🔎 Lente #12: A saída de Salles do governo é a despedida de um especialista em desinformação
Boa sexta-feira, 25 de junho. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
As táticas do exonerado Ricardo Salles que o revelam como um dos maiores produtores de desinformação sobre meio-ambiente do país
Lupa anuncia mudanças em sua estrutura para focar nos negócios de jornalismo e educação
Comissão Europeia abre investigação contra Google por práticas comerciais desleais
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A despedida de um manipulador de narrativas
A exoneração do ministro do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles, ocorre em meio a sérias investigações sobre seu comportamento a favor de setores da indústria madeireira e do agronegócio, que representam as maiores ameaças à integridade florestal no Brasil. A ação da Polícia Federal em maio passado teve como objetivo apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, com os delitos envolvendo agentes públicos e a indústria madeireira. A despeito do fato de o governo de Jair Bolsonaro ter escolhido Joaquim Álvaro Pereira Leite, um ex-conselheiro ruralista que já era parte da equipe do MMA, para tocar o ministério, a exoneração de Salles é a saída de um dos maiores produtores de desinformação sobre meio ambiente do país.
Ainda em 2019, quando ex-ministros do Meio Ambiente publicaram uma carta criticando o desmonte da governança ambiental brasileira e pedindo ação, Salles respondeu com outra carta que é uma bula da desinformação. Em seu texto, ele chama de "alguns ex-ministros" oito dos nove ex-titulares do MMA vivos. Não são alguns. São quase todos. E essa é uma tática muito comum: minimizar o peso de quem fala algo de relevância dando uma ideia de que eles não têm importância. Ou o que falam não tem importância.
Em outro trecho, Salles reforça a ideia de que o Brasil se manteve no Acordo de Paris. Isso não é falso, mas na prática, tudo o que acontecia na gestão Salles — do congelamento de verbas do MMA para os programas ambientais até insinuações de que a participação do homem no aquecimento global são exageradas ou equivocadas — diminui a possibilidade de o acordo ser, de fato, cumprido. É uma tática de desinformação que costuma passar pelos radares: usar um pedaço de informação verdadeira para servir de amparo a uma argumentação que, na prática e no geral, é totalmente falsa.
Este ano, em abril, durante a Cúpula do Clima, a prática foi mais escandalosa: Salles se apropriou de metas de outros governos como próprias. Em artigo no site Fakebook.eco, o MMA foi verificado ao afirmar — em post no Twitter e nota no site do ministério — que o presidente Jair Bolsonaro anunciou “novas metas” para o Brasil: reduzir as emissões em 37% até 2025 e zerar o desmatamento ilegal até 2030. A equipe do Fakebook.eco revelou, contudo, que esse compromisso já existia desde 2015. Além disso, o governo alterou a base de cálculo, aumentando o valor-base sobre o qual a meta incide — o que, na prática, significa que a meta foi reduzida, e não aumentada. A estratégia de desinformação é muito usada: a descontextualização, como se o leitor não fosse se lembrar da origem da informação.
E há as estratégias mais sofisticadas. O Observatório do Clima colecionou algumas frases que vamos usar para revelar como a desinformação acontece:
“O principal fator do desmatamento ilegal é a falta de oportunidade, a pobreza da população.” Trata-se de uma montagem de narrativa sem qualquer lastro científico. Desmatar custa caro: de R$ 200 a R$ 2 mil por hectare derrubado. Produtores pobres, que só contam com a própria mão de obra, não conseguem abrir grandes áreas, aponta o pesquisador Raoni Rajão, da UFMG. Segundo ele, desmatamentos em blocos de até 6,25 hectares não superaram 7% da área desmatada total. O grande agronegócio e a indústria madeireira são os maiores desmatadores do país.
"Queremos que os recursos que eles dizem que doam para o Brasil sejam efetivamente doados para o Brasil e não sob controle externo dessa maneira (...) Se você faz com que os fundos não possam ser realocados, então não é uma doação, você estará oferecendo uma concessão com determinadas condições". O ministro está usando sofismas para distorcer o significado da palavra “doação”. Quando alguém doa dinheiro para uma instituição, sempre existe a expectativa de que a instituição faça algo em troca ou trabalhe com um objetivo. O Fundo Amazônia não é um cheque em branco; é uma doação condicionada ao objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa do desmatamento. Os doadores consideram que qualquer saída desse objetivo é uma violação do objetivo do Fundo, como o Ministro do Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, deixou claro.
E há a informação falsa e a dicotomia inexistente, como: “O maior problema ambiental do Brasil está nas cidades, 80% da população vive nas cidades, sem saneamento, sem tratamento do lixo adequado, com graves problemas de qualidade do ar.” Mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa do país são geradas pela atividade agropecuária, o que prejudica moradores do campo e da cidade. O mau uso da terra causa assoreamento de rios, o que deixa as cidades sem água. A perda de florestas prejudica a qualidade de vida nas áreas urbanas. Ao mesmo tempo, a poluição do ar e dos rios geradas nas cidades prejudicam os ambientes naturais. É um ciclo.
Em outros momentos, porém, a desinformação propagada pelo ex-ministro era mais direta. Em outubro de 2019, ele disse, em sua conta pessoal de Twitter, que um navio do Greenpeace estaria passando pelo Nordeste na mesma época em que um derramamento de petróleo atingiu a região — insinuando que eles seriam os responsáveis pelo desastre ambiental. A Lupa verificou a informação na época. O tal navio só passou pela costa brasileira um mês depois de as primeiras manchas de óleo atingirem o continente. Questionado, Salles voltou a mentir: disse que não insinuou que o Greenpeace teria culpa, mas que a ONG “não se prontificou a ajudar”. Contudo, enquanto Salles dava corda para teorias conspiratórias de Brasília, dezenas de voluntários da ONG ajudavam na limpeza das praias da região.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Marketing e Relacionamento
Os efeitos perniciosos e perigosos da desinformação já estão claros para todos nós. A Lupa quer saber o que você pensa sobre isso. Gaste cinco minutinhos do seu tempo e responda à nossa pesquisa. Ela é muito importante para seguirmos no combate à desinformação. Super obrigado!
Lupa muda estrutura e foca em produtos jornalísticos e educacionais no combate à desinformação
A Lupa comunicou nesta segunda-feira, dia 21/06, uma nova estrutura gerencial. Com foco na inovação real, na análise de tendências e na tecnologia, a agência investe em um modelo de gestão horizontal de entregas, centrado no usuário e na proposta de soluções de combate à desinformação com jornalismo e educação, em sintonia com o mercado. Também muda a estrutura organizacional da Lupa, com novas diretorias e um Conselho de Educação, além dos já existentes.
A jornalista Natália Leal assume a Diretoria-Executiva da empresa. Como CEO, Leal estará a cargo da gerência estratégica das quatro novas diretorias da Lupa — Produto, Operações, Marketing e Relacionamento e Negócios —, além da governança da empresa e das questões ligadas à sustentabilidade do negócio. A área de Produto integra o jornalismo e a educação como core business da empresa, partindo da tecnologia e da inovação real para oferecer as melhores e mais reconhecidas soluções e experiências de combate à desinformação aos seus clientes e parceiros.
Gilberto Scofield Jr. assume a nova Diretoria de Marketing e Relacionamento. Com mais de 30 anos de experiência no mercado jornalístico, ele estará à frente da estratégia e da execução da comunicação institucional e do marketing dos produtos, serviços e da marca Lupa, além da comunicação interna e do relacionamento com os parceiros. Douglas Silveira vai liderar a nova Diretoria de Operações, sendo responsável pela gestão operacional de produtos e projetos da Lupa, garantindo que todas as rotinas sejam gerenciadas e administradas da forma mais eficiente e rápida possível. Isto inclui a co-criação e a operacionalização de produtos e projetos e as gestões financeira, fiscal, contábil e pessoal da empresa, além das áreas de orçamentos e precificação.
Saiba mais sobre a nova estrutura focada em produtos jornalísticos e educacionais da Lupa e as novas funções de seus executivos aqui.
...na nova investigação sobre o Google: A Comissão Europeia abriu nesta terça-feira, dia 22 de junho, uma investigação aprofundada com “caráter prioritário” para verificar se a ‘gigante’ tecnológica Google violou as regras concorrenciais da União Europeia (UE) nos anúncios online, ao alegadamente favorecer os seus serviços face aos concorrentes.
...em Warren Buffett: nesta quarta-feira, dia 23 de julho, Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, anunciou que vai renunciar ao cargo de curador da Fundação Bill e Melinda Gates. O bilionário anunciou também que vai doar metade de sua fortuna, US$ 4,1 bilhões para a instituição. Ele não explicou porque decidiu renunciar, mas pontuou que está reduzindo sua carga de trabalho. A Fundação Bill e Melinda Gates é um dos maiores alvos de desinformação no mundo.
...no comediante Rowan Atkinson: parece que na África, o comediante britânico, mundialmente conhecido pelo personagem Mr. Bean, já foi declarado falecido várias vezes. A plataforma África Check registrou esses rumores nas mídias sociais e perdeu as contas. Ele foi declarado morto pela primeira vez em 2012. A AFP Check também correu atrás dos vários boatos e os agentes Atkinson confirmam — sempre com bom humor — que ele está vivíssimo.
Lupa e Redes Cordiais - Treinamento para agentes comunitários de saúde
Online e gratuito, o projeto consiste em uma série de videoaulas que vai esclarecer dúvidas e boatos sobre as vacinas, além de compartilhar sugestões sobre como combater a desinformação. Se você conhece algum agente de saúde, encaminhe o link para inscrição.
Oficina Lupa - Vidas em risco: as ameaças dos grupos negacionistas
Quer saber como os grupos negacionistas agem para disseminar desinformações que podem custar vidas e entender seus impactos? Participe do nosso encontro no dia 29 de junho, às 18h30 (horário de Brasília), com os professores Adriana Teixeira e Raphael Kapa. Inscreva-se aqui!
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana