🔎 Lente #129: quando mentir deixou de ser feio?
Boa sexta-feira, 22 de março de 2024. Veja os destaques desta edição da newsletter sobre desinformação da Lupa:
Uma nova Lente vai chegar no seu e-mail a partir de 5 de abril;
Fraude da vacina expõe mentira como modo de operação de Bolsonaro;
Conspirações e falsidades sobre a realeza britânica rendem muito dinheiro para as big techs.
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A Lente vai mudar
Esta é a última edição da Lente. Ou, pelo menos, da Lente como você conhece até aqui.
A partir da edição 130 — que não vai circular no dia 29 de março, e sim em 5 de abril, por conta do feriado de Sexta-feira Santa —, a newsletter sobre desinformação da Lupa vai chegar ao seu e-mail com novidades. A "Lente nova", como carinhosamente temos chamado essa fase dela por aqui, vai seguir tendo a desinformação como ponto central, afinal, esse é o objeto principal do nosso trabalho. Porém, de agora em diante, a Lente vai contar o que apelidamos de "fofoca da desinformação".
A Lente passa a ser uma newsletter sobre narrativas desinformativas, suas origens e seus impactos e desdobramentos. Na nova Lente, você vai saber como funcionam cadeias de informações mentirosas (e como isso impacta a sua vida), com que objetivo elas são espalhadas e como o compartilhamento desses conteúdos molda a visão de mundo de diferentes indivíduos e grupos na sociedade.
Conceber a "Lente nova" foi um trabalho de muitas mãos liderado pela nossa área de Produto e que contou com estudos de boas práticas do formato no Brasil e no exterior, pesquisas com a audiência, entrevistas e conversas em muitas reuniões de planejamento e estratégia. Isso nos fez ter certeza de que a Lente conecta a Lupa a um público engajado, interessado e fiel, curioso por detalhes que, às vezes, não contamos em publicações no site e nas redes sociais.
Mais do que saber se uma informação é falsa ou verdadeira, se um post é boato ou golpe, escutamos a audiência da Lente e percebemos que ela quer entender a desinformação em profundidade, mas sem rodeios, com análises singulares, que vão direto ao ponto. Essa audiência quer transitar com segurança e responsabilidade em um mundo digital de contornos esmaecidos, onde fica mais difícil a cada dia separar as coisas em preto e branco, nos obrigando a circular por imensas — e cada vez maiores — áreas cinzentas.
Ao longo dos últimos meses, trabalhamos para chegar ao formato e ao tom que os nossos assinantes indicaram: histórias mais visuais, com mais detalhes sobre o como e os porquês e análises que podem ser ponto de partida para discussões nos mais diversos cenários, do bar com os amigos ao almoço dominical em família.
Essa é a Lente que você vai receber a partir de 5 de abril. Esperamos que você goste!
Equipe Lupa
Quando deixou de ser feio mentir?
Como toda criança, eu cresci com a minha mãe fazendo constantemente um pedido para que não mentisse a ela e a meu pai. Sempre houve um espaço seguro para falar toda e qualquer verdade na casa onde eu cresci, o que não significa que na adolescência eu não tenha omitido algumas (muitas!) coisas. Mas além de promover esse espaço aberto e confiável, meus pais sempre justificaram esse pedido com uma frase muito simples: "não minta, porque mentir é feio".
No entanto, há mentiras e mentiras, e todos temos as nossas. Se o vizinho pergunta se você está bem, mesmo que tenha passado a noite em claro matutando um problema, você não vira e diz: "não, não estou bem, tive uma péssima noite de sono". Você diz: "opa, tudo bem", e a vida segue. Inofensivo, não?
Uma coisa é você dizer que está com dor de cabeça para não sair de casa; outra, bem diferente, é falsificar um certificado de vacinação para entrar em um país que o exige porque você acredita que se tomar, de fato, a vacina contra uma doença que matou milhões de pessoas no mundo todo, vai virar um jacaré. Uma coisa é você dizer que não pode emprestar um livro porque já prometeu a outra pessoa, quando apenas quer evitar que ele nunca mais retorne à sua estante; outra, bem diferente, é dizer que nunca viu uma minuta de golpe, quando, na verdade, você pediu e aprovou alterações no texto.
Ao longo dos últimos dias, com o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela fraude dos cartões de vacinação da Covid-19 (junto com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outras 15 pessoas) e a queda do sigilo de depoimentos da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado ocorrida após as eleições de 2022, ficaram evidentes novos usos da desinformação como estratégia — política, de comunicação, de negociação, de marketing e, até mesmo, de gestão. Afinal, tudo isto posto mostra que mentir deliberadamente sobre o que se fez ou o que se deixou de fazer e usar de fraude para quebrar regras sob alegação de convicções pessoais (baseadas em desinformação) foram ações recorrentes empregadas na gestão Bolsonaro, uma marca, portanto, de seu modo de governar.
As ações que têm exposto esse modo de operação apenas corroboram algo que já era sabido. Bolsonaro e seus companheiros de gestão usaram táticas de desinformação para, entre outras coisas, distorcer o debate público e obter proveitos pessoais a partir de políticas institucionais. Do primeiro ao último dia de seu mandato como presidente, Bolsonaro foi alvo de quase uma centena de checagens da Lupa. Classificamos como falsas frases de seu discurso em todas elas. Sistematicamente, o ex-presidente usou mentiras para atacar adversários, diminuir a gravidade de uma pandemia, barrar investigações, colocar em xeque a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro e para muitos outros fins, sem pudor.
Surpreende apenas que, para além de não ter levado em consideração que esse calhamaço de distorções, manipulações e falsidades poderia lhe custar uma nova candidatura (não esqueçamos que Bolsonaro está inelegível e, por ora, não pode concorrer em eleições até 2030), ele parece não ter pensado no que significa mentir. Quando isso deixou de ser feio?
É claro que, mesmo não sendo correto, todo mundo mente de vez em quando. O que muda é o segundo exatamente anterior à mentira, quando você se pergunta o que os outros vão pensar se descobrirem ou quais consequências práticas ela pode ter para você no futuro, seja ele próximo ou distante. Nesse segundo exato você pode chegar à conclusão de que é melhor não seguir com a mentira — você vai, no mínimo, sentir vergonha ali na frente. Ou talvez você pense que não há problema, porque jamais será pego ou seus planos futuros, por mais mirabolantes que sejam, irão se concretizar. Nesse caso, você provavelmente nem vai lembrar da sua mãe dizendo que mentir é feio.
Mas acredite: em algum momento, você vai desejar tê-la levado a sério.
Natália Leal
Diretora-executiva
… em quem fatura com as polêmicas: depois da foto editada da princesa Kate Middleton com os filhos, a divulgação de um vídeo da futura rainha da Inglaterra saindo de uma loja ao lado do marido alimentou novas teorias sobre o que estaria acontecendo na realeza britânica. Dados extraídos do CrowdTangle, ferramenta que permite analisar postagens feitas no Facebook, mostram que, entre os dias 11 e 19 de março, a expressão "Kate Middleton" apareceu em quase 67 mil posts que, juntos, geraram 4,3 milhões de interações. Isso significa que, em uma semana, o nome da princesa foi citado em mais de 398 posts por hora nos mais diversos idiomas da plataforma. Um engajamento que vira dinheiro para as big techs através da veiculação de anúncios publicitários. A repórter da Lupa Cristina Tardáguila encontrou, na biblioteca de anúncios da Meta, 11 anúncios ativos em português nas redes sociais da empresa relacionados à princesa entre 10 e 18 de março, 27 em espanhol e mais de 250 em inglês. São posts patrocinados que divulgam teorias da conspiração, supostos desejos sexuais do príncipe William e enganam com falsas chamadas que prometem revelações chocantes. Certamente você ficou curioso para saber sobre os valores, porém a biblioteca de anúncios da Meta não informa quanto a empresa recebe por esse tipo de anúncio. Mas alguém duvida de que essa é mais uma polêmica rentável?
… nos avisos sobre IA no YouTube: o caso da foto de Kate com os filhos pode ter feito muita gente pensar que identificar alterações em imagens é simples, mas nem sempre a manipulação será tão evidente. Para ajudar os não especialistas no assunto e aumentar a transparência, o YouTube passou a exigir que os criadores adicionem rótulos aos conteúdos realistas feitos com mídias alteradas ou sintéticas, incluindo inteligência artificial generativa. O aviso estará na descrição expandida ou no próprio vídeo em assuntos como saúde, notícias ou eleições. Conteúdo realista, de acordo com os critérios da plataforma, é aquele que pode facilmente confundir quem assiste: alteração ou substituição de rostos, geração sintética de voz, geração de cenas de grandes eventos não reais em cidades reais, como fenômenos naturais, e alteração de paisagens. Os rótulos não valem para o uso de IA no processo de criação (pautas, legendas, textos), nem para conteúdo claramente irrealista, como a imagem de alguém montado em unicórnio, efeitos especiais e animação. A plataforma explicou que por enquanto está orientando os criadores, mas no futuro vai fiscalizar a aplicação dos rótulos.
…nas cobranças às big techs: e por falar em IA, o Google foi multado em 250 milhões de euros (ou R$ 1,36 bilhão) por violação de direitos autorais na França. A Autoridade de Concorrência do país alegou que a empresa treinou o chatbot Gemini (ex-Bard) com conteúdos de editoras e agências de notícias sem a devida autorização ou aviso. Em junho de 2022, o Google assinou um acordo com a União Europeia se comprometendo a pagar para usar as notícias veiculadas na plataforma. Para o Google, a multa é desproporcional e não leva em conta os esforços que a empresa vem fazendo. O que isso tem a ver com a gente? Bastante coisa. Aqui a remuneração de material jornalístico que circula nas redes sociais pelas plataformas digitais também está sendo discutida em um projeto de lei, o 2.370/2019. Em agosto de 2023, a proposta esteve perto de ser votada na Câmara dos Deputados, mas foi retirada da pauta. Este assunto já esteve no PL 2.630/2020, que foi desmembrado justamente para acelerar a tramitação. Não deu certo. Os dois projetos seguem parados.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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