🔎 Lente #19: Desinformação ajudou a gerar crise climática
Boa sexta-feira, 13 de agosto. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Desinformação ajudou a gerar tragédia climática exposta em novo relatório do IPCC da ONU
Na Câmara, voto impresso morre na praia; desinformação sobre as urnas vai junto?
Oficina da Lupa vai discutir como certas práticas da imprensa também podem contribuir para a desinformação
Vem cá: você conhece alguém que insiste em compartilhar notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
Desinformação ajudou a gerar tragédia climática exposta em novo relatório do IPCC
O Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) e que monitora a crise ambiental no planeta, publicou seu sexto relatório de avaliação na segunda-feira (9). O conteúdo, embora nada surpreendente, é grave: não há como reverter a tendência de aquecimento global até, pelo menos, a metade deste século. Segundo o relatório, os efeitos dessa mudança já podem ser observados no presente, e parte deles, incluindo o aumento no nível dos oceanos e o derretimento de geleiras, já são permanentes. Outra conclusão é que a influência humana é “inequívoca” nesse processo. Você pode ler o relatório na íntegra, em inglês, aqui. O Fakebook.eco, em parceria com a Lupa, explicou como o entendimento da ciência sobre o assunto evoluiu desde o primeiro relatório, de 1990.
Essa crise tem tudo a ver com desinformação. Desde a década de 1980, muito antes de existirem as redes sociais, multinacionais do setor petrolífero patrocinaram estudos pseudocientíficos para desacreditar pesquisadores sérios que alertavam para esse problema — alguns deles inclusive trabalhando dentro das próprias empresas. Por mais conspiratório que isso soe, este é um fato fartamente documentado.
Mais recentemente, com o surgimento das redes sociais, grupos negacionistas se organizaram em canais no YouTube, grupos no Facebook, fóruns e outros cantos da internet para continuar insistindo em falácias sobre a ciência climática. E pseudocientistas toparam emprestar seu nome para dar um verniz de credibilidade às mentiras. Em um dos pontos mais baixos dessa campanha suja, em 2009, negacionistas hackearam servidores da Universidade de East Anglia, tiraram conversas de pesquisadores de contexto e acusaram cientistas sérios de manipulação de dados — posteriormente, os pesquisadores foram inocentados de todas as acusações.
Dessas campanhas, surgiram mitos que até hoje persistem no imaginário da população. Após recordes e mais recordes de temperatura quebrados nos últimos anos, poucos ainda sustentam que o fenômeno não existe. Mas há quem insista que a atividade humana não tem nada a ver com isso. Outros minimizam o fenômeno, dizendo que geleiras estão crescendo — o que não é verdade — ou que, no passado, o consenso científico era de que a atividade industrial causaria um resfriamento, e não um aquecimento global — o que nunca foi uma hipótese defendida pela maioria dos climatologistas.
Essa campanha de descrédito da ciência gerou frutos venenosos, que ajudaram a atrasar o processo de redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa. Poderíamos ter diminuído significativamente a gravidade da situação caso os esforços para minimizar nossa dependência de hidrocarbonetos, assim como para proteger nossas florestas, tivessem começado antes e com mais intensidade.
É importante, porém, frisar que, por mais pessimistas que sejam as perspectivas apresentadas no relatório, o texto também deixa claro que é necessário aprofundar os esforços para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Isso pode evitar cenários ainda mais graves e mudanças ainda mais extremas. É possível que muitos dos negacionistas, já sem qualquer argumento para contestar o fenômeno, assumam a posição que, já que algumas mudanças são irreversíveis, de nada adianta mudar nosso modo de vida. Não podemos cair nessa mentira.
Portanto, a luta contra a desinformação relativa ao clima continua, e você pode fazer parte desse esforço. Uma forma de ampliar essa mobilização é se juntar ao Contexto, nosso programa de membros, no qual você ganha acesso a grupos de discussão, eventos exclusivos e descontos em cursos, enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a Lupa a manter seu trabalho.
Um grande abraço,
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
Na Câmara, voto impresso morre na praia; desinformação sobre as urnas vai junto?
Após semanas de intensa campanha de desinformação sobre a segurança das urnas eletrônicas, a base bolsonarista na Câmara não conseguiu aprovar a PEC do Voto Impresso na terça-feira (10). Embora tenham alcançado a maioria dos votos, 229 a 218, defensores da mudança não atingiram os 308 votos necessários para aprovar alterações na Constituição. Será que, finalmente, o dilúvio de mentiras e teorias da conspiração sobre as urnas vai diminuir?
Pelos primeiros movimentos, tudo indica que não tão cedo. Já na manhã de quarta (11), o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer acusações sem nenhum fundamento, dessa vez acusando hackers de desviar 12 milhões de votos em 2018. Ele ressaltou que “não tinha provas”, mas, mesmo assim, seguiu insistindo na tese de que as urnas não são confiáveis, preparando terreno para as eleições de 2022.
Após anunciar, em março de 2020, que iria apresentar “provas” de uma suposta fraude eleitoral nas eleições de 2018, Bolsonaro voltou ao tema em julho deste ano. As tais “provas” que apresentou sobre “fraudes” nas eleições de 2014 e 2018 eram nada menos que teorias da conspiração antigas e requentadas. A Lupa explicou, no último dia 30, por que Bolsonaro não tem nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas.
Na quinta-feira (12), o Tribunal Superior Eleitoral anunciou quatro novas medidas de segurança para as eleições, incluindo a antecipação do processo de análise do código-fonte e a ampliação do número de urnas submetidas a testes de integridade. Embora positivas, essas medidas não devem alterar os termos do debate — até porque, em momento algum, ele se deu com base em fatos reais.
Essa não é a primeira vez que um debate artificial, criado a partir de informações falsas por Bolsonaro, ocupa o espaço que deveria ser dado aos problemas reais de um país onde cerca de mil pessoas morrem todos os dias de Covid-19. Em junho, por exemplo, o presidente inventou que um acórdão do TCU teria mostrado que o número de mortes causadas pela pandemia teria sido inflado artificialmente. O tal acórdão não dizia nada disso: na verdade, o texto apontava que uma regra criada pelo próprio governo, em lei sancionada pelo próprio Bolsonaro, poderia influenciar gestores estaduais a inflar o número de casos, e não mortes, pela doença. O governo foi informado disso em agosto de 2020; em dez meses, o presidente não fez absolutamente nada.
Portanto, mais do que uma mera arma política, a desinformação se tornou um modus operandi do presidente Bolsonaro. Se as teorias da conspiração sobre as urnas vão continuar daqui para frente, é impossível dizer. Mas é razoável supor que, mesmo que cessem, alguma nova teoria da conspiração — ou alguma velha desinformação reciclada — surja para embaralhar o debate.
Reflexo: terceiro episódio do podcast da Lupa traz checadores para discutir verificação de fatos e o reflexo da desinformação
Qual é a dinâmica da desinformação? Como ela busca nos influenciar? Como é o trabalho dos checadores de fatos na tarefa de neutralizá-la? Esses e outros temas são debatidos no terceiro episódio do Reflexo, podcast da Lupa, que teve a participação do jornalista de dados Plínio Lopes, da Revista Piauí, e da editora-assistente da plataforma de checagem "Estadão Verifica", Alessandra Monnerat. Alguns highlights para você:
"A gente teve várias (ondas de desinformação) durante a pandemia, né? Teve a dos caixões vazios, a gente teve contra o lockdown e contra o isolamento, falando que os policiais estavam agredindo as pessoas na rua quando saíam. A gente teve a onda sobre vacinas, agora recentemente de uma maneira mais forte. Então, são ondas de conteúdos falsos sobre o mesmo assunto, que se concentram mais ou menos ali nos mesmos meses e explodem em todas as redes sociais, como a gente viu nos números de checagens que a gente fazia". Plínio Lopes
"Tem um cuidado muito, muito especial, que a gente tenta tomar de não dar oxigênio para coisas que não estão viralizando, não estão gerando nenhum tipo de debate. Então, a gente vê um boato absurdo que pode ser muito danoso, tá totalmente falso, mas que só tem, sei lá, seis compartilhamentos no Facebook e ninguém mais falou disso. Então, a gente deixa pra lá, né? É melhor deixar morrer sozinho". Alessandra Monnerat
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
...nas vacinas: os Estados Unidos atingiram, no último domingo, a marca de metade da população completamente imunizada contra a Covid-19. Ao todo, 167,1 milhões de pessoas receberam as duas doses — ou a dose única, quando recomendado — no país. Apesar da boa notícia, o país segue com dificuldades para avançar na vacinação da outra metade, não por falta de vacinas, mas pela desconfiança da população em relação aos imunizantes. Isso tem grande influência de campanhas de desinformação promovidas ao longo do último ano. No Brasil, onde as vacinas são bem mais aceitas, ainda estamos com 47,4 milhões de pessoas completamente imunizadas, o que representa apenas 22% da população.
...no Facebook: na semana passada, a Lente contou que o Facebook baniu pesquisadores da Universidade de Nova York (NYU) da plataforma. Em 2020, os mesmos analistas encontraram diversos anúncios públicos que contrariavam as políticas oficiais da empresa circulando livremente. A companhia respondeu que eles teriam usado “meios não autorizados” para acessar informações, o que os especialistas negam. Nesta semana, três senadores do Partido Democrata dos Estados Unidos escreveram uma carta ao CEO da empresa, Mark Zuckerberg, exigindo explicações formais sobre a suspensão. O prazo para resposta é 20 de agosto.
Quando a imprensa também desinforma
Você já deve ter visto um apresentador de telejornal pedindo desculpa por um erro em uma reportagem ou lido alguma errata, bem discreta, informando um equívoco em uma matéria. Mas você sabe o impacto disso? Será que as consequências são tão perversas como as de mentiras propositais? Cristina Tardáguila, fundadora da Lupa, lança esse debate no novo curso do LupaEducação. Ela analisará casos recentes de quando o jornalismo acabou sendo usado para desinformar e trará estratégias para evitar esses erros. O encontro acontece no dia 31 de agosto, às 18h, e você pode se inscrever aqui.
Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana