🔎 Lente #114: Governo confunde publicidade institucional com checagem
Boa sexta-feira, 24 de novembro de 2023. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
‘Brasil contra fake’ confunde publicidade institucional com checagem;
Lupa revisa etiquetas e lança marcadores para aprimorar verificações;
Como a lei brasileira pune o uso de IA para gerar nudes fakes.
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‘Brasil contra fake’ confunde publicidade institucional com checagem
Fazer checagem de fatos não é sinônimo de contar "a verdade".
Pode soar contraditório, mas há diferença entre dar visibilidade a informações verdadeiras sobre determinada questão e dizer "a verdade" sobre ela. A verdade, por definição, é a "propriedade de estar conforme com os fatos ou a realidade", mas também é "qualquer ideia, proposição, princípio ou julgamento que se aceita como autêntico" e até mesmo uma "opinião expressa de modo sincero e às vezes não muito cordial". São conceitos do dicionário Houaiss, não meus. "A verdade" tem cargas subjetivas e opinativas — e mesmo a filosofia entende que ela é relativa e composta por diferentes fatores, para além do que é fato e dado.
Já o que é verdadeiro é aquilo que está "em conformidade com os fatos ou a realidade; que não é fictício, imaginário ou enganoso; que diz ou exprime a verdade, a realidade, o modelo; que é realmente o que parece, que não é fraudado ou simulado". Falso é um antônimo de verdadeiro. Não é um antônimo de verdade — aí estamos falando de falsidade, de mentira. Para estabelecer que uma informação é verdadeira, é necessário que dados e fatos sejam consultados em diferentes fontes, que podem ir de testemunhas oculares a conjuntos de informação numérica, científica, objetiva.
Em 2009, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie falou sobre o perigo de uma história única. O vídeo desse TED Talk (que pode ser visto aqui) virou livro e acumula mais de 35 milhões de visualizações. Nessa ocasião, Chimamanda alertou para o fato de que "é impossível falar sobre a história única sem falar sobre poder" e que o poder é uma habilidade não apenas de contar uma história, mas de fazer com que aquela história seja definitiva. E terminou com uma frase inspiradora: "Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso".
Fazer checagem de fatos é nunca olhar para a história única. É questionar, sempre, se há mais fontes para serem pesquisadas e, caso não haja, se assegurar de que a fonte consultada tem legitimidade e não está atravessada por interesses ou por sua posição de poder. Em uma adaptação livre de William Randolph Hearst, checagem é publicar tudo que comprova que uma informação é verdadeira, o resto é publicidade (institucional). Há muita legitimidade, aliás, na publicidade institucional. Mas ela não pode, jamais, ser confundida com checagem.
Se você leu a Lupa hoje, sabe onde eu quero chegar. Publicamos um levantamento que mostra que o site "Brasil contra fake", do governo federal, usa apenas o próprio governo federal como fonte para atribuir veracidade a informações em mais da metade dos conteúdos publicados entre o seu lançamento, em março, e o fim de outubro. Além disso, simula uma plataforma de checagem ao usar textos semelhantes aos construídos pelos checadores e títulos que imitam os da checagem profissional.
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência, responsável pela iniciativa, afirma que o objetivo não é fazer checagem de fatos, mas sim responder "às principais fake news" que rondam o governo. Não foi o que disse o ministro-chefe Paulo Pimenta ao apresentar a ação em março em post no X (antigo Twitter). "Agora você pode checar os posts que recebe pelas redes sociais antes de repassar a informação", afirmou ele, desconsiderando que você já podia fazer isso, mais precisamente desde 2014, quando iniciativas de checagem de fatos, como a Lupa, chegaram ao Brasil.
Há muitas formas de comunicar ações institucionais e responder a informações falsas sobre um governo. Notas oficiais, pronunciamentos, comunicados, entrevistas e tantas outras. A apropriação de um discurso como o da checagem, que busca empoderar a população com diversidade de fontes e transparência, não é uma delas. Ainda mais quando essa apropriação limita o acesso do cidadão às histórias múltiplas sobre um mesmo fato e impõe a ele uma verdade institucional como informação verdadeira absoluta.
Para além disso, em tempos de ataques generalizados ao jornalismo e de fortes campanhas de descredibilização do papel da imprensa como mediadora da informação e desenvolvedora do pensamento crítico e das pontes entre polos acirrados, confundir o oficial com a livre informação pouco contribui.
Nós vamos seguir assegurando que você possa checar como fazemos nossas checagens. Que você tenha acesso a todas as fontes que consultamos, inclusive o governo. Nós vamos seguir fazendo checagem de fatos. O resto é publicidade institucional.
Natália Leal
CEO
Lupa revisa etiquetas e lança marcadores
A Lupa atualizou nesta semana suas etiquetas de classificação de verificações e checagens. A mudança visa ampliar a clareza e objetividade da análise do trabalho de fact-checking, além de aprimorar a comunicação com o público.
A partir de agora, passaremos a usar sete etiquetas: “Verdadeiro”, “Falso”, “Falta contexto”, “Exagerado”, “Subestimado”, “Contraditório” e “Insustentável”. A principal novidade é a criação da etiqueta “Falta contexto” para sinalizar quando a informação ou declaração analisada exige detalhamento para ser contextualizada.
Também passamos a introduzir marcadores complementares nas etiquetas “Falso” e “Falta contexto”. O propósito é detalhar, de forma mais rápida e direta, a principal razão para a classificação, como se o áudio, foto ou vídeo foi editado ou é antigo; se a legenda é enganosa; se é um golpe; se houve geração por inteligência artificial; ou se é uma sátira.
Apesar da atualização na metodologia, seguem inalteradas as três etiquetas que criamos em dezembro de 2022 para avaliar promessas feitas por candidatos eleitos em seus planos de governo: “Cumpriu”, “Não cumpriu” e “Cumpriu parcialmente”.
Acesse aqui para saber mais sobre as mudanças e ver exemplos práticos.
…nos efeitos da PEC que limita os poderes do STF: o Senado aprovou nesta semana uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O resultado, após uma votação apertada em plenário, causou irritação no Judiciário e surpresa no governo federal. Mas o que muda na prática? Para entender, confira o explicador que publicamos e tire suas dúvidas.
…nas punições por gerar nudes fakes por IA: o aumento nos casos de uso de aplicativos para criar nudes e vídeos pornôs falsos por meio da Inteligência Artificial (IA) tem causado preocupação no Brasil. Mas, apesar de a tecnologia ser nova, há formas de punição para este tipo de crime no país. Reportagem da Lupa mostrou os principais artigos do Código Penal que podem tipificar a manipulação de imagens e como estão os projetos de leis em tramitação no Congresso que tratam do tema.
…nos mitos e fakes sobre a Lei de Cotas: a política de reserva de vagas em universidades federais passou por uma revisão do governo federal neste mês. Apesar dos impactos positivos no acesso à educação, o sistema ainda é alvo de críticas e desinformação. Na última segunda-feira, Dia da Consciência Negra, reportagem da Lupa reuniu algumas das pesquisas publicadas nos últimos anos que desconstroem mitos envolvendo o desempenho de estudantes cotistas.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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