🔎 Lente #6: Dados falsos ouvidos na CPI da Pandemia assustam o país

Boa sexta-feira, 7 de maio de 2021. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler sobre:
Os checadores poderiam ajudar a CPI da Covid, esclarecendo em tempo real as contradições
Deputado americano quer registrar fact-checkers e exigir fiança de US$ 1 milhão
TikTok está repleto de vídeos falsos sobre o conflito entre Israel e Palestina
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Desinformação à solta na CPI da Covid
Dados incorretos, omissões e contradições - sem falar nos tumultos e xingamentos - estão dando o tom da CPI da Covid no Senado. A investigação busca entender o papel exato do governo Bolsonaro no avanço da pandemia e nos seus mais de 425 mil mortos desde o ano passado. A Agência Lupa checou os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual ministro, Marcelo Queiroga e causa espanto perceber como as autoridades que comandaram e comandam a guerra contra o novo coronavírus usam dados incorretos em seus discursos, um fato que atrapalha mais do que ajuda na tarefa de explicar a tragédia de saúde pública que se abate sobre o país.
Entre outras incorreções, Mandetta afirmou que a primeira vacina teria começado a ser testada em seres humanos somente em maio, depois de sua saída do governo, em 16 de abril. Não é verdade. Em 16 de março, um mês antes da saída do ministro, a americana Moderna começou seus testes em humanos e em abril, outros cinco laboratórios iniciaram testes em voluntários. Teich, por sua vez, disse que a Organização Mundial de Saúde (OMS) só desaconselhou o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em junho. Errou feio. A recomendação contrária da OMS aconteceu em 1º de março.
Queiroga optou por uma estratégia de omissão e evitou opinar sobre a eficácia da cloroquina contra a Covid-19, jogando a responsabilidade para uma comissão do Ministério da Saúde que debate protocolos clínicos de tratamento. Mas fez questão de dizer que o Brasil fez testes da Covid-19 "de maneira forte". Não é verdade. Em rankings internacionais, o Brasil não tem uma posição favorável na quantidade de testes contra a Covid-19 realizados. Dados do Worldometers mostram que o país está na 114º posição entre as nações que mais realizaram testes por milhão de habitantes. O ranking inclui testes em 210 países e territórios.
Esquivando-se de perguntas e após muitas contradições e omissões, o ex-secretário de Comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten afirmou que o laboratório Pfizer fez uma oferta inicial de "irrisórias" 500 mil doses de vacinas em carta que ficou dois meses circulando em gabinetes de Brasília, sem resposta. Ontem, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, disse que a empresa fez ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra a Covid-19 em 2020 que não foram fechadas. A primeira oferecia entre 30 milhões e 70 milhões de doses de vacina. O relator da CPI, Renan Calheiros, chegou a pedir a prisão do ex-secretário de comunicação, depois de acusá-lo de falar mentiras durante o depoimento.
Sem a devida confrontação dos depoimentos com dados verificados, uma CPI se resume ao dito pelo não dito e vira palco de guerra de narrativas. A impressão que dá é que ninguém ali quer chegar à verdade dos fatos, mas apenas passar a imagem de que venceu o bate-boca.
No entanto, há muita coisa verificável, a começar por ações documentadas, estudos científicos, relatórios de organismos multinacionais e mesmo declarações públicas que, a despeito de omissões, são facilmente constatáveis. Por exemplo: ainda que deletadas das redes sociais, há provas impressas da campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, contrária às medidas de isolamento social, produzida pelo governo. Se os parlamentares focassem mais no que é verificável e já se comprovou como verdadeiro, muitas omissões e manipulações de discurso clássicas poderiam ser desmascaradas no ato. Uma boa medida seria, por exemplo, usar checadores de fatos em tempo real durante os depoimentos na CPI e as checagens como matéria-prima para a réplica dos senadores.
No mínimo, as contradições seriam confrontadas com fatos e documentos com menos bate-boca e mais verdades incontestáveis. #ficaadica
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Estratégia e Negócios

Registro de fact-checker? Nos EUA...talvez
Um deputado republicano do estado de Michigan apresentou na última terça-feira um projeto de lei que busca exigir dos checadores que atuam na região uma espécie de licença, um registro profissional. A proposta contou com o apoio de outros oito deputados e deixou os fact-checkers americanos de cabelo em pé.
Em seu perfil no Twitter, o time do site de checagem Lead Stories resolveu contra-atacar. E mostrou que, pelo menos desde abril, Matt Maddock fala publicamente que quer "caçar" checadores por acreditar que existe uma perseguição do grupo a políticos conservadores (a acusação soa familiar?). O Lead Stories pontuou que, por instrução do Facebook, nenhum político pode ter postagens marcadas como sendo falsas, exageradas, contraditórias, enganosas ou o que quer que seja.
A proposta de Maddock prevê que, ao se registrarem, os fact-checkers deverão depositar 1 milhão de dólares de fiança para ressarcir aqueles que os processarem. De longe, é difícil imaginar que algum time de checagem - mesmo americano - tenha tanto dinheiro assim. O que a proposta busca é mesmo inviabilizar o trabalho dos fact-checkers.

…nos resultados do Pisa: a avaliação final do exame internacional feito pela OCDE mostra que dois terços dos jovens brasileiros de 15 anos têm dificuldade de diferenciar fatos de opinião ao ler um texto. Também ficou claro que o Brasil está entre os piores no ranking de nações em que esse tipo de debate ocorre em sala de aula. Estamos falando sobre isso na nossa newsletter sobre educação midiática, a Intervalo.
…no conflito Israel x Palestina: assim como ocorreu no Brasil, no início da pandemia, circulam no TikTok imagens e vídeos de "falsos funerais". O material já chegou à Índia e foi checado pelo time do Alt News. Um dos vídeos é de 2020 e foi gravado na Jordânia. Atenção redobrada com esse assunto, ok?
…no Facebook: a plataforma seguiu os passos do Twitter e agora pergunta ao usuário se ele leu o link antes de compartilhar. Toda ação que busca levar o usuário de redes a pensar sobre aquilo que está passando para frente é bem-vinda. É bom lembrar que nem sempre o título do texto reflete todo o conteúdo nele contido.
…no WhatsApp: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e o Ministério Público Federal (MPF) pediram formalmente que a nova política do aplicativo - que prevê a redução de funcionalidades para aqueles que não concordarem com os novos termos de uso da empresa - não entre em vigor no país no próximo dia 15, conforme previsto. Para essas entidades, a empresa ainda não se adequou à Lei Geral de Proteção de Dados, e a mudança pode representar uma violação aos direitos dos usuários no Brasil. Na Alemanha, a autoridade responsável pela proteção de dados foi mais longe. Proibiu a alteração planejada e classificou o movimento como sendo do tipo "caixa-preta". Fique de olho nos próximos capítulos!
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana
