🔎 Lente #21: O movimento anti-vacina é indústria da desinformação lucrativa e predatória
Boa sexta-feira, 27 de agosto. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
O movimento anti-vacina não é apenas um grupo de desinformados sobre ciência. É uma indústria lucrativa da manipulação
YouTube publica posição a respeito de remoção de conteúdo de desinformação e discurso de ódio. E é mais do mesmo
Oficina da Lupa vai discutir como certas práticas da imprensa também podem contribuir para a desinformação
Vem cá: você conhece alguém que insiste em compartilhar notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
O negócio (lucrativo e anti-ético) do movimento anti-vacina
O Center for Countering Digital Hate (CCDH) é uma ONG sem fins lucrativos, com escritórios na Inglaterra e nos EUA, que busca romper com as cadeias de ódio e desinformação online estudando e explicando como elas funcionam, como as plataformas de mídias sociais reagem a elas e quem as financia. Os pesquisadores partem do princípio que a tecnologia digital mudou para sempre a maneira como nos comunicamos, construímos relacionamentos, compartilhamos conhecimento, definimos padrões sociais e negociamos e afirmamos os valores da nossa sociedade.
Pois bem. O CCDH acaba de publicar um estudo que se chama "Quem lucra com a pandemia: o negócio do movimento anti-vacina", onde eles explicam que as pessoas que vivem apregoando os males da vacinação ganham muito dinheiro com isso. Na introdução do estudo, eles partem de uma premissa óbvia no mundo de hoje: os espaços digitais foram colonizados e sua dinâmica explorada por movimentos marginais que instrumentalizam o ódio e a desinformação. Esses movimentos são oportunistas, ágeis e confiantes em exercer influência e persuadir pessoas.
Com o tempo, esses atores, defendendo diversas causas — desde o antifeminismo até o nacionalismo étnico e a negação de consensos científicos — formaram um anti-iluminismo. Sua trollagem, desinformação e defesa habilidosa de suas causas ressocializaram o mundo offline para pior. Quem nunca compartilhou dessa sensação?
Diz o estudo, resumidamente: "Este grupo operou à vista de todos, minando pública e coletivamente a confiança das pessoas em médicos, governos e ciências médicas. Sua confiança em abertamente promover mentiras e falsas curas vem de anos de impunidade em que foram hospedados em plataformas populares de mídia social, direcionando tráfego e dinheiro de publicidade para Facebook, Instagram, Twitter e YouTube. É um acordo mutuamente lucrativo — apenas nos EUA calcula-se o público anti-vacina em torno de 62 milhões de pessoas, o que se reverte em até US$ 1,1 bilhão em receita anual para as Big Techs. A própria indústria anti-vacina fatura anualmente pelo menos US$ 35 milhões, incluindo a transferência de recursos públicos".
A CCDH conseguiu se infiltrar em uma conferência dessa indústria em outubro de 2020 e desvendou a estratégia: minimizar os perigos da Covid (uma doença que, apesar do isolamento e medidas preventivas já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo), subverter as recomendações dos especialistas em saúde (os que estão no melhor lugar para mitigar a crise) e balançar a confiança na vacina de todas as maneiras possíveis, principalmente ampliando quaisquer possíveis dúvidas e efeitos colaterais. São clássicas estratégias de desinformação.
No último sábado (22), hackers invadiram uma cerimônia online da Sinagoga Associação Religiosa Israelita (ARI) no Rio com mensagens de ódio nazistas e ataques antissemitas. O caso foi parar na polícia, mas o fato é que é comum achar ataques a judeus em plataformas de mídias sociais sem a devida e rápida reação dessas plataformas.
O CCDH também fez um estudo sobre ataques antissemitas online e chegou à uma conclusão triste: dos casos de conteúdo antissemitas reportados às plataformas de mídia social pelos usuários, 84% simplesmente continuaram lá, sem serem removidos. Diz a CCDH: "As empresas de tecnologia estão conscientemente dando passe livre ao ódio antissemita e à crescente ameaça à comunidade judaica. As empresas de mídia social devem melhorar. As plataformas devem apoiar, contratar e treinar moderadores para remover esse ódio e essas plataformas devem ser responsabilizadas se não conseguirem remover esse ódio online". Outros grupos minoritários, como negros e a comunidade LGBTQIA+, também sofrem de ataques similares.
Se você se sensibiliza com isso e acha que desinformação e discursos de ódio devem ser combatidos com rigor em benefício de uma sociedade mais saudável, fica o convite: venha se juntar à nós nessa briga contra a desinformação e faça parte do Contexto, o programa de membros da Lupa, no qual você ganha acesso a grupos de discussão, eventos exclusivos e descontos em cursos, enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a Lupa a manter seu trabalho.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
Reflexo: no quinto episódio, Claudio Couto discute o uso da desinformação como estratégia política
A desinformação é um fenômeno que está na raiz da polarização política vivida hoje no Brasil ou ela é mais um combustível que inflama e aumenta a polarização que a gente sempre viveu? No quinto episódio do Reflexo, podcast da Lupa, o professor e pesquisador em Ciência Política Claudio Couto, da FGV-SP, discute essa e outras questões relevantes sobre o uso da mentira como arma no campo político. Alguns highlights:
"O que esse debate em torno de ideias falsas ou de invenções produz é uma polarização extremada, uma polarização muito radicalizada, e não é à toa que aqueles que, inclusive, são extremistas da política recorram o tempo inteiro a essa produção de falsidade. Porque, afinal de contas, o que interessa é desacreditar o outro, criar teorias conspiratórias, é produzir uma discussão em que não há espaço legítimo para divergência, e aí, consequentemente, inventar as coisas é parte do jogo".
"Primeiro, há uma tentativa que faz esse governo não só de se legitimar, mas de desmentir, de tornar falsas, para aqueles que assim acreditam, todas as informações provenientes dos opositores, provenientes da imprensa crítica, provenientes da comunidade científica. Ou seja, todos esses são transformados em mentirosos dentro dessa narrativa. E se são mentirosos não são gente que merece respeito, não são instituições que merecem respeito. Tornam-se, portanto, inimigos da boa sociedade. Tornam-se, no limite, criminosos. Bem, se os meus adversários políticos são criminosos, mentirosos, gente que tá tentando iludir o povo, o que se reserva a eles? Em boa medida, a guerra. Ou se reserva a eles um tratamento policial. Porque, afinal de contas, criminosos têm que ser tratados dessa maneira, por meio da ação policial, do estado policial, né? Eu criminalizo o meu adversário político transformando esse adversário num inimigo da Nação, no inimigo da sociedade. Então, me parece aqueles que constroem regimes autoritários a partir de democracias: se elegem, operam durante um tempo dentro do marco institucional das democracias, mas vão erodindo por dentro. Ter a desinformação e a desqualificação dos adversários por meio da tentativa de infligir a eles a condição de falsificadores da realidade, essa é uma ferramenta importante para esse processo de erosão democrática".
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
YouTube fala sobre retirar conteúdo desinformativo da plataforma e só desaponta
O YouTube publicou anteontem (25) um texto — intitulado "Perspectiva: Combatendo a desinformação no YouTube" — em que pretende esclarecer o que vem fazendo para conter desinformação e discurso de ódio no seu ecossistema digital. Escrito por Neal Mohan, chefe de produto da plataforma, o texto informa que hoje, a plataforma remove quase 10 milhões de vídeos por trimestre, a maioria dos quais nem chega a 10 visualizações. Diz Mohan: "Remoções rápidas sempre serão importantes, mas sabemos que não são suficientes. Em vez disso, é como também tratamos todo o conteúdo que deixamos no YouTube que nos dá o melhor caminho a seguir".
Mohan afirma que conteúdos que o YouTube classifica como "ruins" — como, por exemplo, falsas curas para a Covid-19 — representam até 18% do total de visualizações. Ele acha pouco. Eu acho altíssimo. Mas o que me preocupa é certa argumentação a favor de uma espera até ter-se certeza de que um conteúdo é perigoso/falso/assassino/odioso antes de tirá-lo totalmente de circulação. Porque eu já esbarrei várias vezes em conteúdos anti-vacinas no YouTube de canais opinativos (mal) disfarçados de jornalísticos. Vejam o que pensa Mohan e o YouTube: "Como na sequência de um ataque qualquer, informações conflitantes podem vir de direções diferentes. Dicas compartilhadas até mesmo identificam o culpado ou as vítimas erradas, com um efeito devastador. Na ausência de certeza, as empresas de tecnologia devem decidir quando e onde estabelecer limites no território obscuro da desinformação? Minha forte convicção é não".
Na sequência, Mohan dá um exemplo de como o YouTube tratou a questão das eleições presidenciais americanas como uma espécie de exemplo sobre como eles vão continuar agindo: "Vimos isso acontecer nos dias que se seguiram às eleições presidenciais dos EUA em 2020. Sem uma certificação eleitoral oficial para apontar imediatamente, permitimos que vozes de todo o espectro permanecessem no ar. Mas nossos sistemas entregaram o conteúdo mais confiável para os telespectadores. Naquela primeira semana, os canais e vídeos mais assistidos para cobertura eleitoral vieram de veículos de notícias confiáveis. Depois que os estados certificaram seus resultados eleitorais no início de dezembro, começamos a remover o conteúdo com falsas alegações de que a fraude generalizada mudou o resultado de qualquer eleição presidencial dos EUA. Desde então, removemos milhares de vídeos por violarem nossas políticas relacionadas a eleições, com mais de 77% removidos antes de atingir 100 visualizações. Uma abordagem excessivamente agressiva em relação às remoções também teria um efeito negativo sobre a liberdade de expressão. As remoções são um instrumento contundente e, se usadas amplamente, podem enviar uma mensagem de que ideias controversas são inaceitáveis".
Mas é justamente aí que mora o perigo. Algumas ideias controversas são inaceitáveis, como o nazismo ou o racismo. E o pior: em 2018, um estudo do MIT mediu que, no Twitter, uma história falsa se espalha 70% mais rapidamente que uma verdadeira. O que significa, no mundo da velocidade da informação digital, que quanto mais tempo um conteúdo falso circula, mais pessoas são convencidas da mentira/manipulação ali embutida. Quanto tempo o YouTube precisa para perceber que um conteúdo antissemita é um conteúdo de ódio e precisa sair do ar? É preciso a palavra de um rabino?
Como vimos acima, 84% dos conteúdos antissemitas denunciados às plataformas permanecem ali. Sobre as eleições americanas, a tolerância das teorias conspiratórias sobre fraudes nas urnas até o início de dezembro acabou inspirando um bando de malucos autoritários a invadirem o Capitólio, edifício que sedia o Congresso dos EUA. E a retirada dos milhares de vídeos a partir de dezembro não trouxe a verdade das eleições como convencimento para quem acha que o processo foi fraudado e o ex-presidente Donald Trump é vítima de uma armação globalista marxista. O estrago da desinformação já estava feito.
Por fim, para quem acha que tudo envolve grana, Mohan entoa o discurso de que a desinformação não dá dinheiro. Mas se não há transparência nos números das plataformas, como saber o nível de comprometimento deste discurso? "Às vezes, me perguntam se deixamos conteúdo porque nos beneficiamos financeiramente. Não apenas descobrimos que esse tipo de conteúdo não tem um bom desempenho no YouTube, especialmente em comparação com conteúdo popular, como música e comédia, mas também diminui a confiança dos espectadores e anunciantes. Dedicamos muito tempo e dinheiro para resolver isso e, ao fazer isso, nossa empresa e, portanto, nossa economia criadora se beneficiou. Resumindo, a responsabilidade é boa para os negócios."
...no Facebook: deu no New York Times: o Facebook abordou acadêmicos e especialistas em política sobre a formação de uma comissão para assessorar a plataforma em questões eleitorais globais, um movimento que permitiria à rede social mudar algumas de suas decisões políticas para um conselho consultivo. A comissão poderia decidir sobre questões como a viabilidade de anúncios políticos e o que fazer a respeito da desinformação relacionada às eleições. O Facebook deve anunciar a comissão ainda este ano em preparação para as eleições de meio de mandato de 2022 nos EUA.
...na Federal Communications Commission (FCC): a Anatel dos EUA multou em US$ 5,1 milhões os teóricos da conspiração e ativistas conservadores John Burkman e Jacob Wohl. Eles operavam um programa de ligações automáticas por telefone com números de chamadas desconhecidos e fizeram mais de 1.100 ligações passando desinformação eleitoral. É a maior multa de todos os tempos sob a nova lei que proíbe ligações automáticas ilegais. A Procuradora-Geral de Michigan, Dana Nessel, quebrou o sigilo telefônico das ligações e apresentou no ano passado quatro acusações criminais contra a dupla, que acabou admitindo ter feito ligações em agosto de 2020 em Michigan, Illinois, Nova York, Ohio e Pensilvânia.
Quando a imprensa também desinforma
Mau jornalismo também é desinformação. Cristina Tardáguila, fundadora da Lupa, lança esse debate no novo curso do LupaEducação. Ela analisará casos recentes de quando o jornalismo acabou sendo usado para desinformar e trará estratégias para evitar esses erros. O encontro acontece no dia 31 de agosto, às 18h, e você pode se inscrever aqui.
Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana