🔎 Lente #8: Ordem de Biden e decisão do Facebook aumentam conspirações sobre origem do coronavírus
Boa sexta-feira, 28 de maio de 2021. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler sobre:
Biden pede investigação sobre origem do novo coronavírus e Facebook libera teorias conspiratórias na rede
CPI vira palco para desinformação sobre vacinas
YouTube tira do ar 11 vídeos do presidente Jair Bolsonaro sobre tratamento precoce
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A volta do coronavírus de laboratório e o liberou geral do Facebook
Caiu como uma bomba na comunidade de checadores a decisão do Facebook, tomada esta semana, de voltar a permitir a circulação de posts com teorias conspiratórias sobre a origem do novo coronavírus num laboratório em Wuhan, na China. A medida acontece dois meses depois de um relatório preliminar da Organização Mundial da Saúde (OMS) ter afirmado ser "extremamente improvável" que o vírus tenha atingido os humanos devido a um incidente em laboratório. Mas a história sobre o suposto vazamento no laboratório de Wuhan, que não é nova, ganhou novos capítulos.
Tudo começou com a publicação, no domingo passado (23/5), de uma reportagem no "Wall Street Journal" onde se diz que três pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan, na China, foram hospitalizados em novembro de 2019 com sintomas semelhantes aos provocados pelo novo coronavírus. A reportagem tem como fonte um relatório dos serviços de inteligência dos EUA mantido em sigilo.
Na quarta-feira (26/5), o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou que a comunidade de inteligência americana "redobrasse" seus esforços para descobrir a origem do vírus e comunicasse as conclusões em 90 dias. Biden também revelou que a comunidade de inteligência está dividida entre duas teorias sobre a origem da Covid-19: se o vírus surgiu do contato humano com um animal infectado ou de um acidente em laboratório.
A situação ficou ainda mais complicada porque após o pronunciamento de Biden, o Facebook decidiu suspender as restrições que fazia na circulação de teorias conspiratórias a respeito do vírus. Em comunicado enviado ao jornal Politico, dos EUA, a empresa afirma: "À luz das investigações em andamento sobre a origem da Covid-19 e em consulta com especialistas em saúde pública, não removeremos mais a alegação de que a Covid-19 é feita pelo homem em nossos aplicativos".
Ainda que o foco da discussão sobre a origem do novo coronavírus tenha mirado novamente o laboratório de Wuhan e as circunstâncias ainda nebulosas do vazamento, as teorias conspiratórias já voltaram às redes sociais dando conta de que o vírus foi criado por humanos e propositadamente espalhado entre a população pelo governo da China. Voltaram, aliás, é um verbo ruim. As teorias nunca chegaram a sumir, ainda que estudo após estudo, investigação atrás de investigação nada trouxessem para confirmar as teses. Artigo no NiemanLab lembra uma pesquisa feita em março pelo instituto PRRI com mais de cinco mil americanos. Resultado: quase 40% acreditam que a Covid-19 foi desenvolvida intencionalmente num laboratório por cientistas.
No meio da pandemia de informações pela metade, grupos políticos e até veículos de mídia voltam às redes com ares indignados se considerando censurados. Teve plataforma enviando e-mail ontem a seus assinantes se dizendo alvo de uma campanha em que era acusada de espalhar mentiras a respeito da origem do vírus. Ora, se é verdade que a publicação sempre questionou a origem do novo coronavírus, não é necessariamente verdade que a plataforma tenha feito isso amparada em evidências ou fatos comprovados.
O que se vê desde sempre são grupos de apoio político buscando conduzir a narrativa da pandemia - que deveria ser baseada em ciência e evidências concretas - na direção de interesses distantes da saúde pública e quase sempre nebulosos. Jornalismo sério não trabalha com rumores. Trabalha com fatos. E quais fatos temos até agora? Que a OMS ainda investiga a origem do novo coronavírus e que um relatório de inteligência nunca revelado na sua integridade foi produzido por funcionários do governo dos EUA, motivando o presidente Joe Biden a pedir...novas investigações.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Negócios e Estratégia
CPI e o circo da desinformação sobre vacinas
Uma das coisas mais impressionantes desta CPI da Covid é a sucessão de equívocos deliberados cometidos pelo governo no processo de combate à Covid-19. Ontem mesmo, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que ações e falas do presidente Jair Bolsonaro, do ex-ministro Ernesto Araújo e outros apoiadores do governo impediram a negociação com a China e a entrega de 100 milhões de vacinas até maio. Tudo isso é lamentável e mostra as contradições entre o que disse o ex-ministro Eduardo Pazuello - a de que o presidente não mandava o Ministério da Saúde fazer nada - e o que relatou Dimas.
Mas a desinformação de muitos senadores com relação a vários processos envolvendo a pandemia é assustador para uma CPI que pretende investigar porque passamos do patamar de mais de 450 mil mortos pela pandemia.
O senador governista Eduardo Girão, do Podemos-CE, foi parar nos trending topics do Twitter ontem ao afirmar que a vacina contra a Covid-19 é feita de fetos abortados. O mesmo Girão demonstrou ignorância ao questionar a eficácia da vacina se mesmo pessoas vacinadas podiam contrair o vírus e morrer, citando o sambista Nelson Sargento, falecido ontem. E foi um Dimas com a paciência de um monge tibetano que explicou a Girão que a CoronaVac é feita de uma célula de rim de macaco e que ela não protege contra a contaminação, mas atua na evolução do quadro clínico da doença.
O que se vê neste comportamento anti-científico e enviesado por questões políticas é uma ameaça real à saúde pública. O show de desinformação no Senado passa a impressão para o público de que não há consensos científicos sobre a vacina, quando eles existem: todas as vacinas são seguras e eficientes e nenhuma é feita de fetos. No Rio, a desinformação sobre prioridades na fila da vacinação contra a Covid-19 vem criando confusão nos postos de saúde, que estão vacinando gente com depressão e ansiedade, doenças não prioritárias.
Desinformação e manipulação de narrativas só fazem atrasar o programa de imunização. Tanto que o próprio Instituto DataSenado publicou uma pesquisa mostrando que a maioria da população brasileira - exatos 79% - acha que a vacinação contra a Covid-19 está lenta no Brasil.
Vidas em risco: as ameaças dos grupos negacionistas
Quer saber mais sobre como identificar e compreender discursos paradoxais que defendem a vida mas a colocam em risco? Quer compreender a relação entre desinformação, negacionismo e teorias da conspiração sobre vacinas? Inscreva-se aqui para participar da próxima oficina do LupaEducação. O encontro acontece online (maldita pandemia!), às 18h30 (de Brasília) do dia 15 de junho.
...nas citações científicas: os economistas Marta Serra-Garcia e Uri Gneezy da Universidade da Califórnia, em San Diego, publicaram recente estudo na revista Science, onde atestam que pesquisas científicas não confiáveis - ou de apelo mais popular - no campo das ciências sociais recebem mais atenção de outros cientistas do que estudos sólidos e embasados. Artigos de ciências sociais com pesquisas ainda incompletas ou iniciais e que não foram confirmados por pares acumularam 153 citações a mais, em média, do que artigos aprovados e confirmados por outros cientistas.
...no YouTube: O gabinete do ódio amanheceu em polvorosa ontem após o YouTube retirar do ar 11 vídeos do presidente Jair Bolsonaro com menções à cloroquina como tratamento precoce contra a Covid-19, algo que não existe segundo os atuais estudos sobre a substância divulgados por pesquisadores e pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Anvisa. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em abril, quatro vídeos do presidente já haviam sido removidos pelo YouTube por trazerem conteúdos desinformativos sobre a pandemia.
...nas Big Techs: Apple e Facebook vêm se estranhando em função de decisões da primeira a respeito da proteção dos dados dos usuários de seus sistema iOS, que roda nos Macs e nos iPhones. A Apple agora dá a opção ao dono do aparelho de permitir não ser rastreado em navegações por sites e outras plataformas da internet. São esses dados captados enquanto se navega na internet que permitem aos algoritmos "classificar" os internautas em perfis para a entrega de publicidade personalizada. O Facebook não gostou da decisão da Apple alegando que pequenos negócios iam ter dificuldade de conversar com seus públicos. Na atualização 14.5 do iOS, só 13% dos usuários aceitaram ser rastreados.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana