetes, sem qualquer tipo de escuta externa a quem trabalha com o tema há anos — não necessariamente checadores, mas toda a imprensa, comunidade acadêmica, grupos de defesa dos direitos nas redes etc. Somente depois da repercussão negativa que o governo optou por convidar pessoas de fora para conversar.
Após quatro anos de um governo que mal disfarçava sua intenção em fomentar a desinformação, a nova gestão, ao menos, reconhece o problema e busca soluções — o que, obviamente, é um avanço. Mas o caminho de tentar achar soluções olhando para o próprio umbigo vai, na melhor das hipóteses, fazer o governo andar em círculos — e, na pior, promover políticas públicas que agravam o problema.
…entrevista exclusiva com Anielle Franco: a Lupa divulgará na próxima semana uma entrevista exclusiva com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Na conversa, gravada em Brasília e que será divulgada em vídeos no site e nas redes sociais, Anielle afirma que as fakes foram uma segunda tentativa de matar sua irmã, Marielle, e destaca que a desinformação precisa ser combatida com atos severos e leis específicas. Ela também comenta ações do governo sobre o tema.
…no pé atrás com a inteligência artificial: o rápido e impressionante avanço de ferramentas de inteligência artificial resultou em uma discussão sobre os riscos que isso traz – no melhor estilo Matrix. O alerta veio de um grupo de especialistas e executivos da indústria de tecnologia, que pediu uma pausa de seis meses no treinamento dos sistemas por serem uma potencial ameaça à humanidade que nem mesmo seus criadores podem “entender, prever ou controlar com segurança”. Por outro lado, há quem diga que o poder de contar com a tecnologia é tão grande que o pedido de pausa jamais será atendido. Enquanto isso, a Itália decidiu bloquear o uso do ChatGPT por não respeitar a legislação sobre dados pessoais. Acelera ou freia? A discussão promete novos capítulos nos próximos dias.
…na velocidade da desinformação: como nasce uma fake e por que ela se prolifera tão rápido? Este fio no Twitter relata um caso ocorrido neste mês envolvendo o Spotify. Após o CEO da Luminate Data divulgar durante o SXSW que, no ano passado, 42% das músicas na plataforma foram ouvidas menos de 10 vezes e 24% não foram ouvidas nenhuma vez, proliferou-se a desinformação de que o Spotify passaria a cobrar por músicas não tocadas – o tema ganhou tração após uma análise publicada pelo Music Business Worldwide (MBW). Dali em diante, a “possibilidade” mudou de status para “em análise” pelo Spotify e, por consequência, em críticas à “decisão” que foi sequer anunciada pela empresa.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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