🔎 Lente #11: O que faz alguém acreditar numa teoria da conspiração?
Boa sexta-feira, 18 de junho. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Games testam até onde uma pessoa é capaz de acreditar numa teoria da conspiração
Plataforma de rede social de bairros é a nova frente de desinformação sobre vacinas contra a Covid-19 nos EUA
No epicentro, ferramenta de visualização de dados da Lupa, é premiada duas vezes esta semana
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Você é um conspiracionista?
O portal de notícias FiveThirtyEight publicou na terça-feira, 15/6, um artigo com vários jogos que acabou viralizando nos EUA. Com o sugestivo título de "Por que as pessoas caem em teorias da conspiração", o texto e os jogos exploram como certos vieses cognitivos predispõem as pessoas a acreditar em qualquer coisa. Por exemplo, pessoas com tendência a tirar conclusões precipitadas fazem julgamentos precipitados com pouca informação. Estudo publicado no jornal "Frontiers of Psychiatry" descobriu que pessoas com esse viés são mais propensas a endossar teorias da conspiração. Outro game busca traçar a chamada percepção ilusória de padrão, que é a tendência de algumas pessoas encontrarem conexões e padrões em eventos não relacionados (ver o rosto de Jesus em torradas, nuvens e azulejos sujos, por exemplo).
Tinha uma tia que era uma espécie de colecionadora de teorias conspiratórias. Ela acreditava que alienígenas andavam disfarçados entre humanos para nos estudar, que Neil Armstrong e Buzz Aldrin eram dois atores que simularam um filme de ficção científica sobre o desembarque na lua e morreu acreditando que o atentado às torres gêmeas do World Trade Center em Nova York foi provocado pelo próprio governo americano para estimular a indústria que lucra com a guerra. Praticamente todo grande evento — e às vezes até pequenos — é acompanhado por especulações diversas que se espalham até entre populações de países diferentes e que buscam uma espécie de "explicação secreta" para os fenômenos.
Minha tia não era maluca. Era até bastante divertida, mas era uma conspiracionista clássica. A psicologia vem se dedicando a estudar o fenômeno do conspiracionismo já há alguns anos. Em seu clássico "The paranoid style in American politics", Richard Hofstadter diz que os americanos sempre tiveram mania de perseguição — seja por maçons, católicos ou comunistas. O livro foi escrito em 1965, mas continua atual. E localiza o instinto conspirador ao lado do sujeito paranóico sem transformar a relação em patologia. Afinal, pessoas absolutamente sãs e instruídas acreditam nas coisas mais estapafúrdias. E por que isso acontece?
Em entrevista ao mesmo FiveThirtyEight, Carrie Leonard, pós-doutoranda em psicologia na Universidade de Lethbridge, no Canadá, explica que teorias conspiratórias sempre existiram e não são fenômenos necessariamente ligados a eventos especiais. Leonard estuda categorias mais amplas que a psicologia qualifica como “crenças errôneas” — experiências paranormais, falácias de jogos de azar, chinelo virado no chão pode matar alguém, esse tipo de coisa. Diz ela que quanto mais se aprende sobre as teorias da conspiração, mais elas parecem ter algo em comum com esses outros tipos de crenças errôneas. E o que está por trás de tudo isso, aos olhos da psicologia? Sentir falta de controle sobre vários aspectos da vida, tendência ao pensamento paranóico, falha em entender e usar estatísticas e raciocínio probabilístico, todos esses fenômenos — separados ou mesmo juntos — explicam a maioria das crenças em mau olhado ou na iminente ameaça do comunismo globalista. Na verdade, diz Leonard, se alguém acredita no paranormal, é mais provável que acredite em teorias da conspiração e vice-versa.
A psicóloga adverte, no entanto, que as teorias da conspiração têm um aspecto sociopolítico. Leonard e outros pesquisadores pensam na crença na conspiração como uma interação entre tendências individuais e circunstâncias sociais. Grupos marginalizados pela sociedade ou carentes de poder e representatividade tendem a acreditar mais em teorias da conspiração. São conclusões parecidas com as de Viren Swami, professor de psicologia social na Anglia Ruskin University, no Reino Unido, e diretor do Center for Psychological Medicine da Perdana University, na Malásia. Em 2010, Swami e um coautor publicaram um estudo no jornal científico "The Psychologist", no qual afirmam que os conspiracionistas são mais propensos a ser cínicos sobre o mundo, em geral, e sobre política, em particular. As teorias da conspiração também parecem ser mais convincentes para aqueles com baixa autoestima, especialmente no que diz respeito à sua noção do quanto é (ou não) importante ou útil para um grupo social qualquer. As teorias da conspiração parecem ser uma forma de reagir à incerteza e à impotência.
E há os processos cerebrais. Recessões econômicas, pandemias, ataques terroristas e desastres naturais são ameaças sobre as quais se tem pouco controle. Nesses momentos de incertezas, uma parte do cérebro chamada amígdala começa a operar. Paul Whalen, cientista do Dartmouth College que estuda amígdalas, diz que esta parte do cérebro faz todo o órgão entrar numa espécie de frenesi analítico — solicitando reavaliações repetidas de informações em uma tentativa de criar uma narrativa coerente e compreensível, para entender o que acabou de acontecer, quais ameaças ainda existem e o que deve ser feito neste momento. É aí que nascem as conspirações.
Swami defende a tese de que o fenômeno do conspiracionismo só piorou na era das redes sociais. "Não apenas mais exposição a narrativas esdrúxulas ajuda a engendrar a crença em conspirações, como a tendência da Internet para o tribalismo ajuda a reforçar crenças equivocadas", diz ele.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Negócios e Estratégia
Um aplicativo para a vizinhança espalhar desinformação
Você já ouviu falar em Nextdoor? Nextdoor é um aplicativo e site americano que, segundo a empresa, é um lugar para as pessoas “receberem informações confiáveis, dar e obter ajuda e construir conexões do mundo real com as pessoas próximas — vizinhos, empresas locais e órgãos públicos”. Os participantes são instruídos a usar seus nomes verdadeiros ao se inscreverem na plataforma e são verificados pelo aplicativo para garantir que realmente morem na vizinhança. (Os usuários provam isso com cópias de sua conta de telefone celular, carteira de motorista, escritura ou contrato de aluguel e contas de serviços públicos). A rede social, que existe há 10 anos, cresceu muito na pandemia, mas, como outras plataformas de mídia social, acabou contaminada pela desinformação.
Em um artigo para o Nieman Lab, a jornalista Jane Elizabeth alerta: "A experiência no Nextdoor pode ser diferente para cada pessoa, dependendo da vizinhança, do dia e de quem apareceu para fazer uma postagem ou um comentário. Você verá muitos avisos sobre cães perdidos, recomendações de restaurantes mexicanos, debates sobre o barulho de carro, tiros, fogos de artifício e pedidos de identificação de insetos. Ou você pode ver teorias da conspiração".
No caso específico de Elizabeth, que se voluntariou no aplicativo a trabalhar em postos de vacinação contra a Covid-19, sua vida acabou se transformando num pesadelo de desinformação. Um simples Google Doc com informações de local de vacinação postado no aplicativo virou uma guerra de narrativas. Conta ela: "Depois vieram os ataques pessoais, os memes QAnon, os spammers persistentes. Os militantes antivacinas tornaram-se mais ousados e prolíficos, parabenizando-se e a si próprios por falarem ‘a verdade’”.
A plataforma de checagem First Draft já havia acusado o Nextdoor de ser leniente no combate à desinformação em seu ecossistema. Por ser hiperlocal e difícil de acessar para ser estudado, acaba fora do radar dos verificadores e de quem estuda desinformação. E tudo lembra os grupos fechados de Facebook e WhatsApp de bairros e cidades aqui no Brasil. Qualquer pessoa que faça parte de algum desses grupos já viu que as avaliações de serviços acabam descambando para a desinformação, que pode ou não ser controlada pelos mediadores. Se encontrar conteúdo falso no seu grupo, denuncie ao mediador e ao próprio Facebook. Se não houver providências, não permaneça em grupos que disseminam desinformação.
Como você já percebeu, entender como funciona a desinformação e seus impactos não é nada fácil. Nós trabalhamos nisso, mas precisamos da sua ajuda. Reserve cinco minutinhos do seu dia para responder à nossa pesquisa, clicando no botão abaixo. A sua opinião é importantíssima para entendermos como combater com mais eficiência a "desinfodemia".
...no novo livro de Michael Wolff: dia 27 de julho, a Henry Holt vai lançar "Landslide: The Final Days of the Trump Presidency". Wolff, que já havia escrito "Fogo e fúria: Por dentro da Casa Branca de Trump" e revelou o uso de desinformação por Trump e sua equipe como uma estratégia política, encerra a história dos quatro anos do ex-presidente no cargo com novas informações e percepções sobre o que realmente aconteceu no episódio da invasão do Capitólio, turbinado por uma onda de desinformação sobre fraudes nas eleições.
...na vacinação de pessoas com imunossupressão: está cada vez mais claro para a comunidade médica que em pessoas com problemas no sistema imunológico, duas doses das vacinas contra a Covid-19 podem não desencadear a resposta necessária para protegê-los contra a doença. Na verdade, alguns contraíram a Covid-19 apesar de terem recebido as duas doses. Como resultado, algumas pessoas procuraram uma terceira vacina extra, que esperam que funcione como uma injeção de reforço. A pesquisa sobre isso está apenas começando, mas as descobertas podem ter implicações para os imunocomprometidos muito depois do fim da pandemia.
No epicentro, ferramenta de visualização de dados da Lupa, é premiada duas vezes
A ferramenta de visualização de dados No epicentro ("At the epicenter") recebeu dois prêmios esta semana. Na quarta-feira (16), a ferramenta foi um dos 13 vencedores entre os 1.054 trabalhos inscritos da 2ª edição do Sigma Awards, a maior premiação internacional em Jornalismo de Dados. E ontem (17), No epicentro ganhou uma medalha de bronze na categoria "formato inovador " do Malofiej International Infographics Awards, que premia os melhores projetos de infografia jornalística do mundo. Com isso, No epicentro acumula seis prêmios internacionais desde o seu lançamento, em julho de 2020.
E se todos os mortos por Covid-19 fossem seus vizinhos? Com essa pergunta em mente, a Lupa, em parceria com o Google News Initiative, desenvolveu No epicentro, uma ferramenta de visualização de dados para colocar o leitor no centro da epidemia, simulando como ficaria sua vizinhança se todos os mortos pela doença se concentrassem ao seu redor. No site, foi também reproduzido pelo jornal americano The Washington Post, o usuário é convidado a inserir seu endereço e dar início a uma narrativa que reconta a evolução da Covid-19 no Brasil. Saiba mais detalhes das duas premiações aqui e aqui.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana