🔎 Lente #7: CPI da Covid escancarou a importância do fact-checking
Boa sexta-feira, 21 de maio de 2021. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler sobre:
CPI da Covid precisa de checagem? Com certeza. Mas não é só isso.
Pesquisa traz evidências sobre a politização da pandemia de Covid-19
Não, crossfit não é tratamento contra a Covid. E quem diz isso são os crossfiteiros
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Precisamos falar sobre a CPI da Covid (de novo!)
Não é novidade que os depoimentos à CPI da Covid andam cheios de informações falsas. Também não é novidade que os próprios senadores que compõem a comissão, vez ou outra, baseiam suas perguntas aos depoentes em informações erradas. Portanto, não é com surpresa que se recebe a ideia do relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), de que o Senado contrate uma "agência checadora da verdade" - nas palavras de Renan - para auxiliar os senadores a identificar os equívocos enquanto os depoentes os cometem.
Algo desse porte poderia ser até louvável, pois reitera o que nós, como fact-checkers, já sabemos: fact-checking é necessário e ajuda a separar o joio do trigo em termos de conteúdo e informação. Mas precisamos dar um passo atrás.
Há duas semanas, falamos aqui na Lente sobre o quanto a checagem poderia contribuir com a CPI da Covid. Desde o início dos trabalhos da comissão, estamos debruçados sobre os depoimentos da CPI. Nesta semana, a Folha de S. Paulo publicou uma página inteira com checagens da Lupa sobre o depoimento de Pazuello. Antes, já havia publicado checagens da Lupa nos depoimentos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Ernesto Araújo, do ministro Marcelo Queiroga e até sobre as perguntas feitas pelos senadores.
Checagens ao vivo são comuns no Brasil. O que não significa que sejam simples ou de fácil execução. Costumamos usar esse tipo de abordagem em debates eleitorais, em entrevistas de políticos em campanha e em discursos importantes. Também o usamos em CPIs, e os políticos, certamente, sabem disso. Talvez, por isso, se lembrem que os fact-checkers são muito úteis nesse momento.
O fato é que os depoentes da CPI da Covid são conhecidos com antecedência, assim como os temas sobre os quais serão perguntados. Em meio à pandemia, também é sabido que os checadores vêm desmentindo informações à exaustão. Portanto, não pode ser difícil para um senador da República e seus assessores consultar os arquivos das plataformas de checagem e se preparar para o depoimento.
Apenas para ilustrar, a Lupa fez seis checagens sobre a crise do oxigênio em Manaus, um dos pontos mais polêmicos do depoimento de Pazuello. Fez, ainda, uma extensa verificação sobre o aplicativo TrateCov, outro ponto controverso na gestão do ex-ministro. Todos os conteúdos estão disponíveis no site da Lupa. Na comissão, o general fez afirmações equivocadas sobre os temas (que apontamos, uma vez mais). Mas qualquer senador poderia ter se preparado com as checagens já publicadas anteriormente para confrontar o ex-ministro, se necessário.
Não deixa de ser constrangedor que as sessões da CPI sejam permeadas por conteúdo falso e afirmações erradas ou mesmo mentirosas. Tampouco deixa de ser constrangedor que uma comissão que se propõe a investigar atos do Executivo na pandemia não seja capaz de estruturar um banco de dados robusto sobre isso, de medidas tomadas e verbas destinadas a toda a cronologia de acontecimentos relacionados ao tema. E que, agora, tente, de alguma forma, atribuir exclusivamente aos fact-checkers a responsabilidade de apontar erros, imprecisões e mentiras.
As redes sociais foram tomadas de assalto pelas discussões da CPI. A audiência da TV Senado e do canal da instituição no YouTube bate recordes de audiência. O interesse se justifica, mas a comissão não pode servir de palco para um deprimente espetáculo de narrativas distorcidas e pedidos demagógicos.
Se mentir à CPI não é crime e, de lá, ninguém sairá preso, que ao menos os senadores que ali estão saibam expor as contradições. Afinal, o que Renan Calheiros veio a público pedir já está sendo feito. Com transparência e metodologia, talvez não em tempo real, mas com o prazo necessário para manter a precisão e objetividade. E está sendo feito não como um serviço à CPI, mas como um serviço à sociedade.
Para usufruir dele, basta abrir o jornal. Ou o site.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Estratégia e Negócios
Evidenciando a 'politização' da pandemia
O Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise em Redes Sociais (MIDIARS), ligado às universidades federais de Pelotas e do Rio Grande do Sul, divulgou os resultados do seu primeiro relatório sobre desinformação e Covid-19 no Brasil. As conclusões não são exatamente otimistas, mas a pesquisa traz uma abordagem científica a fenômenos já percebidos pelo tom acalorado dos debates recentes, como a "politização da pandemia".
Dizem os pesquisadores: "Questões relacionadas à mitigação da pandemia, sua gravidade e mesmo as vacinas são debatidas como um assunto político, sobre o qual é preciso adotar 'um lado' e não como um assunto de saúde pública, onde todos precisam cooperar". Mais grave do que isso é a evidência de que as autoridades governamentais e de saúde têm um papel importante nessa guerra política de narrativas, contribuindo decisivamente para a desinformação da população. É o que vem sendo visto nos depoimentos da CPI da Covid, como mencionamos na última edição da Lente, em 14 de maio.
Outra conclusão da pesquisa é que os usuários que compartilham desinformação são mais engajados e publicam mais do que quem se orienta pela ciência, por autoridades médicas e por notícias verdadeiras. Esse seria um dos motivos pelos quais a desinformação circula mais e em maior volume do que outros tipos de conteúdo.
Por fim, um clássico fenômeno da desinformação, turbinado por vieses de confirmação e disputas pelo controle da narrativa: tanto as checagens de fatos quanto as notícias jornalísticas verdadeiras sobre Covid-19 não têm poder de penetração nas bolhas de desinformação. Os conteúdos com os quais as pessoas nessas bolhas não concordam não apenas saem de circulação, mas também são considerados "desinformativos".
A saída para este estado lamentável de desinformação, segundo os pesquisadores, é um conjunto de ações, como criação de campanhas contra conteúdos problemáticos que circulem não apenas na mídia social, mas também na tradicional (já que é muito difícil “furar as bolhas”); ações de letramento digital e fomento ao debate público com autoridades científicas sobre os temas-chave; cobrança de ações de combate à desinformação nas plataformas; responsabilização de agentes públicos na propagação e legitimação dos conteúdos falsos; ações dos veículos jornalísticos para evitar manchetes de baixa qualidade, de modo a impedir que sejam usados para dar credibilidade à desinformação.
O relatório em pdf você confere aqui.
…nos Estados Unidos: a deputada conspiratória e negacionista Marjorie Taylor Greene, uma crossfiteira que vem abertamente recomendando sequências de exercício de CrossFit como "tratamento coadjuvante" para a Covid-19, foi devidamente desautorizada pela academia onde filma seus treinos e os exibe nas redes sociais. “A CrossFit apóia um diálogo político respeitoso baseado em fatos para enfrentar nossos desafios comuns, e nos opomos veementemente às mentiras repugnantes e perigosas atribuídas à Sra. Greene”, disse Andrew Weinstein, porta-voz da CrossFit, ao BuzzFeed News.
…na academia: a pesquisadora Tania Lucia Cobos analisou 3.738.375 notícias agregadas pelo Google News nas edições Brasil, Colômbia e México, de janeiro a março de 2015, e constatou uma concentração nas mídias exibidas pela ferramenta de busca. Como o serviço precisa estar sempre atualizado, destaca a newsletter sobre ética jornalística Objethos, o algoritmo StoryRank parece privilegiar redações que produzem conteúdo diário e isso nem sempre inclui as checagens a respeito de desinformações consideradas relevantes. Para ler o estudo completo, basta acessar aqui.
…nos aplicativos e sites de namoro: A Casa Branca espera que o desejo de namorar motive mais americanos a se vacinarem e propôs a nove dos maiores sites de paquera nos EUA - Tinder, OkCupid, Bumble, Badoo, BLK, Hinge, Chispa, Match e Plenty of Fish - que ofereçam um identificador para aqueles que já tomaram ao menos uma dose da vacina contra a Covid-19. Muita gente tem achado a medida uma invasão de privacidade, mas de acordo com uma pesquisa do OkCupid, pessoas que são vacinadas ou planejam ser vacinadas recebem 14% mais sugestões de encontros do que as pessoas que não planejam ser vacinadas.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana