🔎 Lente #90: Por que insistimos em falar do PL 2.630
Boa sexta-feira, 5 de maio. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Por que a Lupa não para de falar do PL 2.630?;
Cartão de vacina de Bolsonaro é só a ponta de um iceberg de desinformação;
Regulação de redes sociais via STF ganha força com indecisão no Congresso.
Curte a Lente? Envie este link e convide seus amigos para assinarem a newsletter
Por que não paramos de falar do PL 2.630?
Pode admitir: você já está cansado de abrir a Lente a cada sexta-feira e se deparar com uma análise, um comentário sobre o PL 2.630/2020, infamemente conhecido como "PL das Fake News". Também está incomodado com o que considera uma insistência da Lupa neste assunto ou como o reportamos, reduzindo a atenção no fact-checking e na verificação e trocando as tradicionais etiquetas por entrevistas, reportagens especiais e noticiário diário sobre a desinformação, seus impactos e desdobramentos.
Como especialista no combate à desinformação, a Lupa é parte mais do que interessada na discussão sobre o PL 2.630 e a acompanha de perto desde a proposição, em meio à pandemia da Covid-19. Por termos conhecimento para contribuir com esse debate é que eu e outros colaboradores da Lupa já participamos de muitas (muitas!) audiências públicas e reuniões que abordaram o tema. Mesmo naquelas em que uma legislação sobre desinformação não era o ponto central, a pergunta chegava: uma lei é a melhor forma de combater as "fake news"?
Para nós, a resposta sempre foi simples: não, não é. Não há registro de que algum país tenha avançado positivamente nessa luta a partir de uma lei. Na verdade, há casos em que esse tipo de legislação permitiu abusos de poder e restringiu atividades jornalísticas, como nas Filipinas. Em outros, houve fortalecimento de grandes empresas de jornalismo, como na Austrália, com mais dinheiro sendo direcionado a elas pelas plataformas. Não há indícios, porém, de que isso tenha diminuído a circulação de desinformação.
Mas o que está em discussão no Congresso não é uma lei anti-fake news, e sim uma lei para regular a atuação das plataformas digitais no país. Se aprovada, ela certamente vai impactar na luta contra a desinformação. Por isso, precisa ser modificada antes de voltar à pauta da Câmara (o que deve ocorrer em, pelo menos, duas semanas). O adiamento da votação abriu a oportunidade para essas mudanças, e o debate não pode ser inviabilizado pela polarização que transforma todas as discussões em preto no branco, quando a realidade admite múltiplos tons de cinza.
A Lupa está em contato com outras organizações que se dedicam à checagem de fatos e ao combate à desinformação. Também tem mantido diálogos abertos com organizações da sociedade civil que buscam melhorar os trechos do texto que protegem os direitos dos usuários no ambiente digital e que reforçam as obrigações das plataformas. Da mesma forma, busca conversas francas com parlamentares que possam, com sugestões no âmbito legislativo, ajudar a equilibrar as forças no combate aos conteúdos falsos.
Defendemos, prioritariamente, que instituições jornalísticas também tenham acesso garantido e gratuito aos dados das plataformas (o que o texto assegura apenas a fins acadêmicos). Que parte das multas decorrentes da aplicação da lei seja destinada a ações de educação midiática, fomentando, de fato, a educação para o uso seguro da internet. Por fim, queremos que a regulamentação desta lei seja feita por uma entidade autônoma de supervisão, e não pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ou por qualquer estrutura da administração pública, para que seja garantida a independência desse órgão em relação ao Executivo.
Também não concordamos com a extensão da imunidade parlamentar material às redes sociais. Além de criar classes de cidadãos digitais, dando mais direitos aos políticos com mandato do que a todos os outros, essa medida pode incentivar as plataformas a não moderar conteúdo de políticos, com a desculpa de que isso acarretaria medidas judiciais contra as empresas sob alegação de restrição ao discurso político. Sem essa previsão legal, as plataformas já têm dificuldade para admitir que muitos políticos usam seus espaços em redes sociais para propagar informações inverídicas, narrativas distorcidas e discurso de ódio — e se negam a moderar esses conteúdos. É ingenuidade pensar que, com essa medida na letra da lei, o cenário ficará melhor.
Lutamos contra a desinformação há quase uma década. Nossas ferramentas são o jornalismo e a educação – e todo o poder que elas têm. O ambiente digital é a nossa casa; as redes sociais, nosso contato com a audiência. Sabemos que uma regulação das gigantes da tecnologia é necessária para um ambiente digital mais saudável. Essa regulação, porém, precisa garantir o fortalecimento dos pilares de combate à desinformação.
É para isso que trabalhamos na Lupa. E é por isso que seguimos de perto esse tema. Neste momento, com menos verdadeiros e falsos e com mais reportagem e análise. Mas seguindo a nossa missão de qualificar o debate público sobre tudo que diz respeito a desinformação e entregar informação qualificada para que você tome decisões mais acertadas. Ainda que isso, às vezes, possa ser um pouco diferente do que você esperava.
Um abraço e bom fim de semana,
Natália Leal
CEO
Cartão de vacina de Bolsonaro é só a ponta de um iceberg de desinformação
A pandemia da Covid-19 – e a desinformação sobre ela, que se disseminou tal qual o vírus – voltou aos holofotes nesta semana. De um lado, a vacina bivalente chega a grande parte dos brasileiros e a Organização Mundial da Saúde (OMS) anuncia o fim da emergência de saúde internacional. Do outro, o legado negacionista da gestão de Jair Bolsonaro (PL) ganha um novo capítulo: a fraude no cartão de vacina do então presidente.
Na investigação da Polícia Federal, que já resultou em busca e apreensão na casa de Bolsonaro e na prisão de assessores próximos, a suposta inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde se soma à postura contraditória do ex-presidente de bradar não ter se vacinado e, mesmo assim, ter decretado sigilo sobre seu cartão de vacinação.
Além disso, esse episódio reacende a faísca no debate das redes sociais sobre como o governo federal não só ignorou a gravidade da pandemia como colaborou para que a desinformação se propagasse – e causasse ainda mais mortes. Da cloroquina ao não uso de máscara, da crítica ao isolamento social ao desdém da vacina: mais do que politizados, esses temas foram tratados com irresponsabilidade por quem deveria zelar por eles.
E, por mais que Bolsonaro não tenha sido reeleito, fato é que esse triste legado da pandemia se expandiu no Legislativo. Apesar de ter sido palco de uma CPI que cutucou algumas das feridas desse pesadelo nacional, as eleições de outubro passado resultaram em um Congresso repleto de políticos com histórico de propagar desinformação.
É neste contexto que o avanço de investigações como a do cartão de vacinação do ex-presidente é essencial. Primeiro, para que não se esqueça tudo que foi feito – e o que não foi feito. Segundo, porque episódios como esse expõem algo muito além da possível prática de um crime. Trazem à tona uma estratégia perversa, moldada de forma intencional, na qual a desinformação é um dos pilares.
…na postura do STF sobre a regulação das big techs: o recuo do PL 2.630 na Câmara e a descrença de que haverá ambiente para um diálogo construtivo sobre o tema têm feito muitos parlamentares crerem que a regulamentação das redes sociais virá por decisão judicial. Regular as plataformas via STF, aliás, ganhou força com a indecisão no Congresso. Não se trata de uma ameaça vazia. Há duas ações prontas para julgamento que podem influir no formato da responsabilização civil das big techs – ainda mais com as recentes declarações de ministros cobrando medidas mais duras para combater problemas como a desinformação.
...no usar e "ser usado" nas redes sociais: a Meta revelou que o tempo gasto no Instagram cresceu mais de 24% desde que a empresa lançou o Reels na plataforma. O resultado também é atribuído às recomendações de conteúdo com inteligência artificial. "Está claro que as pessoas valorizam o vídeo de curto prazo”, disse Susan Li, CFO da empresa. Mas, assim como o engajamento, crescem também as preocupações. O influenciador Felipe Neto escreveu um artigo condenando o autoplay e os perigos que isso traz ao incentivar a radicalização e, claro, a desinformação. Enquanto isso, reportagem do The Wall Street Journal mostrou que o TikTok rastreou usuários que assistiram a conteúdo gay em um esforço para aumentar o engajamento.
…na CPMI dos Atos Golpistas: criada em abril pelo Congresso, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito ainda não foi instalada. Nos bastidores, a disputa entre governo e oposição vai além da presidência e da relatoria, chegando à busca pela maioria no total de parlamentares. Também começaram a ser formatadas as estratégias para o debate, no qual a desinformação desponta como um dos fios condutores da narrativa. Enquanto isso, o STF decidiu nesta semana tornar réus mais 200 denunciados por participação nos atos de 8 janeiro.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
Não sabe o que a Lupa faz com seus dados?
Conheça nossa Política de Privacidade aqui
Enviamos este email porque você assinou nossa newsletter.
Se quiser parar de recebê-la, clique aqui.