🔎 Lente #24: Mudanças no algoritmo do Facebook para torná-lo menos tóxico favoreceram conteúdos apelativos
Boa sexta-feira, 17 de setembro e perdão pelo atraso (tivemos mil problemas de conexão por aqui) . Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Mudanças no algoritmo do Facebook para torná-lo menos tóxico favoreceram conteúdos apelativos;
Em estudo internacional, pesquisadores concluem que a checagem é um meio eficiente de combate à desinformação;
Pacheco devolve MP de Bolsonaro que protegia produtores de desinformação nas redes.
Seguinte: você anda sendo perseguido por desinformadores que insistem em encher suas redes sociais ou seu WhatsApp de notícias falsas e teorias conspiratórias? Então mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter.
Mudanças no algoritmo do Facebook para torná-lo menos tóxico favoreceram conteúdos apelativos
Nesta semana, o jornal americano The Wall Street Journal está publicando uma série de reportagens investigativas feitas a partir de memorandos internos do Facebook. Uma delas, publicada na quarta-feira (15), conta uma história bastante curiosa: em 2018, a empresa decidiu mudar o algoritmo da plataforma para que usuários recebessem mais conteúdos de amigos e parentes, e menos de perfis profissionais. A expectativa era de que isso ajudaria a deixar a plataforma mais amigável, com menos desinformação e agressividade. O que aconteceu foi justamente o contrário: conteúdos apelativos passaram a se destacar ainda mais.
Essa mudança no algoritmo deu mais peso ao que o Facebook chama de “interações sociais significativas”. Posts com muitos comentários, por exemplo, passaram a ser mais visíveis para os usuários, especialmente se esses comentários vinham de amigos. Contudo, isso favoreceu a viralização de conteúdos desenhados especificamente para atrair a indignação de usuários. Quanto mais baixo, mais apelativo, melhor.
Um caso específico, citado por um executivo do BuzzFeed em e-mail para um funcionário do Facebook, é de um texto publicado pelo site americano, intitulado “21 coisas que quase todas as pessoas brancas são culpadas de dizer”. Apesar do título, o texto não fala sobre raça, ou racismo. Ele é, na verdade, um compilado de frases clichês pouco ofensivas que, supostamente, pessoas brancas norte-americanas dizem. Por causa do título, porém, vários leitores entupiram a caixa de comentários com críticas ao site, enquanto outros aproveitaram a “ocasião” para discussões bem pouco construtivas sobre raça. O resultado? Recordes de visualização.
Outro caso citado na reportagem é de partidos políticos europeus que perceberam essa mudança e passaram a publicar conteúdos com o objetivo específico de atrair o ódio de adversários — e, assim, ganhar visibilidade.
Não que isso seja exatamente uma novidade. Desde muito antes, causar polêmica barata em redes sociais foi um caminho bastante eficaz para alcançar visibilidade — e isso está longe de ser um problema exclusivo do Facebook. A indignação é um elemento potente de coesão social, é uma forma rápida de se criar laços imediatos com outros usuários. Muitas pessoas souberam, ao longo das últimas décadas, explorar essa fragilidade humana como uma ferramenta econômica e política — o mais notório destes, talvez, seja Steve Bannon, guru da extrema-direita norte-americana.
Essa reportagem do Wall Street Journal revela, porém, que mesmo mudanças promovidas pelo Facebook para tornar o ambiente virtual mais sadio ajudaram a piorar a doença. Uma leitura pessimista, mas não necessariamente incorreta, é de que mudanças no algoritmo podem determinar que tipo de mídia faz mais sucesso ou que tipo de perfil gera mais engajamento, mas não são suficientes para tornar o ambiente das plataformas mais saudável. Isso porque o problema, nesse caso, estaria na peça à frente da tela. É o usuário quem premia os conteúdos apelativos com seu engajamento.
Porém, isso não significa que seremos obrigados, para sempre, a conviver com redes sociais que privilegiam a desinformação, a agressividade, o bullying e a banalidade. Por um lado, essas tentativas do Facebook mostram que a empresa sabe que precisa reduzir a toxicidade de seus produtos — seja por razões moralmente elevadas, seja por reconhecer que uma timeline que desperta os piores sentimentos de seus usuários não é um modelo de negócios sustentável no longo prazo. Esse é um primeiro passo importante e que não é evidente em concorrentes com problemas similares.
Além disso, há outros caminhos, para além do algoritmo, para tornar o mundo virtual mais saudável. Um dos mais importantes é a educação midiática. Precisamos aprender a ficar mais atentos às tentativas de manipulação que existem nas redes sociais, e não cair nas armadilhas que os Steve Bannons do mundo colocam, não só no Facebook, mas em toda a internet. Entender como as redes sociais funcionam é fundamental nesse processo.
Um grande abraço,
Chico Marés
Coordenador de jornalismo
Reflexo: no oitavo e último episódio do podcast, Patrícia Campos Mello fala sobre a desinformação e assédio online
E quando o seu filho te interrompe num dia qualquer e diz que viu na internet que um monte de gente está te chamando de “vagabunda”? E o mesmo grupo garante que ela troca sexo por informações a serem publicadas no jornal? Este pesadelo de assédio online e destruição de reputação através de desinformação foi vivido pela jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S. Paulo. Isso porque ela teve a coragem de revelar um esquema de favorecimento ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro em que empresas compraram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp, ao arrepio da legislação eleitoral. Essas e outras histórias, Patrícia conta no último episódio do Reflexo. Leia alguns trechos da conversa:
"Em relação à análise... eu tinha uma época assim, uns meses aí em que eu estava super sem grana, eu tinha parado de fazer análise. Aí rolou o negócio em fevereiro de 2020, aquela testemunha da CPMI que falou aquela mentira (N.E.: sobre trocar informação por favores sexuais) que foi ali amplificada e piorada pelo presidente Jair Bolsonaro, por deputada... e naquele momento eu falei: eu vou ter que arrumar dinheiro em algum lugar e fazer uma análise. Porque o que você sente na hora em que acontece um treco desses é assim: eu vou ficar em posição fetal embaixo da cama e nunca mais vou sair, nunca mais! Eu não quero ver a luz do sol, né? Porque essas coisas são muito loucas e as pessoas acreditam. Eu tenho a história da vizinha do prédio que gritava da janela quando eu estava lá embaixo: chupa, comunista! Comunista? Então acho que saúde mental é um negócio que muitas vezes (a gente) subestima, né? A importância de cuidar disso é bem importante. Eu sei que é um luxo, você poder fazer um acompanhamento, né? Mas eu comecei a prestar atenção e voltei a fazer análise porque estava precisando."
"A animosidade governo/jornalista é frequente, mas este atual governo é um nível muito maior de agressividade, né? É muito mais pessoal, muito mais personalizado e com as mulheres é mais agressivo ainda. E com as mulheres negras mais ainda. Assim, de forma geral, acho que as minorias: LGBT, mulheres, indígenas, negros, são os maiores alvos desse tipo de assédio virtual. É sempre assim, uma coisa que leva para o lado pessoal. Por misoginia, homofobia e isso é muito, muito revoltante."
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo busca debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo tem a produção da @trovao_midia. O Reflexo está disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
Em estudo internacional, pesquisadores concluem que a checagem é um meio eficiente de combate à desinformação
Às vezes, quando faço checagens, me pergunto até que ponto estou ajudando a combater a desinformação. Imagino que essa mesma preocupação inquiete alguns colegas, embora esse assunto seja um tanto delicado para introduzir em uma conversa casual. Felizmente, um estudo publicado na Proceedings of the Academy of National Sciences (PNAS), uma das mais prestigiadas revistas científicas dos Estados Unidos, mostrou que a checagem é, sim, um meio eficiente de reduzir o efeito da mentira.
O estudo, publicado na segunda-feira (13), foi capitaneado pelos cientistas políticos Ethan Porter, da Universidade George Washington, e Thomas J. Wood, da Universidade de Ohio. Os pesquisadores avaliaram o efeito de 22 checagens publicadas em quatro países: Argentina, Reino Unido, Nigéria e África do Sul. Em todos eles, as checagens reduziram a crença dos entrevistados em informações falsas. Segundo os pesquisadores, os efeitos são duradouros, e a variação entre os países, com cenários bastante distintos entre si, foi muito pequena.
A pesquisa foi feita da seguinte maneira: os participantes receberam para ler, de forma aleatória, conteúdos falsos e checagens de desinformação produzidas por três veículos — Full Fact, do Reino Unido; Chequeado, da Argentina; e Africa Check, que atua em diferentes países do continente africano. Depois disso, eles responderam questionários sobre suas crenças a respeito dos tópicos abordados.
Em uma escala de 0 a 5, checagens reduziram a crença em informações equivocadas, em média, em 0,59 pontos. Já as informações falsas modificaram a percepção das pessoas em apenas 0,07. Os participantes foram questionados novamente duas semanas após a leitura dos materiais, e a crença em informações corretas se manteve neste período. Assim, os pesquisadores concluíram que o efeito da checagem é também mais persistente que o da desinformação.
É importante pontuar que esse estudo aborda apenas uma parte do problema. Os pesquisadores avaliaram o efeito da checagem a partir do momento em que ela é lida. No mundo real, isso nem sempre acontece. Na semana passada, o Gilberto falou aqui na Lente sobre outro estudo, que mostrou que conteúdos desinformativos costumam receber mais cliques do que notícias verdadeiras. Portanto, não é suficiente saber que a leitura de checagens ajuda a combater a desinformação. É preciso pensar também em formas de tornar checagens e notícias reais mais visíveis, clicáveis, legíveis e compartilháveis que as informações falsas.
Mesmo assim, esse trabalho é importantíssimo para confirmar que, pelo menos, uma parte do trabalho já está sendo feita. E ajuda, também, a acalmar certas inquietações de nós, checadores.
...no Wall Street Journal: A reportagem que citei na abertura da newsletter é apenas a terceira de uma série de revelações feitas pelo jornal nova-iorquino. Na segunda-feira (13), o WSJ mostrou que posts publicados por perfis com um grande número de seguidores recebem uma moderação diferenciada em relação aos usuários comuns. Um dos casos citados envolve o futebolista Neymar. Ele publicou fotos de Najila Trindade, que o acusa de estupro, nua — caso clássico de “revenge porn”. Usuários comuns seriam rapidamente punidos se fizessem o mesmo. Mas a publicação do jogador ficou no ar por mais de um dia e foi vista por milhões de usuários. Na terça, o jornal revelou que estudos feitos pela própria empresa mostram que uma porcentagem significativa de meninas adolescentes desenvolvem problemas de saúde mental causados pelo Instagram. Já ontem, a reportagem era sobre o uso de plataformas da empresa por organizações criminosas.
...em Bolsonaro: Na semana passada, o Gilberto falou sobre a Medida Provisória (MP) 1068/21, uma tentativa do presidente de reduzir a capacidade das empresas de mídias sociais moderar conteúdos desinformativos em suas plataformas. Nesta terça-feira, esta novela — ou, pelo menos, o primeiro capítulo — acabou. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), devolveu a MP, o que extingue a vigência da norma. Resta saber, porém, se Bolsonaro e seus aliados no Congresso vão insistir neste assunto.
A checagem na construção de narrativas. Isso importa?
Há muito se sabe no jornalismo online que o digital oferece vários formatos de distribuição e de narrativas. E a maneira de se apresentar uma história é tão importante quanto apurá-la impecavelmente. Pensando nas possibilidades que nos cercam, a Lupa abre inscrições para sua nova oficina online que vai explorar a importância do storytelling no combate à desinformação, a partir da checagem de fatos. Após este curso, você sairá com novos recursos para expandir e valorizar o desenvolvimento de narrativas a partir do uso de dados.O encontro acontece no dia 21 de setembro, às 18h30, e você pode se inscrever aqui. Lembrando que quem assina o Plano 2 do Contexto, o programa de membros da Lupa, tem 20% de desconto nas oficinas. Para fazer parte do Contexto, clique aqui.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana