🔎 Lente #22: Facebook quer mostrar menos conteúdo político e redefinir engajamento
Boa sexta-feira, 3 de setembro. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Facebook quer mostrar menos conteúdo político para os usuários. Com qual fim? Pelo visto, redefinir o que é engajamento
Estudo mostra porque o uso de máscara continua sendo importante após vacinação contra a Covid-19
Oficina da Lupa vai discutir como a construção de narrativas, o chamado 'storytelling', funciona em checagens de fatos
Vem cá: você conhece alguém que insiste em compartilhar notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
Facebook planeja mostrar aos usuários menos notícias políticas. E redefine o que é engajamento
Eu assino a newsletter da Columbia Journalism Review (CJR), que é publicada pela Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia. Vinda de um dos maiores centros de estudos de comunicação do planeta, essa publicação me traz informações valiosas sobre as plataformas de mídias sociais que nem sempre recebem a devida cobertura da imprensa brasileira. Se você quiser assinar a newsletter, clique aqui.
Nesta última newsletter, me chamou a atenção um assunto que o governo, a mídia e a sociedade americana vêm acompanhando com um rigor que não se vê por aqui. Em fevereiro, o Facebook anunciou um experimento para testar o quanto os leitores de notícias políticas na plataforma querem receber esse tipo de conteúdo em seus feeds. A plataforma reduziu a quantidade de publicações políticas para um pequeno grupo de usuários nos EUA, Canadá, Brasil e Indonésia e, em seguida, pesquisou esses usuários para saber suas reações.
De acordo com uma atualização publicada na terça-feira (31/8), a empresa afirmou ter "resultados positivos" e, como consequência, agora está expandindo o teste para Irlanda, Suécia, Espanha e Costa Rica. Além disso, o Facebook disse que está aprimorando a forma como mede o comportamento do usuário ao interagir com conteúdo político: "Aprendemos que alguns sinais de engajamento podem indicar melhor quais publicações as pessoas consideram mais valiosas do que outras", disse a empresa. Em vez de analisar apenas a possibilidade de alguém comentar, curtir ou compartilhar uma postagem política, o Facebook disse que agora vai colocar mais ênfase em outros sinais, como a probabilidade de uma pessoa fornecer feedback negativo sobre uma postagem política ou tópico que aparecem em seus feeds.
A história não sensibilizou a Universidade de Colúmbia. Segundo eles, o "experimento" do Facebook é apenas a última de uma série de alterações de algoritmo destinadas a diminuir a ênfase não apenas nas notícias políticas, mas nas fontes de notícias profissionais sobre política em geral. Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, disse que em 2018 a rede social mudaria para priorizar o conteúdo compartilhado por amigos e familiares do usuário, em vez de conteúdo de editoras e marcas profissionais. "Estou mudando a meta que dou às nossas equipes de produto de focar em ajudá-lo a encontrar conteúdo relevante para ter interações sociais mais significativas", disse ele.
Alguns esperavam que as mudanças levassem algumas empresas de mídia a parar de depender do Facebook para seu tráfego, mas não está claro se isso aconteceu de forma significativa. Enquanto isso, alguns pesquisadores de desinformação apontaram que a priorização do Facebook de conteúdo de amigos e familiares — incluindo o foco na promoção do uso de grupos privados — pode realmente ter piorado o problema da desinformação. Como já discutimos aqui, sua percepção de mundo e de verdade depende tanto de educação formal quanto de suas experiências pessoais e interações sociais ao longo da vida. Opinião de amigos e parentes, portanto, moldam a sua percepção de verdade.
O mais interessante do artigo da CJR — e que nem é uma conclusão da Colúmbia, mas da sempre antenada revista "Wired" — é este precioso parágrafo sobre a importância do engajamento na formação da opinião de uma pessoa sobre um determinado conteúdo online: "Como a revista ‘Wired’ observou, uma das coisas mais interessantes sobre o anúncio é que a empresa admitiu que simplesmente olhar para ‘engajamento’ — o que significa qualquer coisa, incluindo deixar um comentário ou clicar no botão Curtir — não é uma ótima maneira de medir se alguém acha uma postagem específica valiosa. No passado, o engajamento era o Santo Graal. (...) Mas seu relatório recente de conteúdo foca em alcance (quem viu uma postagem) em vez de engajamento, embora alguns especialistas tenham alertado que essa reorientação pode ser uma tentativa de minimizar o impacto da desinformação na plataforma".
E você, o que acha disso? Se você se sensibiliza com essas questões e acha que desinformação deve ser combatidos com rigor em benefício de uma sociedade mais saudável, incluindo nas plataformas de mídias sociais, fica o convite: venha se juntar à nós nessa briga contra a desinformação e faça parte do Contexto, o programa de membros da Lupa, no qual você ganha acesso a grupos de discussão, eventos exclusivos e descontos em cursos, enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a Lupa a manter seu trabalho.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
Reflexo: no sexto episódio do podcast, Claudio Angelo discute desinformação e mudança climática
Em 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou seu sexto relatório, no qual, pela primeira vez, concluiu que a influência humana é “inequívoca” no aquecimento da temperatura média no planeta. Por décadas, uma verdadeira indústria da desinformação tentou vender a ideia de que a quase totalidade dos cientistas climáticos estava errada e que a humanidade não influenciava essas mudanças. No sexto episódio do Reflexo, o podcast da Lupa, o jornalista Claudio Angelo, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, conversa sobre o efeito das informações falsas nas políticas públicas sobre meio ambiente e clima. Confira alguns highlights:
"A gente tá gravando isso aqui exatamente no dia seguinte ao que o deputado Kim Kataguiri, do Democratas, se saiu com essa de ‘os índios são os maiores latifundiários do Brasil’. A gente tem neste momento um ataque coordenado aos povos indígenas do Brasil pela turma que eu chamo dos ‘derrotados de 1988’: aquele pessoal que perdeu com a aprovação da constituição em 1988, perdeu a possibilidade de um acesso livre a reserva imensa de terra, minério, potenciais hídricos em terras indígenas, sobretudo na Amazônia. E tem por essa razão, alardeado por aí que, poxa, veja bem, os índios detém 14% do território nacional. E são, portanto, os maiores donos de terra no Brasil, isso é uma mentira, os maiores donos de terra do Brasil são os maiores donos de terra do Brasil, né? A gente tem 570 e poucos mil vivendo em terras indígenas. As pessoas não sabem, mas tem uma grande quantidade de indígenas que moram em cidades no Brasil. São mais de 300 mil. E esse povo que mora em terras indígenas detém aí mais ou menos 14% do território nacional. Quase todas essas terras indígenas estão na Amazônia, portanto, bom pedaço delas fora de fronteira agrícola e elas têm extensão. Mas já foram feitos vários levantamentos da malha fundiária no Brasil, que mostram que 97 mil propriedades rurais, de larga extensão, detêm 21% do território nacional, portanto, você fazendo a conta, cada grande fazendeiro tem quase dez vezes mais terra do que cada indígena. Então, essa é uma fake news".
"O caráter instantâneo da desinformação é proporcional ao tamanho da importância que a informação tem e a disseminação também. Eu acho que isso aí é inegável, né? De como as redes sociais e o modelo de negócios das redes sociais acabam servindo de caixa de ressonância perfeita para esse tipo de discurso (negacionista). Antigamente você botar uma informação na praça tinha um custo. Porque era a imprensa rodada na mão, então não era qualquer ideia que ia parar num jornal impresso, não era qualquer ideia que ia parar no édito real ou no decreto papal".
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
A importância da máscara mesmo depois da segunda dose da vacina contra Covid-19
O jornal The Washington Post publicou uma matéria sobre pessoas que continuam se infectando pelo novo coronavírus mesmo depois da segunda dose de qualquer vacina. E a coisa não é nada bonita. Algumas pessoas com os chamados casos leves de coronavírus relatam nunca terem se sentido mais nauseadas em suas vidas, acompanhadas de sintomas como dores de cabeça persistentes e fadiga. Como as vacinas não são perfeitas, algumas pessoas vacinadas podem ter casos leves. E que fique claro, apesar de toda a desinformação: embora as vacinas previnam com eficácia doenças graves e hospitalização, nem sempre impedem as infecções. Mesmo esses casos leves em pessoas imunizadas parecem “um atropelamento por um caminhão”, como disse uma pessoa vacinada ao repórter de saúde do jornal na matéria acima, Fenit Nirappil.
Máscaras, além de vacinas, funcionam. Muitas evidências a favor das máscaras foram acumuladas durante a pandemia, mas nada se compara a um novo ensaio randomizado que envolveu mais de 340.000 adultos em Bangladesh, alguns dos quais receberam máscaras e foram instruídos a usá-las. Os grupos que usaram máscaras neste estudo gigantesco tiveram menos casos sintomáticos. Pessoas que se opõem ao uso de máscaras continuam perguntando: ‘Onde está o ensaio clínico randomizado?' Bem, agora o Post mostrou onde está.
Na quarta-feira (1/9), o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou uma matéria afirmando que a variante delta do coronavírus cresceu 86% no Brasil em uma semana, o que faz do uso da máscara, ainda que pós-vacina, uma medida crucial para a saúde pública.
E uma curiosidade sobre o uso da ivermectina contra a Covid-19: as evidências científicas não apóiam o uso dessa droga, um medicamento antiparasitário, como terapia para infecções por coronavírus. Mas a falta de suporte científico não impede os pacientes de Covid-19 de perguntar aos médicos sobre a ivermectina nos EUA e no mundo. Embora algumas formas do remédio possam ser prescritas com segurança para parasitas em humanos, a droga pode ser prejudicial quando usada de forma abusiva. Em julho, as chamadas de controle de veneno envolvendo ivermectina foram cinco vezes mais altas do que o normal, de acordo com a American Association of Poison Control Centers. E tem médico que receita.
...no Rumble: deu no The Washington Post: um rival do YouTube com crescimento fulminante, popular entre influenciadores "conservadores" (sempre vale as aspas porque o conceito ficou beeem volátil), tem uma nova estratégia para expandir seu público online: pagar centenas de milhares de dólares a personalidades conhecidas da mídia, onde o desafio é “desafiar o status quo”. O novato Rumble, de Toronto, afirmou que fechou contratos com celebridades conservadoras que se comprometeram a postar seus vídeos primeiro no site. "Desafiar o status quo" é a nova moda da desinformação. Não se trata mais de ir contra normas arcaicas estabelecidas, mas ir contra consensos científicos, como a Terra é esférica. Isso virou "desafiar o status quo", como se a ignorância fosse uma rebeldia da qual se orgulhar.
...no encontro global dos checadores de fatos: a IFCN anunciou a conferência anual Global Fact 8, que acontecerá entre 20 e 23 de outubro de 2021. Você pode se inscrever para o evento aqui. Alguns dos destaques do programa virtual deste ano serão: Claire Wardle, cofundadora e diretora americana do First Draft, refletirá sobre o estado de nosso ecossistema de informações de uma perspectiva pandêmica; Andrew Pattison, gerente de soluções de negócios digitais da Organização Mundial da Saúde (OMS), participará de um painel com verificadores de fatos do Brasil, Espanha e Índia para discutir o impacto da colaboração entre autoridades de saúde e verificadores de fatos para resolver desinformação sobre a Covid-19 e a segurança das vacinas. Rasmus Nielsen, diretor do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, vai moderar uma discussão para explorar os próximos debates sobre políticas e regulamentações que afetarão significativamente os verificadores de fatos europeus na luta contra a desinformação por meio de políticas públicas. A IFCN vai moderar um debate com o Facebook para discutir o Programa de Verificação de Fatos em seu aniversário de cinco anos. E tem muito mais, incluindo uma mesa da Lupa sobre modelo de negócios de checadores de fatos (a gente vai falar mais sobre isso depois). Não percam por nada.
A checagem na construção de narrativas. Para que isso?
Quem não gosta de uma boa história? Das histórias que as avós contavam ao feed das redes sociais, estamos sempre acompanhando alguma — ficcional ou não. A capacidade de contar histórias faz parte da trajetória da humanidade nos diferenciando de outras espécies. Pensando nas possibilidades que nos cercam, a Lupa abre inscrições para sua nova oficina online que vai explorar a importância do desenvolvimento de narrativas no combate à desinformação, a partir da checagem de fatos. Após este curso, você sairá com novos recursos para expandir e valorizar o desenvolvimento de narrativas a partir do uso de dados.
O encontro acontece no dia 21 de setembro, às 18h30, e você pode se inscrever aqui. Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana