🔎 Lente #9: 'Fakegeo' acende alerta sobre falsificação digital de mapas
Boa sexta-feira, 4 de junho de 2021. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler sobre:
A nova ameaça da desinformação: mapas geolocalizados alterados
As dificuldades que os checadores enfrentam para conceituar e medir a desinformação
WhatsApp é um dos aplicativos onde mais se dissemina desinformação sobre a Covid-19
Psiu! Conhece alguém que poderia se juntar a nós, na luta contra a desinformação? Convide-o para assinar esta newsletter.
A vez da geolocalização falsa
Um artigo no site da Universidade de Washington traz uma nova preocupação relacionada à desinformação, desta vez em mapas geolocalizados por satélites, já batizados de geografia falsa ou fakegeo. O que está por trás disso é o uso de softwares com inteligência artificial para manipular imagens de satélites - cuja definição ainda é menor do que a de fotos e vídeos - e camuflar dados e localizações num mapa.
A imagem acima, por exemplo, é descrita como um bairro da cidade de Tacoma, em Washington, nos Estados Unidos. Mas se você usar o Google Maps para encontrar esta vizinhança, não achará essa imagem. O registro digital foi modificado com fotos de ruas e edifícios retiradas de um bairro de Pequim, na China. Ou seja: você vai ver uma mistura da geolocalização de Tacoma, mas com a aparência dos prédios e da estrutura de Pequim. Não é maluco?
"Não se trata apenas de coisa de Photoshop. Esta tecnologia está fazendo com que os dados geolocalizados falsos pareçam incrivelmente realistas", diz o professor de geografia Bo Zhao, da universidade, autor de um estudo sobre o assunto. Ele teme que os dados geolocalizados, muito usados por governos para tentar descobrir instalações militares ou mesmo prisões ou campos de refugiados, sejam usados para criar novas narrativas em debates internacionais.
Locais falsos e imprecisões fazem parte da cartografia desde os tempos antigos. Isso se deve em parte à natureza de traduzir locais da vida real para a forma de mapa, já que nenhum mapa pode capturar um lugar exatamente como ele é. Mas há relatos também de imprecisões criadas pelos próprios cartógrafos. O termo “acidentes de papel”, por exemplo, descreve cidades, montanhas, rios ou outros recursos falsos colocados discreta e propositadamente em um mapa para evitar a cópia dele por outros sem o pagamento de direitos autorais. Bo observa que tudo começa como uma espécie de brincadeira, mas evolui para usos mais perniciosos das tecnologias.
Um dos serviços mais populares hoje nos Estados Unidos e em países europeus é o Fake GPS, um aplicativo para sistemas Android que permite alterar a localização de um celular identificada por satélite. O aplicativo é gratuito e serve para que o usuário simule uma localização escolhida - que pode ser em qualquer ponto do planeta, ainda que ele não esteja efetivamente lá. É muito usado em aplicativos de encontros, como Tinder e Grindr, para buscar pretendentes em outros países. Se já há golpes em aplicativos deste tipo no Brasil, imagine o que pode acontecer com essa "ferramenta".
Todo o cuidado é pouco.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Negócios e Estratégia
A difícil tarefa de medir a desinformação
Todo checador sabe que a velocidade de verificação de um conteúdo denunciado como falso não se compara à velocidade com que a desinformação se espalha no mundo digital. A checagem tem metodologia e demanda um tempo mínimo de execução. Até concluir a análise, muitas vezes, o estrago está feito, infelizmente. A desinformação é bem mais rápida. E isso nós sabemos empiricamente, trabalhando no dia a dia. Agora, a diferença exata nessa velocidade ainda é uma informação nebulosa.
Segundo a Axios, a maioria das empresas de tecnologia não compartilha dados que permitiriam aos pesquisadores rastrear melhor a escala, a disseminação e o impacto da desinformação. A tarefa não é fácil, até porque quantificar o volume de desinformação exige algumas definições sobre o tema que ainda não alcançamos.
Há ferramentas que auxiliam na tarefa de quantificar engajamento e compartilhamentos de um conteúdo desinformativo, claro. O Google Trends pode dar uma noção do quanto uma expressão-chave em uma peça de desinformação é buscada em um determinado período de tempo, por exemplo. O Monitor do WhatsApp, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), faz o mesmo com expressões que circulam em grupos abertos na ferramenta. Mas a escala temporal não é suficiente quando se fala em desinformação. Até porque mais do que a quantidade de compartilhamentos de uma peça desinformativa, é preciso analisar o que leva a esse compartilhamento. Mesmo sabendo o quanto uma informação falsa se espalhou, alguém consegue dizer, com certeza científica, se quem compartilhou fez isso porque acredita no que está ali ou por qualquer outro motivo?
Os experts ouvidos pela Axios elencaram alguns outros aspectos que dificultam essa medição da desinformação. O primeiro deles: por mais que as plataformas de tecnologia divulguem números de conteúdos removidos por conta de desinformação ou etiquetado como falso, esses números são incompletos. As big techs nunca dizem quanto esse total representa sobre todo o material analisado ou mesmo sobre todo o material que circula. Não sabemos se são 90%, 10% ou mesmo 0,001% de tudo que está ali.
Outro ponto importante a se levar em consideração é o fato de que as redes sociais não são o único ambiente digital em que a desinformação circula. Publicidade enganosa e mau jornalismo, por exemplo, também se enquadram nessa classificação e, até onde se sabe, não temos dados confiáveis sobre isso. Por fim, mas não menos importante, a desinformação não é tão preto no branco assim. Há bem mais do que 50 tons de cinza aqui. O conceito da terra plana é facilmente derrubável por centenas de anos de pesquisa, mas há desinformação chegando como um comentário enganoso sobre eventos ou estatísticas que possuem de fato alguma base na realidade.
E aí, o que fazer? Ainda não temos as respostas, mas é bom refletir sobre as perguntas.
Como você viu, entender os impactos da desinformação é dificílimo. Nós estamos trabalhando nisso, mas precisamos da sua ajuda. Reserve cinco minutinhos do seu dia para responder à nossa pesquisa, clicando no botão abaixo. A sua opinião é fundamental para entendermos como combater a "desinfodemia".
...no WhatsApp: estudo feito pelo Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo da Universidade de Oxford mostra que o WhatsApp é um dos aplicativos mais desinformativos sobre Covid-19 no Brasil . Por ser criptografado e fechado, o ecossistema se tornou o principal meio de compartilhamento de notícias falsas sobre a pandemia na internet.
...em Santa Catarina: policiais militares estão entre os grupos prioritários no plano de imunização do estado, mas causou perplexidade o fato de que 163 deles se recusaram a receber a vacina contra a Covid-19. Segundo a imprensa local, estes policiais certamente estão consumindo falsas informações em redes sociais ou em grupos de WhatsApp que apontam, equivocadamente, para a ineficácia da vacina ou para efeitos colaterais inexistentes, que vão de morte a doenças.
...na Venezuela: a desinformação tem atrapalhado o programa de vacinação de Nicolás Maduro. Artigo no UOL mostra que informações contraditórias e erradas sobre os locais de vacinação estão causando tumultos em locais que não oferecem vacinas e esvaziando postos de saúde autorizados a vacinar a população. Tumultos têm sido frequentes.
Vidas em risco: as ameaças dos grupos negacionistas
Quer saber mais sobre como identificar e compreender discursos paradoxais que defendem a vida, mas a colocam em risco? Quer compreender a relação entre desinformação, negacionismo e teorias da conspiração sobre vacinas?
Inscreva-se aqui para participar da próxima oficina do LupaEducação. O encontro acontece online, no dia 15 de junho, às 18h30min (de Brasília).
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana