🔎 Lente #20: Indústria da desinformação entra na mira do Legislativo e Judiciário
Boa sexta-feira, 20 de agosto. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Poderes Legislativo e Judiciário querem saber quem financia a desinformação no país
O governo da China obriga as plataformas digitais a controlarem seus algoritmos e o que chineses vêem online
Oficina da Lupa vai discutir como certas práticas da imprensa também podem contribuir para a desinformação
Vem cá: você conhece alguém que insiste em compartilhar notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
Poderes se mobilizam contra a indústria da desinformação e quem a financia
Você já ouviu falar em indústria da desinformação? Pois é. Ela existe e quem estuda o fenômeno costuma conceituar essa indústria como a difusão sistemática de mentiras por grupos ― e seus apoiadores ou bots ― que desejam suprimir a informação precisa ou impedir que outros grupos ajam contra eles. Ela se caracteriza por ataque coordenado e estratégico planejado para esconder a verdade, confundir o público e criar controvérsia onde nenhuma antes existia. E há muito dinheiro envolvido nisso.
Esta semana, os poderes da República parece que acordaram para o fenômeno. Na segunda-feira (16), o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, determinou que YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook suspendam o repasse de dinheiro de monetização a perfis e canais investigados por disseminar desinformação sobre as eleições no Brasil. No dia seguinte, terça (17), foi a vez de a Câmara dos Deputados debater o assunto numa audiência pública sobre conteúdo pago, publicidade e impulsionamento de desinformação na internet e como sites e perfis ganham dinheiro com isso. O Grupo de Trabalho (GT) Aperfeiçoamento da Legislação Brasileira – Internet, que conduziu os debates e é presidido pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), foi criado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para melhorar o chamado PL das fake news (PL 2630/20), um projeto que, em tese, busca aumentar a transparência e a responsabilidade no ecossistema da internet brasileira, mas que virou palco para uma guerra política entre grupos no poder em torno do fenômeno da desinformação.
A decisão do TSE tem um objetivo definido: investigar os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao processo eleitoral, em geral, e às urnas eletrônicas, em particular. Já as discussões na Câmara são mais amplas e giram em torno, neste momento, da difícil tarefa de responsabilização do conteúdo de desinformação e discurso de ódio que circula no ecossistema digital brasileiro e da investigação de quem financia essas engrenagens. Desde o ano passado, o Sleeping Giants Brasil vem atacando no bolso dos desinformadores. E fazem isso ao alertar empresas e instituições que usam publicidade programática (aquela publicidade automatizada e guiada por algoritmos) que estão financiando sites e perfis que desinformam ou se utilizam de discursos extremistas e de ódio para ganhar audiência. Em um ano, evitaram R$ 14 milhões em publicidade a sites que espalham desinformação.
O que a Câmara busca é achar a resposta de um milhão de reais: onde e como traçar o limite entre a liberdade de expressão e o desserviço de uma desinformação ou o perigo de um discurso odioso? E, uma vez traçado o limite, quem responsabilizar? Mas não é uma tarefa simples. Se eu digo, convicto, que o uso da máscara faz mal à saúde e influencio outros a não usarem máscara, expondo-os ao contágio de um vírus que se revela mortal em muitos casos, qual o meu nível de responsabilidade numa eventual morte por Covid-19? E se eu realmente acredito nisso porque ouvi a história de um amigo em quem eu confio? Eu e meu amigo devemos ser punidos? Ou educados? Qual o papel das plataformas de redes sociais nisso, especialmente se elas ganham dinheiro com conteúdo falso impulsionado? E o que ocorre quando é o governo e seus apoiadores que desinformam (o que vem acontecendo desde o início da pandemia no Brasil e agora, com o processo eleitoral)? O poder Executivo pode mentir por um projeto de poder?
São questões éticas e morais do nosso tempo. E muito importantes. Se você se sente incomodado com isso, eu fecho essa abertura com um convite: junte-se a nós no combate à desinformação fazendo parte do Contexto, o programa de membros da Lupa, no qual você ganha acesso a grupos de discussão, eventos exclusivos e descontos em cursos, enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a Lupa a manter seu trabalho. E devolver a verdade ao debate público no país.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
Começa na segunda-feira (23) e vai até o domingo (29) o maior encontro de jornalismo da América Latina: o 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, este ano patrocinado pela Lupa. Os temas centrais desta edição serão ataques à imprensa, modelos de negócios e sustentabilidade, assédio judicial, segurança digital, meio ambiente, riscos à democracia, racismo, pandemia e desinformação. A Abraji manteve os cinco eixos tradicionais do Congresso: trabalhos e jeitos de fazer; cenários e tendências; jornalismo sob ataque; aprendizado e teoria; e aprendizado e prática.
São convidados do evento o YouTuber Felipe Neto, que será entrevistado pela fundadora do Redes Cordiais, Clara Becker, e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, entrevistado por Flávia Oliveira. Os gigantes Breno Pires (Tratoraço), Guilherme Amado (Abin), Andrea Dip e Thiago Domenici (Samuel Klein) e Juliana Dal Piva (A Vida Secreta de Jair) vão contar como deram seus grandes furos. Os homenageados da edição serão a queridíssima Kátia Brasil e Elaíze Farias, cofundadoras do site Amazônia Real, uma das plataformas de jornalismo digital regional mais interessantes da internet brasileira.
O congresso será realizado virtualmente, durante os sete dias, com algumas atividades gravadas e outras ao vivo. Dois colaboradores da Lupa — o diretor de Operações, Douglas Silveira, e o coordenador de Educação, Raphael Kapa — e Edu Carvalho, editor-executivo do Maré de Notícias Online, vão ministrar a oficina de Storytelling: checagem de notícias e construção de narrativas. A oficina vai ser realizada na segunda-feira (23) às 16h30 e para participar basta se inscrever no Congresso. Um detalhe: as inscrições serão gratuitas pelo segundo ano consecutivo.
China quer controlar o que os algoritmos das plataformas digitais mostram às pessoas
Deu no South China Morning Post: os órgãos de propaganda do Partido Comunista da China (PCC) e do governo de Pequim — em última instância, as instituições que decidem o que as pessoas podem ler e assistir no país — determinaram melhores "resenhas e análises de conteúdos de cultura e arte" na China, e ligaram isso ao papel dos algoritmos na distribuição deste tipo de conteúdo. Cultura e arte são manifestações humanas carregadas de subjetividade e crítica, coisas das quais o governo de Pequim tem horror. Para muitos, trata-se de uma medida política que pode se traduzir em maiores custos de controle por parte de provedores de conteúdo online, como ByteDance e Tencent, muito grandes na China.
O Departamento de Propaganda do PCC, junto com vários outros órgãos governamentais, emitiu uma recomendação para que as empresas "fortaleçam o estudo e a orientação dos seus algoritmos e supervisionem suas recomendações". Eu morei cinco anos na China e aprendi que os comunicados do governo chinês são truncados, mas o recado é sempre o mesmo: alinhe-se com o que o governo quer que os chineses consumam em termos de informação. O objetivo de Pequim é garantir mais controle sobre como os algoritmos determinam as informações que as pessoas recebem no país. Pouco importa como eles pretendem fazer isso.
Veja bem: estamos falando de China, um país de superlativos. A ByteDance, dona do TikTok e sua versão chinesa Douyin, com sede em Pequim, conseguiu acumular só na China mais de 600 milhões de usuários ativos diários. Restrições regulatórias são comuns na indústria de tecnologia da China, mas a amplitude dos movimentos recentes não tem precedentes. Regulamentações recentes, por exemplo, limitaram as aulas online de reforço escolar. O presidente Xi Jinping sugeriu, em março, que o aumento nas aulas de reforço escolar estava colocando uma pressão imensa sobre as crianças chinesas, sinalizando um interesse em conter excessos. Isso levou a avisos na mídia estatal e a penalidades destinadas a um negócio que joga com a obsessão de uma nação com o desempenho acadêmico de seus filhos. As plataformas de educação retiraram boa parte das ofertas de aulas online. Duolingo, o aplicativo de idiomas, foi removido de várias lojas de aplicativos na China.
Esta semana, a Tencent perdeu cerca de US$ 60 bilhões de seu valor de mercado depois que o "Economic Information Daily", um jornal econômico supervisionado pela agência de notícias estatal Xinhua, publicou um artigo (que foi retirado do ar) descrevendo os videogames como "ópio espiritual", citando os jogos da Tencent e sua rival menor, a NetEase. A Tencent tem trabalhado para melhorar a relação com as autoridades chinesas introduzindo barreiras para jogadores jovens como, por exemplo, reforçar controles de idade em várias etapas do jogo. O Wall Street Journal publicou um artigo em que diz que o regulador antitruste chinês vai multar a Meituan, maior plataforma de entrega de alimentos da China, em US$ 1 bilhão por supostamente abusar de seu domínio de mercado. Nenhum gigante da tecnologia está isento, e todos estão sendo atacados de um ângulo diferente.
Reflexo: no quarto episódio, Natalia Pasternak discute o papel dos pesquisadores no combate à desinformação
A Covid-19 matou 570 mil brasileiros desde março de 2020. Parte dessa tragédia está diretamente ligada à desinformação, que influenciou comportamentos e afetou políticas públicas de saúde durante a pandemia. No quarto episódio do Reflexo, podcast da Lupa, a microbiologista Natalia Pasternak fala um pouco sobre esse fenômeno e como pesquisadores, médicos e divulgadores científicos podem ajudar a derrubar mitos, alertar para riscos e influenciar positivamente no enfrentamento de uma pandemia. Alguns highlights:
"A questão médica é uma questão para eles resolverem entre eles, eu não sou médica, eu sou microbiologista. Então, a questão deles como profissão, como classe, não cabe a mim discutir. O que cabe pra mim é justamente mostrar o consenso científico que a gente já tem a respeito do uso da hidroxicloroquina para Covid-19, que é um consenso internacional, com uma robustez de trabalhos apresentados absurda. Então, a gente tem realmente trabalhos de altíssima qualidade, que foram feitos com padrão ouro de metodologia científica de testes de medicamentos, dizendo claramente que esse medicamento não funciona para Covid-19. E daí, o meu papel, principalmente como cientista básica da micro e como comunicadora de ciência, é conseguir traduzir o que esses estudos dizem para o médico, porque o médico não tem obrigação de ser cientista, e nem todo médico é. Muito pelo contrário, medicina é uma profissão muito prática.”
"Não é justo você exigir dos cientistas um desempenho para o qual eles nunca foram preparados [o de comunicador]. Então...a culpa é da academia como um todo, justamente de não preparar os seus profissionais, de não valorizar a comunicação da ciência da mesma maneira como se valoriza a produção da ciência. No Brasil, a comunicação da ciência é uma atividade muito recente e ainda muito vista como secundária como hobby, alguma coisa que os cientistas fazem nas horas vagas. A comunicação da ciência não é vista como uma atividade essencial e institucional dentro da academia para garantir a continuidade da própria ciência.”
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
...na EY e nas deepfakes: alguns sócios da EY, a gigante da contabilidade anteriormente conhecida como Ernst & Young, agora estão testando uma nova ferramenta no local de trabalho, no mínimo, polêmica. Eles apimentam suas apresentações a clientes ou e-mails de rotina com videoclipes estrelando corpos virtuais dublês deles mesmos, feitos com software de Inteligência Artificial — uma versão corporativa da tecnologia comumente conhecida como deepfake. A exploração da tecnologia pela empresa, fornecida pela startup do Reino Unido Synthesia, ocorre no momento em que a pandemia anulou as formas mais tradicionais de alimentar as relações comerciais, como almoços ou happy hours.
...no site de fact-checking Snopes: uma reportagem do site BuzzFeed revelou que, entre 2015 e 2019, David Mikkelson, cofundador do Snopes, escreveu e publicou dezenas de artigos contendo material plagiado de veículos de notícias como The Guardian e LA Times. Depois de ser interrogado pelo BuzzFeed, o Snopes conduziu uma revisão interna e confirmou que, sob pseudônimo, com a assinatura do Snopes e de seu próprio nome, Mikkelson escreveu e publicou 54 artigos com material plagiado.
Quando a imprensa também desinforma
Mau jornalismo também é desinformação. Títulos para atrair cliques, falsos apartidarismos, opinião disfarçada de notícia, tudo contribui para o desentendimento dos fatos. Cristina Tardáguila, fundadora da Lupa, lança esse debate no novo curso do LupaEducação. Ela analisará casos recentes de quando o jornalismo acabou sendo usado para desinformar e trará estratégias para evitar esses erros. O encontro acontece no dia 31 de agosto, às 18h, e você pode se inscrever aqui.
Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana