🔎 Lente #96: A desinformação e a inelegibilidade de Bolsonaro
Boa sexta-feira, 30 de junho de 2023. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Desinformação pavimentou inelegibilidade de Bolsonaro;
O que vimos e ouvimos nos três dias de GlobalFact 10 na Coreia do Sul;
Parlamentares usam desinformação para propor leis contra pessoas trans.
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Desinformação pavimentou inelegibilidade de Bolsonaro
A condenação de Jair Bolsonaro (PL) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação está entremeada de um problema social que ele mesmo fez questão de incentivar quando presidiu o Brasil: a desinformação. Foi uma série delas, em reunião com embaixadores antes das eleições, que pavimentou o caminho que o tornou inelegível até 2030, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Lupa mostrou que, de 2018 a 2022, Bolsonaro disparou frequentes ataques infundados ao sistema eleitoral e botou a confiabilidade das urnas em dúvida – mesmo tendo sido eleito por meio delas a deputado federal e presidente da República. Isso sem contar a defesa da volta do voto impresso, cuja proposta foi enterrada pelo Congresso em 2021.
É importante pontuar que esse comportamento desinformador de Bolsonaro se manteve até mesmo depois que ele deixou o cargo. Em 10 de janeiro, o ex-presidente publicou um vídeo no Facebook no qual argumentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi eleito pelo povo, mas escolhido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo TSE — o que o levou a ser investigado por envolvimento nos atos golpistas em Brasília, dois dias antes.
Os votos dos ministros do TSE ao longo desta semana não só reforçaram esse “caos desinformacional” como apontaram seu perigo social, ainda mais por ter partido do até então representante máximo do país, eleito pela democracia que botava em dúvida. É por isso que o placar de 5 a 2 significa não só uma punição pessoal a Bolsonaro, mas um alerta claro e contundente aos desinformadores contumazes e a quaisquer flertes golpistas que ainda ousem sobreviver no Brasil.
Ainda cabe recurso à decisão da Justiça, mas fato é que o bolsonarismo levou, quem diria, um golpe. Agora resta saber quais os desdobramentos da possível ausência de seu criador e líder máximo no tabuleiro eleitoral. E, principalmente, se finalmente chegará ao fim a repetitiva e infundada série de desinformações sobre o sistema eleitoral, que tanto tem fragilizado a nossa democracia.
Um abraço,
Leandro Becker
Editor-chefe
Impacto do fact-checking ainda é questão em aberto para checadores
Alguns dos assuntos discutidos na décima edição da conferência GlobalFact ajudam a entender a dimensão que o combate à desinformação tomou nos últimos anos e o crescimento da comunidade de checadores de fatos ao redor do mundo. O impacto do trabalho desenvolvido, no entanto, é uma questão ainda em aberto para a comunidade.
No palco principal do evento, as discussões envolveram desde estratégias para chegar aos diferentes públicos até a importância de associações regionais para fortalecer o combate à desinformação. A diretora-executiva de Maldita.es, na Espanha, Clara Jiménez-Cruz, contou como uma exigência na legislação europeia acabou dando origem à EFCSN, uma entidade que estabelece padrões para a checagem na Europa e atua como facilitador nas relações entre checadores e plataformas — talvez a primeira experiência de regulação feita com a ajuda dos checadores como atores centrais na discussão. Também se falou de Rússia e Ucrânia, com o depoimento de Ruslan Deynychenko, cofundador do ucraniano StopFake, sobre como tem sido enfrentar a máquina de manipulação e desinformação russa desde fevereiro de 2022, quando a guerra começou.
Ainda no palco principal e no encerramento do GlobalFact, o ex-executivo de Confiança e Segurança do Twitter, Yoel Roth, afirmou que Elon Musk sabia que o Twitter poderia ser uma ferramenta de "violência eleitoral" no Brasil no momento em que adquiriu a empresa e estava disposto a manter as políticas para mitigar esses riscos. No entanto, duas semanas depois da aquisição, Musk começou a desmontar as políticas de moderação de conteúdo.
Nas sessões mais restritas, uso de inteligência artificial (IA) e educação midiática apareceram. Alexa Volland, do News Literacy Project, falou sobre a importância de conscientizar professores e estudantes sobre o uso ético e cético de IA, lembrando que ferramentas de geração de conteúdo por inteligência artificial não são autoconscientes, não têm todas as respostas e também carregam vieses — os mesmos dos humanos que as desenham.
O encontro é também palco de troca de experiências e de muito compartilhamento e construção de ideias. Neste ano, o impacto das ações de combate à desinformação no público — e no mundo, em geral — é a grande questão em aberto. Pesquisas do SNUFactCheck, organização da Coreia do Sul, mostram algumas mudanças de comportamento no público após a exposição a verificações ou a conteúdos de educação midiática. Os checadores, no entanto, ainda precisam encontrar formas objetivas e indicadores específicos que mostrem a mudança em larga escala que seu trabalho pode promover.
A comunidade cresceu. O número de signatários do Código da IFCN quase quintuplicou desde 2016, quando o documento foi lançado e estabeleceu os padrões de transparência, correção e apartidarismo que balizam a atividade de checagem de fatos em todo o mundo. Além disso, outras estratégias de combate à desinformação foram adicionadas ao trabalho dos checadores — é o caso da educação midiática e da atividade de advocacy para construção de políticas públicas sobre o tema.
A diversificação de atividades também amplia os desafios a serem enfrentados, e o maior deles é a necessária regulação das plataformas digitais em diferentes países. No GlobalFact também se discutiu como governos têm usado essa estratégia para censurar jornalistas e checadores e, principalmente, como podemos trabalhar para evitar ou reagir a isso. O desejo é que, a exemplo da União Europeia, outros países e regiões consigam ouvir a experiência de quem combate a desinformação antes de criar legislações que podem impactar um trabalho precioso ou, até mesmo, restringir direitos e liberdades fundamentais garantidos pela Constituição.
Em três dias de evento, a Lupa compartilhou sua experiência sobre como construir credibilidade no TikTok e como trabalhar em colaboração com a audiência para investigar desinformação, caso do projeto Lupa nos Golpistas. Também falamos sobre como nos preparamos para as eleições do ano passado e sobre como nossos projetos de educação midiática têm ajudado adolescentes a checarem informações nas redes sociais e professores a compreenderem seu papel na mediação do uso da inteligência artificial na sala de aula. De quebra, o Confirma, projeto no qual a Lupa colaborou com checadores brasileiros e a empresa de tecnologia Meedan nas eleições, foi escolhido como a melhor iniciativa colaborativa entre organizações de combate à desinformação do mundo. Tudo isso valeu as 30 horas de voos e aeroportos entre o Rio de Janeiro e Seul. Nas 30 horas de volta descansaremos com o dever cumprido — pelo menos até aqui. Ainda há muito o que ser construído. No ano que vem tem mais!
Um abraço, ainda de Seul :)
Natália Leal
CEO
…nos parlamentares que usam desinformação para propor leis contra pessoas trans no Brasil: na semana que marca o Dia do Orgulho, comemorado na quarta, dia 28, a Lupa mostrou que, desde 2019, ao menos 10 propostas sobre o assunto foram protocoladas por parlamentares, 6 somente em 2023. São projetos que distorcem fatos, não encontram base científica e ignoram regramentos do Conselho Federal de Medicina. Também nesta semana a Lupa já havia noticiado que um grupo de especialistas das áreas de medicina, psicologia e psiquiatria divulgou uma nota técnica sobre saúde de crianças trans. O objetivo é combater a transfobia e a desinformação sobre o assunto.
…no futuro do PL 2.630, que regulamenta as redes sociais: no começo da semana, o relator do projeto na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), disse em um evento em Lisboa que aposta em um consenso para votação após o recesso, previsto para a segunda quinzena de julho. Para o deputado, isso deve acontecer em agosto. Um dos pontos de muita discussão é a estrutura do órgão fiscalizador. A Unesco desenvolveu um conjunto de diretrizes para orientar a regulação das plataformas digitais, e a Lupa avaliou cada ponto para verificar se eles estão contemplados no texto do PL. Spoiler: faltam muitos detalhes no projeto de lei brasileiro. Enquanto isso, no Canadá, o Google decidiu retirar conteúdo jornalístico das suas páginas no país. A decisão é uma resposta à criação de uma lei que exige que as big techs compensem financeiramente empresas jornalísticas pelos conteúdos exibidos na plataforma. Proposta semelhante está no PL 2.630, o que sinaliza que, se nada mudar, isso também pode ocorrer no Brasil.
…nos próximos passos da CPMI do 8 de janeiro: a comissão vai ouvir, na próxima terça-feira, dia 4, às 9h, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, quando ele ainda estava na presidência. Cid está preso, acusado de fraudar cartões de vacinação e, de acordo com a Polícia Federal, uma perícia mostrou que ele trocou mensagens com Jean Lawand Júnior tratando de um golpe de Estado. Lawand esteve nessa semana na CPMI prestando depoimento e disse que não tinha condições para articular um golpe. A expectativa para a próxima semana é por avanços reais na CPMI, já que nas últimas sessões poucos fatos concretos foram entregues.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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