🔎 Lente #23: Governo se esconde atrás da liberdade de expressão para promover desinformação e ódio
Boa sexta-feira, 10 de setembro. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Governo se esconde atrás do conceito de liberdade de expressão para promover desinformação e ódio
Nas eleições americanas, sites no Facebook que espalharam desinformação tiveram seis vezes mais engajamento que sites de jornalismo
Oficina da Lupa discute como um bom 'storytelling' valoriza a checagem de fatos. Tudo, aliás
Vem cá: você conhece alguém que insiste em compartilhar notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
Governo se esconde atrás do conceito de liberdade de expressão para promover desinformação e ódio
Às vésperas das manifestações golpistas e autoritárias da terça (7) e antes da invasão truculenta dos bolsonaristas à Esplanada dos Ministérios na noite do mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória (MP 1.068/21) para limitar a remoção de conteúdo nas contas e perfis das redes sociais no país. Com o título de "Liberdade de expressão", o fio anunciado no perfil da Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto no Twitter alegava um suposto "indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros" para violar o Marco Civil da Internet e decretar a exigência de "justa causa e de motivação" para excluir conteúdos, além de cancelar ou suspender as contas ou perfis mantidos nas redes sociais. Ou seja, a MP não proíbe a remoção mas a torna mais lenta e burocrática. As redes Facebook, Google e Twitter soltaram comunicados oficiais onde criticam a MP, mas como a medida tem força de lei, não ousaram afirmar que vão descumpri-la.
Como a gente já discutiu aqui, os checadores de fatos — e muitos governos, parlamentos mundo afora, incluindo a ONU — vêm exercendo pressão sobre as plataformas para que sejam mais ativas e transparentes na remoção de conteúdos e perfis desinformativos ou que promovam discurso de ódio em nome do resgate da verdade no debate público e defesa dos valores democráticos e humanitários. Falamos aqui do incômodo causado entre os checadores pelo comunicado do YouTube sobre a (não) retirada de conteúdos de seu ecossistema e de como esse assunto está sendo discutido até hoje. Pois é exatamente ao contrário dessa onda que navega o governo Bolsonaro, que pretende, com a MP, garantir que sua claque de desinformadores e criaturas odiosas continue manipulando a narrativa e criando um mundo de conspiradores comunistas globalistas que pretende confiscar o Fusca 65 das pessoas e transformar todas as crianças em travestis assim que chegar ao poder.
Para ser muito franco, me incomoda menos a questão da desinformação e mais o mal que se causa, sob qualquer ponto de vista que se analise, a circulação sem limites de conteúdos que promovam o ódio. Porque estes matam afrontosamente. Qual o cabimento de uma plataforma não interferir rápida e diretamente se eu decido postar o seguinte: "pela minha religião, gays são uma perversão, então eu gostaria de convocar todos os religiosos e tementes a Deus deste país para que eliminem todos os gays que conheçam e que não conheçam". Sob que aspecto ético, moral (nem vou falar científico), ainda que escudado no "dogma religioso", este discurso de ódio — um clamor à morte — precisa de justificativa embasada sobre "causa e motivação" para que seja retirado do ar? E quem vai analisar se a causa e a motivação estão corretas? O pastor Silas Malafaia, o ex-senador Magno Malta ou a ministra da Família?
A CNN Business publicou reportagem muito interessante sobre como as regras até então intuídas do que fazem as plataformas — sim, porque elas não são 100% explícitas — em casos de conteúdos desinformativos ou de ódio podem ser ineficazes. Diz a reportagem: "Algumas plataformas têm políticas de (permitir até) três conteúdos com violações específicas, outras usam cinco posts (antes de remover o conteúdo do ar). O Twitter contabiliza estes conteúdos separadamente: por desinformação relacionada à Covid-19 e à integridade cívica, o que poderia dar a divulgadores de desinformação até nove chances antes de serem expulsos da plataforma. No YouTube e no Facebook, prazos de remoção para a publicação desses conteúdos — 90 dias e um ano, respectivamente — podem fornecer brechas para pessoas que procuram postar desinformação espalhadas ao longo do tempo, especialmente ao usar várias contas/perfis, dizem especialistas. E, em alguns casos, as publicações nem sempre resultam em suspensão do post ou perfil". Ou seja, tudo é pouco claro e transparente. E arbitrário.
Ontem (9), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, reagiu às bravatas do presidente no dia 7 com um discurso que é uma peça de combate à desinformação. Pegou acusação por acusação e foi desmontando a narrativa. E concluiu: "o populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, pode ser a imprensa, podem ser os tribunais”. Por sua vez, o líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, Renildo Calheiros (PCdoB-PE), e o vice-líder da Minoria José Guimarães (PT-CE) encaminharam ofícios ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, solicitando a devolução ao governo da MP.
Como diz uma amiga minha: Não se tem um minuto de paz nesse país.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
Reflexo: no sétimo episódio do podcast, Flavia Oliveira avalia como a diversidade é afetada pela desinformação
Narrativas distorcidas sobre povos originários, demonização da comunidade LGBTQIA+, desinformação misturada com racismo. Conteúdos desinformativos são usados diariamente para dar força a discursos de ódio nas redes sociais. No sétimo episódio do Reflexo, o podcast da Lupa, a jornalista Flávia Oliveira, comentarista da GloboNews, da Globo Rio, da Rádio CBN e colunista do jornal O Globo, fala sobre o impacto da desinformação na diversidade. Confira alguns highlights:
"Do ponto de vista de raça (no jornalismo), era praticamente invisível nos anos 90, sejam homens negros, sejam mulheres negras. E hoje, eu vejo um tanto mais de presença. A gente pode chamar de proporcionalidade. Falo proporcionalidade mas a presença de um jornalista negro, um profissional negro numa organização, numa corporação, numa determinada estrutura, exatamente, ele não é transformador. Ele só atenua a invisibilidade. Que é escrachada, explícita, escancarada. Mas não promove, efetivamente, uma transformação, porque um soldado sozinho não ganha uma guerra secular de invisibilidade de racismo. A gente ainda não usou essa palavra — de racismo estrutural que atravessa a sociedade brasileira desde a nossa fundação. Dito isso, hoje a gente vê, a partir do movimento de mercado consumidor, uma busca maior por diversidade e representatividade que, a meu ver, o movimento negro em muitas décadas de reivindicação, jamais conseguiu... (No jornalismo) houve um aumento ainda não proporcional. Hoje há mais nomes que a gente é capaz de se lembrar, principalmente no telejornalismo, mas a pauta não. A quantidade de fontes e a escolha de personagens, essas ainda carecem dessa diversidade".
"São disputas políticas que se transformam em grandes vômitos, preconceito que já existia e que é exacerbado. As janelas, portas, armários se abrem para destilar todo esse ódio. Com aval e estímulo da própria liderança política. E não é por acaso que a gente vê muitos desses ataques surgindo justamente do grupo que detém a hegemonia de poder, mas que do ponto de vista numérico, é minoritário. Então, assim, é uma dor mesmo de perda de espaço. Estou falando dos homens brancos. Cis, héteros. Que historicamente dominam os espaços de poder. Todos. Em particular da mídia, mas é a política, são as empresas, é o judiciário".
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
Desinformação no Facebook teve seis vezes mais cliques do que notícias verdadeiras durante eleição nos EUA em 2020
O jornal The Washington Post publicou uma matéria bem interessante sobre algo que já falamos aqui, mas que tinha a ver com o Twitter: a desinformação repercute mais rapidamente na internet que a informação confiável e verificada porque, no geral, o conteúdo desinformativo tem um apelo emocional e alarmista sobre as pessoas que costuma confirmar — ou ecoar — o que elas já pensam — ou desconfiam - sobre o mundo. Trata-se agora de um novo estudo, ainda não publicado, mas já revisado por pares de pesquisadores da Universidade de Nova York e da Université Grenoble Alpes, na França, voltado sobre sites de jornalísticos e sites de desinformação disfarçados de "jornalismo"- uma prática que muita gente já chama de pseudojornalismo (como em pseudociência) - durante a campanha eleitoral nos EUA e a invasão do Capitólio, ou seja, entre agosto de 2020 e janeiro de 2021.
O estudo, ao qual o Post teve acesso com exclusividade, foi conduzido por um grupo de pesquisadores de várias universidades americanas e descobriu que sites conhecidos por espalhar desinformação nos EUA — como "Occupy Democrats", "Dan Bongino" e "Breitbart" — tiveram seis vezes mais interações no Facebook do que sites e fontes de notícias legítimas no período. Apesar dos esforços alegados pela plataforma para combater a desinformação em seu ecossistema, estes sites "encontraram um lar confortável — e um público engajado — no Facebook”, disse Rebekah Tromble, da George Washington University, uma das integrantes do estudo.
Mas isso não é um fenômeno exclusivo da direita. O estudo descobriu que a desinformação era mais popular do que as notícias factuais tanto na extrema esquerda quanto na extrema direita, embora os sites mais conservadores “tenham uma propensão muito maior para compartilhar informações enganosas”, diz o relatório. E por que estamos falando disso aqui? Porque diante da conjuntura, você pode imaginar como será a guerra narrativa nas eleições brasileiras de 2022? E a necessidade que os portais de notícias verdadeiramente jornalísticos possuem de entregar de forma mais eficiente e com maior repercussão seus conteúdos?
...na contratação de diretores médicos e parcerias com pesquisadores nas empresas: artigo na "Axios" mostra que, à medida que novas variantes do novo coronavírus vão aparecendo e a desinformação continua a contaminar as decisões de saúde pública, algumas empresas começam a contratar diretores médicos. Na ausência de um mandato federal sobre vacinas em vários países, empresas estão tentando encontrar seu caminho por meio de uma combinação de dados do governo, parcerias com hospitais e universidades e consultores externos. A EY (antiga Ernst & Young) nomeou Susan Garfield para o cargo recém-criado de diretora de saúde pública em dezembro passado. A executiva trabalhou na área por 25 anos. O banco Wells Fargo está recrutando seu primeiro diretor médico-chefe. E a Amtrak tem trabalhado com a consultoria em saúde da George Washington University em sua resposta à pandemia desde agosto de 2020.
...no que dizem publicações médicas e de saúde sobre o clima e saúde pública: reportagem de terça-feira (7) no jornal "The New York Times" mostrou que mais de 200 dessas revistas — a primeira vez nessa escala — declararam em artigo conjunto na revista "The Lancet", reproduzido em suas próprias publicações, que as mudanças climáticas são, depois da pandemia da Covid-19, a "maior ameaça à saúde pública global". O mundo está a caminho de se aquecer cerca de 3 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais até 2100, com base nas políticas atuais, diz o jornal. “A ciência é inequívoca; um aumento global de 1,5°C acima da média pré-industrial e a perda contínua de biodiversidade podem causar danos catastróficos à saúde que serão impossíveis de reverter”, escreveram os autores. “Nenhum aumento de temperatura é ‘seguro’”. O espaço dos negacionistas do clima vai encolhendo.
A checagem na construção de narrativas. Isso importa?
Há muito se sabe no jornalismo online que o digital oferece vários formatos de distribuição e de narrativas. E a maneira de se apresentar uma história é tão importante quanto apurá-la impecavelmente. Pensando nas possibilidades que nos cercam, a Lupa abre inscrições para sua nova oficina online que vai explorar a importância do storytelling no combate à desinformação, a partir da checagem de fatos. Após este curso, você sairá com novos recursos para expandir e valorizar o desenvolvimento de narrativas a partir do uso de dados.O encontro acontece no dia 21 de setembro, às 18h30, e você pode se inscrever aqui. Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana