🔎 Lente #10: Como restabelecer a confiança na medicina no pós-pandemia?
Boa sexta-feira, 11 de junho. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
A Covid-19 deixou claro que médicos precisam explicar melhor a seus pacientes que a ciência evolui, que tratamentos mudam e podem não funcionar
A Comissão Europeia avança na (auto)regulamentação do combate à desinformação, mas recebe críticas
Pesquisa da Lupa busca identificar o que o brasileiro pensa sobre desinformação
Psiu! Conhece alguém que poderia se juntar a nós, na luta contra a desinformação? Convide-o para assinar esta newsletter.
Restaurando a confiança na medicina
Um artigo publicado domingo passado na revista "Wired" tem circulado em grupos de médicos de todo mundo e sua discussão é importante neste exato momento. Com o sugestivo título "Mudando de opinião sobre por que os médicos mudam de opinião", a revista recomenda que, depois da Covid-19, médicos sejam abertos e transparentes com seus pacientes sobre as incertezas dos tratamentos. E que esta pode ser a maneira mais segura de (re)construir a confiança na medicina que vem sofrendo abalos desde o começo da pandemia.
Em seu clássico "A Estrutura das Revoluções Científicas", o físico americano Thomas Kuhn explica que a ciência funciona menos numa eterna busca da verdade e mais na tentativa de se distanciar de uma visão de mundo tosca e primitiva (Kuhn também é citado no artigo da "Wired", aliás). Ele dizia que a ciência atravessa fases, se consolida a cada paradigma alcançado e evolui à medida que este paradigma vai sendo substituído por um outro melhor. Ou seja: consensos científicos nascem e, depois, morrem com o surgimento de novos consensos científicos, mais modernos, mais precisos, nos quais o espaço para conclusões equivocadas seja sempre menor. É preciso perceber que a ciência, no geral, e a medicina, em particular, estão em permanente evolução. Mas não significa que não haja consensos e nem que tudo esteja sempre errado.
Diretrizes de práticas clínicas são geralmente elaboradas por comitês de especialistas de organizações específicas - a Sociedade Brasileira de Infectologia, por exemplo - e existem para quase todas as doenças com as quais um paciente pode ser diagnosticado. Embora as diretrizes não sejam regras, elas são amplamente mencionadas e podem ser citadas em casos de negligência médica. Quando o conhecimento médico muda, mudam-se essas diretrizes.
E foi explicando isso que, na semana passada, o depoimento da infectologista Luana Araújo na CPI da Covid-19 no Senado acabou se tornando uma sensação viral nas redes. Com linguagem simples e descomplicada, ela conseguiu convencer os senadores de que, no início da pandemia, a cloroquina era uma esperança. Mas que, um ano e dezenas de estudos científicos depois, passou a ser um equívoco. E foi enfática ao lembrar que a ciência trabalha com “verdades relativas de ponta”, não com verdades absolutas. Como disse a doutora em filosofia Catarina Rochamonte em sua coluna no jornal "Folha de S. Paulo", o depoimento da médica foi "uma lufada de bom senso" em meio ao fanatismo e a baixa política exercida hoje em Brasília.
As revisões médicas geralmente acontecem lentamente, após vários estudos mudarem as antigas recomendações e cada vez mais médicos adotarem as novas, mas a Covid, uma doença desconhecida até fins de 2019, acelerou esse processo, deixando muita gente confusa. E há os equívocos típicos deste nosso momento, quando recomendações e diretrizes são formuladas muito cedo baseadas em estudos de baixa qualidade (fenômeno que se deu com o uso da cloroquina, inclusive). Ou os comitês de diretrizes de práticas clínicas podem sucumbir à pressão de grupos médicos, de laboratórios farmacêuticos ou até se sentirem obrigados a chegar a um consenso que ainda não existe.
O artigo da "Wired" finaliza lançando um desafio aos médicos: sejam transparentes e expressem com clareza suas incertezas. Algumas pessoas se sentem confortáveis com a incerteza e o risco; outras lutam para lidar com a ambiguidade em suas vidas em geral. Com este último grupo, o artigo pede que os médicos resistam à tentação de criar uma falsa sensação de certeza, porque "é realmente quando as coisas dão errado que o paciente pode se sentir enganado pela medicina de um modo geral".
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Negócios e Estratégia
Europa ganha diretrizes para combate à desinformação
Em outubro de 2018, Facebook, Google, Twitter, o navegador Mozilla Firefox e uma penca de anunciantes assinaram o chamado Código de Prática sobre Desinformação, uma exigência da Comissão Europeia diante da então paralisia das plataformas em relação aos conteúdos que circulam em seus ecossistemas. Os signatários apresentaram seus roteiros de implementação das políticas sugeridas no Código. A Microsoft ingressou em maio de 2019, enquanto o TikTok se tornou signatário em junho de 2020.
O Código reúne práticas autorregulatórias a serem adotadas voluntariamente por todos para combater a desinformação. Em um comunicado em abril de 2018, a Comissão estabeleceu alguns objetivos para o Código, depois de ouvir depoimentos de executivos da indústria de tecnologia. O documento trazia uma série de compromissos que deveriam ser assumidos pelas bigtechs: desde a transparência na publicidade política ao encerramento de contas falsas e à desmonetização de fornecedores de desinformação.
Só que nada andou exatamente como a Comissão Europeia esperava. As plataformas ganham dinheiro mediando interações com algoritmos e traçando perfis de consumidores que servem tanto para vender sapato quanto discurso de ódio. Ou seja, é um modelo de negócio e ninguém quer regulamentação excessiva onde se ganha dinheiro.
O resultado é que, há duas semanas, a Comissão Europeia publicou um conjunto de diretrizes a serem implantadas pelas empresas. Não chega a ser mandatório, mas é um recado à indústria de que as coisas estão lentas demais. Com base em uma estrutura de monitoramento robusta e indicadores de desempenho claros, os signatários do Código devem reduzir os incentivos financeiros à desinformação, capacitar os usuários para ter um papel ativo na prevenção da sua propagação, cooperar melhor com os checadores de fatos em todos os Estados-Membros e línguas da União Europeia e fornecer uma estrutura para o acesso a dados para pesquisadores. As diretrizes podem ser baixadas na íntegra aqui.
A Comissão Europeia determinou que um rascunho da regulamentação do Código esteja pronto para debate até o próximo outono europeu, que começa sempre por volta do dia 20 de setembro e termina pelo dia 15 de dezembro. Em artigo no jornal americano Politico, Peter Cunliff-Jones critica as medidas. E cita três razões: primeiro, é fácil classificar pedofilia, discurso de ódio ou apologia ao terrorismo como conteúdo prejudicial. Mas o conceito de desinformação é bem mais amplo que isso e não é claro. Em segundo lugar, simplesmente obrigar as plataformas a retirar conteúdos de desinformação após sua publicação não reverte o estrago causado, como outras abordagens mais proativas, como educação midiática ou fact-checking. Por fim, a regulamentação não oferece respostas para os problemas mais amplos do chamado "distúrbio de informação", que é um termo técnico para o compartilhamento intencional ou inconsciente de falsidades. E recomenda: "Qualquer abordagem sobre a desinformação deve levar em consideração, em primeiro lugar, por que as pessoas compartilham conteúdos falsos.
Como você já percebeu, entender como funciona a desinformação e seus impactos não é nada fácil. Nós trabalhamos nisso, mas precisamos da sua ajuda. Reserve cinco minutinhos do seu dia para responder à nossa pesquisa, clicando no botão abaixo. A sua opinião é importantíssima para entendermos como combater com mais eficiência a "desinfodemia".
...na África: a plataforma de checagem Africa Check, que trabalha em vários países africanos, lançou o seu programa de "Embaixadores de Fatos". Em uma tentativa de envolver as comunidades locais na luta contra a desinformação, a plataforma recrutou e treinou 100 pessoas, não necessariamente jornalistas, para ajudar a replicar conteúdos de verificação de fatos e treinamento em alfabetização midiática em todo o continente. Foram 700 inscritos.
...na pós-pandemia: em entrevista ao "Buzzfeed", Ina Park, professora associada da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco, faz um alerta sobre como a pandemia pode afetar a cultura em torno da saúde sexual, tornando as pessoas mais responsáveis em suas relações sexuais ou sujeitas à desinformação que as levariam a serem mais imprudentes e expostas. Se o segundo caso der o tom do comportamento sexual das pessoas após meses de isolamento, Park prevê uma onda de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).
Vidas em risco: as ameaças dos grupos negacionistas
Quer saber mais sobre como identificar e compreender discursos paradoxais que defendem a vida, mas a colocam em risco? Quer compreender a relação entre desinformação, negacionismo e teorias da conspiração sobre vacinas?
Inscreva-se aqui para participar da próxima oficina do LupaEducação. O encontro acontece online, no dia 15 de junho, às 18h30min (de Brasília).
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana