🔎 Lente #128: Só 4% de novas disciplinas do EM tratam de uso das redes
Boa sexta-feira, 15 de março de 2024. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Como o Novo Ensino Médio aborda educação midiática;
O aumento das fakes com inteligência artificial;
A polêmica da foto da família real britânica.
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Novo Ensino Médio conta com 746 novas disciplinas, só 4% de educação midiática
Em janeiro deste ano, circulou no X (antigo Twitter) a grade curricular de um estudante da rede estadual do Rio de Janeiro. Títulos como “O que rola por aí?”, “Vamos jogar?” e “Ação! Está em suas mãos” em disciplinas ao lado de Matemática e Português trouxeram estranhamento nos seguidores que reagiram alegando uma precarização do ensino com o Novo Ensino Médio.
A proposta de reformulação do segmento prevê maior flexibilização do currículo com uma parte comum, a Formação Geral Básica, e os itinerários formativos que seriam da escolha dos alunos. É nesta última parte que cada rede de ensino passou a criar disciplinas. A Lupa fez um levantamento inédito nos currículos dos 27 estados e no Distrito Federal e mostra que foram criadas 746 disciplinas e somente 34 abordam educação midiática e desinformação.
O dado é alarmante, já que um dos pontos principais dos defensores da reforma do ensino médio é que ela permitiria a criação de disciplinas mais relacionadas com o tempo presente. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 67% dos jovens brasileiros não sabem diferenciar fato de opinião e, recentemente, a Prefeitura do Rio de Janeiro levantou um debate ao proibir o uso de celulares em sala de aula. Neste cenário, a criação de componentes curriculares que abordem o uso das mídias é fundamental.
A Lupa analisou todas as centenas de ementas para identificar o conteúdo que está por trás de nomes apelativos como os apresentados. O ensino médio é de responsabilidade dos governos estaduais, e alguns tiveram posicionamentos mais conservadores na elaboração de seus currículos, enquanto outros trouxeram mais inovações.
O Distrito Federal, por exemplo, é recordista e criou 231 disciplinas, cerca de 30% do montante nacional. A rede na capital federal dividiu os itinerários por áreas do conhecimento (Humanas, Ciências da Natureza, Matemática e Linguagens). A área que aborda predominantemente educação midiática e desinformação é a de Linguagens, com cursos como “Introdução à análise do discurso” e “Tecnologias Digitais” dividindo o leque de possibilidades com “Mandala Florística” e “Oficina de Slackline”. Uma das disciplinas, inclusive, faz referência ao “Fato ou Fake”, serviço de checagem do Grupo Globo.
São Paulo é o estado que promoveu mudanças mais conservadoras: fez aprofundamentos nas disciplinas tradicionais como Matemática e Português com inclusão de temas como Educação Financeira e Robótica.
Evidente que, com tantas criações, surgem temáticas curiosas como “Relaxamento, Yoga e Mindfulness”, em Minas Gerais; o “Apiário”, no Distrito Federal; “Qual é o mesmo valor de X?” na Bahia; “Saia da Bolha”, no Mato Grosso e “Semioses do Olhar”, em Pernambuco. Ainda assim, muitas iniciativas mostram a relevância da educação midiática e desinformação como “Leitura e Compartilhamento no Mundo Virtual”, em Minas Gerais; “Cidadania Digital”, no Distrito Federal, “Juventude Conectada em Ação”, no Mato Grosso e “Cibercultura” em Pernambuco.
Quanto à “Ação! Está em suas mãos”, citada no início do texto, a ementa mostra que a disciplina é bem mais profunda do que o nome apresenta e quer elaborar um “núcleo de estudos para a produção de mídias, utilizando diversos gêneros (reportagens, podcasts, roteiros, notícias, campanhas, gamificação etc), considerando o protagonismo dos estudantes”.
O levantamento mostra uma outra lição da educação midiática: tal como não se deve julgar um livro pela capa, um título pode não conter toda a informação necessária; é preciso pesquisar e ir além das palavras apelativas.
Raphael Kapa
Coordenador de Educação
Mais fakes com uso de inteligência artificial
Na mesma semana que a Meta, dona do Facebook e do Instagram, anunciou que não vai mais liberar sua API para dar transparência aos dados que as plataformas têm, a Lupa trouxe uma reportagem mostrando a importância de ter acesso a esses dados.
Cristina Tardáguila utilizou a Fact Check Took API para ter acesso a todas as checagens que a big tech considera profissionais e revelou o aumento na circulação de desinformação utilizando inteligência artificial. O tema é polêmico e, por causa disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma resolução proibindo o uso de deep fakes colocando limites no uso de inteligência artificial na campanha eleitoral.
O levantamento mostrou que, de março de 2023 a fevereiro de 2024, 509 checagens profissionais foram publicadas e indexadas pelo Google com as expressões “inteligência artificial” ou “deep fake” em suas respectivas traduções para os dez idiomas mais falados do mundo (inglês, mandarim, espanhol, hindu, francês, árabe, bengali, russo, português e urdu). Ou seja, foram 42 checagens por mês, mais do que uma por dia, apontando falsidades e distorções tecnologicamente criadas.
A tendência é de crescimento. Nos dois primeiros meses de 2024, a média de checagens que sinalizam mentiras com IA subiu para 70 por mês, numa alta de 62%. A expectativa é que essa tava continue aumentando até as eleições municipais.
… na família real: quem ficou atento à foto da princesa Kate com os filhos, viu que ela passou por edição. O registro aconteceu em meio ao suspense devido ao sumiço dela em compromissos públicos e o mistério sobre o seu estado de saúde. A até então suspeita de pequenos ajustes (quem nunca, né?) se transformou em uma verdadeira caça a várias inconsistências da fotografia. Não demorou para que veículos e agências de notícias tirassem a foto de circulação por conta da manipulação. Mas a maior surpresa ainda estava por vir: a própria Kate admitiu que fez as edições em um desejo “inocente” para “retocar a imagem”. E, cá entre nós, basta um olhar atento para ver que a princesa deixou rastros. Entre os exemplos mais perceptíveis, estão a manga "cortada" da blusa da princesa Charlotte, a mão da própria Kate borrada e, ao fundo, um degrau com linhas desconectadas. Mais do que uma “inocente” edição, a atitude botou em xeque a credibilidade da família real, que viu aplicada em si o filtro da desinformação – o que, convenhamos, não fica nada bem na foto.
… no uso de IA nas eleições municipais: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um centro para enfrentar a desinformação nas eleições. Na prática, o que essa central fará é unir órgãos como Ministério Público, governo federal e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para agir de forma coordenada quando chegar a hora. A atuação, porém, é exclusiva às regras das 12 resoluções que o TSE aprovou em fevereiro — entre as principais normas estão a proibição de deep fake e a restrição do uso de IA nas propagandas, incluindo a necessidade de aviso ao usuário quando o recurso for utilizado.
… no Neil Young: o cantor canadense voltou ao Spotify. Se você lê sempre a Lente, talvez lembre que noticiamos em janeiro de 2022 (faz tempo, lá nas edições #41 e #42 da Lente) que ele entrou numa cruzada contra o serviço de streaming. Young acusou a plataforma de espalhar desinformação sobre a Covid-19 e pedia a remoção de um episódio do podcast The Joe Rogan Experience, no qual o apresentador conversava com Robert Malone, médico que ganhou notoriedade por espalhar informações completamente falsas sobre vacinas de mRNA contra a Covid-19. O que aconteceu agora é que o novo contrato entre Spotify e Joe Rogan não prevê exclusividade – e o podcast passará a ser veiculado também por Apple Podcasts, YouTube e Amazon Music, entre outros. Com isso, o cantor resolveu que irá voltar a disponibilizar suas músicas na plataforma.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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