🔎 Lente #13: Relatório do governo dos EUA sobre OVNIs não confirma nem repudia o fenômeno
Boa sexta-feira, 2 de julho. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Relatório de Inteligência dos EUA não tem explicação para OVNIs, mas não descarta alienígenas; governo admite que não sabe tudo o que ocorre nos céus
Leis punitivas sobre desinformação não conseguem conter o fenômeno na África Subsaariana
Acompanhe a guerra de editores do Wikipédia sobre a origem da pandemia da Covid-19
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A polêmica dos OVNIs. Afinal, eles existem?
No fim de semana passada, o serviço de inteligência ligado à Agência Nacional de Segurança dos EUA divulgou um muito esperado relatório (mas ainda preliminar) sobre o que os americanos rebatizaram de FANI (Fenômenos Aéreos Não Identificados), desde sempre conhecidos como Objetos Voadores não Identificados (OVNIs). Trata-se de uma das maiores teorias da conspiração existentes desde que o mundo é mundo: afinal, existem discos-voadores? E seres extraterrestres? E se os dois existem, eles nos visitam? E quando vêm, o que querem? As abduções são verdadeiras?
Todas essas especulações rendem incontáveis teorias, algumas até transformadas em bem sucedidas peças de ficção científica que incluem livros, filmes e séries nos canais de streaming. Governos de um modo geral evitam divulgar informações oficiais sobre OVNIs. Até agora. E não é por outra razão que a divulgação do relatório americano provocou — e ainda está provocando — tanto burburinho nas redes sociais e na mídia tradicional (lá fora mais do que aqui). Mas o que se tem de palpável e racional até agora, segundo os cientistas?
Só o novo nome dos fenômenos já diz tudo. Fenômenos Aéreos Não Identificados (FANI) não significam, necessariamente, objetos. O relatório analisou 144 incidentes, mais de 120 observados por militares da Marinha e apenas um foi identificado com precisão: um balão enorme se esvaziando no céu. O restante continua nas sombras da falta de evidências, o que mantém viva a horda de teóricos da conspiração sobre ETs e discos-voadores. Mas o relatório diz muito sobre nossa capacidade de observação de nossa própria atmosfera — a tecnologia do planeta não é capaz de captar tudo com precisão. Os especialistas americanos dão cinco explicações básicas sobre o que podem ser os FANI:
Desordem no sistema aéreo dos EUA: não, isso não significa aeronaves sem controle. O governo se refere a "objetos que incluem pássaros, balões, drones ou detritos no ar, como sacos plásticos, que confundem uma cena aérea e afetam a capacidade de um operador de identificar alvos verdadeiros, como aeronaves inimigas";
Fenômenos atmosféricos naturais: incluem cristais de gelo, umidade e flutuações térmicas que podem ser registradas em alguns sistemas infravermelhos e de radar;
Produtos considerados "secretos" pela indústria dos EUA e pelo próprio governo: ué, mas o governo não sabe do que se trata? Sabe, mas nem todo mundo é governo. Operadores civis de radar, por exemplo, não sabem e nem podem saber. Civis que vivem de olhar o espaço de telescópios, idem. Muitos objetos têm fim militar. Muitos, de espionagem. O relatório teve a esperteza de não classificar nenhuma das 144 observações como estes "produtos", o que só reforça a tese de que eles estão por aí nos céus sendo testados;
Sistemas de países considerados inimigos (ou não exatamente amigos): o relatório diz que que alguns dos FANI podem ser “tecnologias utilizadas por China, Rússia, outra nação ou entidade não-governamental”. Em entrevista ao jornal The New York Times, um funcionário do governo dos Estados Unidos, que não foi identificado, admitiu “sem hesitação” que autoridades do país estão preocupadas com a possibilidade de que China e Rússia “possam estar fazendo experiências com tecnologia hipersônica”.
Por fim, o relatório criou o inusitado item Outros, que é um saco de gatos nebuloso, ou seja, todos os registros que não se enquadram nas classificações acima. Pois é aí que mora o perigo (em vários sentidos): como os investigadores não encontraram explicações para todos os FANI que examinaram, a porta continua aberta para o desenvolvimento de teorias de conspiração. O próprio relatório inclui o caso, gravado em vídeo pelo Pentágono, de aviadores mostrando aeronaves enigmáticas na costa Leste e Oeste dos EUA. Elas exibem velocidade e capacidade de manobra que excedem em muito as tecnologias de aviação conhecidas - mesmo entre os "inimigos" - e sem qualquer meio visível de propulsão ou superfícies de controle de vôo.
O que se depreende do relatório — que possui anexos mantidos ainda como "confidenciais" — é que o serviço de inteligência americano ainda não possui capacidade suficiente para identificar tudo o que ocorre nos céus dos EUA. Há evidências sólidas de uma coisa: há objetos nos céus da Terra não classificados: alienígenas ou terrestres.
No campo da ciência, são muitos os que acreditam em vida em outros planetas. Até porque, só na Via Láctea, são entre 100 e 400 bilhões de estrelas orbitadas por um sem número de planetas. Mas são poucos os que acreditam em contatos imediatos de qualquer grau: as civilizações não são eternas e possuem graus diferentes de evolução ao longo do tempo, por exemplo. Se não há nada mais rápido que a velocidade da luz, pela Teoria da Relatividade seriam necessários mais de 2 mil anos para um encontro interplanetário nesta velocidade. E faltam evidências sólidas, mesmo com o relatório.
O astrofísico Ethan Siegel, em sua coluna na revista "Forbes", fala sobre toda essa polêmica: "A razão pela qual os cientistas não falam muito sobre OVNIs é simples: sem dados suficientes, não podemos tirar conclusões significativas. É muito fácil lançar uma ideia (ou um palpite) sobre o que cada um desses vídeos (divulgados pelo relatório) pode realmente estar mostrando. E muitos cientistas e não cientistas fizeram exatamente isso. No entanto, o que gostaríamos de fazer, como cientistas, é reunir dados suficientes para determinar o que esses objetos provavelmente são".
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr
Diretor de Marketing e Relacionamento
Você certamente já percebeu o efeito perigoso da desinformação. Pois a Lupa quer saber o que você pensa sobre isso. Por favor, nos ajude a entender o fenômeno e gaste cinco minutinhos do seu tempo com essa pesquisa. Super obrigado!
Estudo mostra que criminalização de 'fake news' na África é arbitrária e não reduz desinformação
No momento em que o Congresso brasileiro se mobiliza em novos esforços de audiências públicas e grupos de trabalho a respeito do que eles insistem em chamar de combate às fake news — melhor seria combate à desinformação —, vale a pena dar uma lida no artigo de Peter Cunliffe-Jones, Alan Finlay e Anya Schiffrin para o Niewman Lab sobre como leis punitivas estão falhando na tarefa de combater a desinformação na África. Com outros cinco autores, eles publicaram dois estudos pela University of Westminster Press no qual identificaram, entre 2016 e 2020, leis e regulamentações sobre "fake news" de 11 países da África Subsaariana: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Etiópia, Quênia, Malawi, Níger, Nigéria, Senegal, África do Sul e Uganda.
Os pesquisadores compararam os termos das leis aprovadas com o que se sabe sobre os tipos, motivações e efeitos da desinformação. Isso foi baseado no estudo de 1.200 alegações identificadas como falsas por uma ou mais das 14 organizações de verificação de fatos na África. Finalmente, avaliaram os efeitos da aplicação das leis. A maioria delas tem uma abordagem punitiva. Elas não buscam corrigir informações falsas ou facilitar o acesso aprimorado a informações precisas; em vez disso, seu objetivo é punir a publicação com multas e penas de prisão de até 10 anos.
A conclusão do estudo é simples: as leis restringem a liberdade de expressão, pois os Estados continuam arbitrários na aplicação da lei (muitas vezes classificando como falsas informações verdadeiras de opositores), a auto-censura aumenta e não há redução nem na desinformação produzida, nem no dano real — ou potencial — que a desinformação causa. Ou seja, a abordagem punitiva não funciona até agora.
As arbitrariedades são gritantes: um terço das leis estudadas — do Code du Numérique (2018), no Benin, ao Código de Conduta da Radiodifusão, na Nigéria (2016) — não se exige qualquer evidência de que a informação alegadamente falsa causou ou arriscou causar qualquer forma de dano. Seis outras leis punem crimes não reconhecidos no Artigo 19 sobre Liberdade de Expressão da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um exemplo é “aborrecimento de ministros". Por fim, a pesquisa descobriu que, como os tribunais devem determinar quais informações são falsas ou o que constitui dano, e esses conceitos em geral não estão definidos, as decisões são arbitrárias e sujeitas a abusos políticos.
A tentativa de "criminalizar fake news" é uma realidade no mundo inteiro. Mas o risco disso sobre a liberdade de expressão continua altíssimo. E não é só na África.
...no estudo “Stewardship of global collective behavior”: publicado na prestigiosa revista científica PNASe, 17 pesquisadores de campos diferentes, da ciência do clima à filosofia, defendem que os acadêmicos devem tratar o estudo do impacto em grande escala da tecnologia na sociedade como uma "disciplina de crise". Uma disciplina de crise é um campo no qual cientistas de diferentes áreas trabalham rapidamente para resolver um problema social urgente — como a biologia da conservação tenta proteger as espécies ameaçadas de extinção ou a pesquisa do clima visa impedir o aquecimento global. O artigo argumenta que nossa falta de compreensão sobre os efeitos comportamentais coletivos das novas tecnologias — em especial dos algoritmos das redes sociais — é um perigo para a democracia e o progresso científico.
...na Wikipédia: a CNet publicou uma reportagem sobre os bastidores da guerra entre editores nos EUA sobre a origem do novo coronavírus. A hipótese do vazamento do vírus no laboratório de Wuhan, na China, vem sendo debatida nas redes sociais, no rádio e na TV em vários países. Menos na página da Covid-19 da Wikipédia. As palavras 'vazamento de laboratório' não são mencionadas em lugar nenhum. Ou melhor, somente na página “Talk”, que no Brasil se chama "Discussão" e é uma discreta aba no alto à esquerda da página do lado da aba "Artigo". Trata-se de uma página de discussão, como um Google Doc colaborativo, na qual a legião de editores voluntários pode levantar dúvidas e lançar novas ideias sobre como os artigos podem ser melhorados.
Lupa e Redes Cordiais - Treinamento para agentes comunitários de saúde
Online e gratuito, o projeto consiste em uma série de videoaulas que vai esclarecer dúvidas e boatos sobre as vacinas, além de compartilhar sugestões sobre como combater a desinformação. Se você conhece algum agente de saúde, encaminhe o link para inscrição.
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