🔎 Lente #25: Estudo mostra que, em bolhas, pessoas tendem a acreditar naquilo que querem que seja verdade
Boa sexta-feira, 24 de setembro. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Estudo avalia as interações nas bolhas e prova que pessoas acreditam mais naquilo que gostariam que fosse verdade, e não na verdade
Na ONU, Bolsonaro apresenta um Brasil que não existe
Facebook usa o feed de notícias para mostrar às pessoas histórias positivas sobre a própria rede social e melhorar sua imagem
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Estudo avalia interações entre desconhecidos nas câmaras de eco e bolhas
A newsletter do Nieman Lab da semana passada trouxe um interessante artigo a respeito de um estudo feito por economistas da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (UCSB) — e publicado no Journal of the European Economic Association — sobre o que acontece quando as pessoas se cercam por outras com pontos de vista semelhantes: as chamadas câmaras de eco ou bolhas. Focaram especialmente em situações quando as pessoas têm dificuldade em avaliar se as informações apresentadas nestas câmaras/bolhas por outras pessoas são precisas ou não. A premissa que conduziu a pesquisa foi a ideia de "crença motivada": quando uma pessoa acredita em algo porque quer que seja verdade e não necessariamente porque a crença é apoiada em fatos ou outras evidências.
No estudo, feito com 220 universitários, os pesquisadores usaram pontuações de QI, uma métrica que geralmente está sujeita à crença motivada de que as pessoas querem acreditar que são mais inteligentes do que talvez sejam. Os participantes fizeram um teste e depois responderam individualmente as chances de estarem no grupo de QI mais elevado ou mais baixo. Os universitários foram divididos em pares e informados que o parceiro fazia parte do mesmo grupo (sem especificar qual). O desafio era uma recompensa em dinheiro para a dupla que chegasse mais perto do QI correto do par, e o exercício era feito com um vendo a aposta do outro numa tela de computador. Nesta fase, as pessoas otimistas influenciaram as pessimistas, que apostaram que tinham um índice mais alto do que pensado anteriormente. Em outras palavras: se alguém apontou uma chance de 85% de estar no grupo de QI alto, e seu parceiro marcou apenas 55% de chance no primeiro teste isolado, no segundo, em dupla, esta última pessoa tendeu a apostar na direção de 85% também.
“O argumento básico que fazemos nas evidências dos dados é que, quando você está em uma câmara de eco, você realmente não sabe o quão precisas são as crenças da outra pessoa”, disse Ryan Oprea, coordenador da Cadeira de Economia Maxwell C. e Mary Pellish da UCSB. “Você não sabe se a pessoa que está argumentando no grupo é esperta e tem uma estratégia, se tem realmente conhecimento ou se está apenas lendo algo que viu no Twitter.” Sem dados externos ou contexto de qualquer tipo, as pessoas na câmara de eco são deixadas por conta própria para avaliar a credibilidade das outras. O trabalho descobriu que, quando as pessoas estão nestes grupos e têm que decidir o quão precisa é a crença de outras, a crença motivada acaba sendo o guia. “Se você gostaria de acreditar que é verdade (neste caso, ter um QI mais alto), mas não tem outros recursos para fazer uma avaliação, você resolve essa incerteza colocando mais peso nas crenças das pessoas que concordam com você e descarta quem pondera coisas diferentes. Resumindo: você tende a acreditar em quem está dizendo a você o que você gostaria que fosse verdade”, comentou Oprea.
Mas algo mudou quando uma terceira etapa foi adicionada ao estudo. Os participantes foram informados individualmente: 1) sobre em qual grupo de QI estavam, e b) que esta informação não era 100% correta mas tinha 70% de chance de estar correta. Foi lançado um dado e uma dúvida formal. Os participantes mais uma vez tiveram a chance, em dupla, de arriscar seus grupos de QI. Só que, desta vez, com base na informação e na dúvida plantada sobre ela, a pessoa mais pessimista do par não foi tão influenciada pelo parceiro otimista. “O que acontece quando damos informações às pessoas é que elas ouvem”, disse Oprea. E pensam a respeito. Com poucas exceções (os mais radicais), "as características da câmara de eco parecem diminuir". Em outras palavras: quando as pessoas ganham dados novos para tomar decisões num grupo, também perdem a tendência de querer responder às informações por meio do raciocínio motivado.
Em última análise, as crenças motivadas são um ponto de apoio quando as pessoas tentam dar sentido às informações sem contexto. Portanto, é possível reduzir esse fenômeno fornecendo informação confiável às pessoas. O que isso significa para a mídia? Encontrar o Santo Graal de uma fonte de notícias imparcial, que garante aos leitores que as informações apresentadas podem ser confiáveis, é um objetivo digno, mas improvável.
Talvez pensando de forma mais realista, o que a mídia provavelmente precisa é de uma reintrodução de sinais — como quando os participantes do estudo foram informados de qual grupo eles estão e da probabilidade de essa informação estar 70% correta. A erosão da confiança do público na mídia nas últimas décadas significa que as pessoas não têm mais esses sinais públicos, sinais em que podem confiar instintivamente como sendo verdadeiros e imparciais.
Mas o que poderia ser esse sinal público hoje? O estudo sugere uma saída ousada e que não existe hoje nem no Brasil, nem em vários países: analisar objetivamente a credibilidade de um meio de comunicação, portal ou perfil individual de um jornalista (ou pessoas que se vendem como jornalistas). Ou seja, medir de alguma forma quantas vezes seus conteúdos foram classificados como verdadeiros ou falsos e quantas vezes o que as pessoas dizem de fato aconteceu (editoriais que previam que o discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU seria conciliador e não foi, por exemplo). "Isso poderia ser um começo", disse Oprea. Um começo desafiador, eu complementaria. Afinal, qual seria a instituição encarregada disso? Por quê? E com que metodologia transparente?
Obs: O Global Disinformation Index (GDI) e o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) investigaram 35 sites de notícias brasileiros, entre abril e agosto de 2021, para produzirem o relatório "Avaliação de Riscos de Desinformação: O Mercado de Notícias Online no Brasil". Apesar de este estudo ser um primeiro passo na análise de credibilidade de 35 veículos de mídia no Brasil em termos de produção de informações confiáveis, o relatório não nomeia os veículos de acordo com o ranking desenvolvido. Um dado importante para se refletir, no entanto: dos 35 sites analisados, apenas seis figuram como de risco mínimo e baixo em termos da qualidade do conteúdo que publicam.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
A primeira temporada do 'Reflexo', o podcast da Lupa, terminou, mas você pode continuar ouvindo qualquer episódio no seu streaming de áudio preferido
A primeira temporada do Reflexo, o podcast da Lupa, chegou ao fim na semana passada, mas você não precisa ficar triste se perdeu algum ou não teve tempo de ouvir. Todos os oito episódios continuarão à disposição em sua plataforma de streaming de áudio preferida. Nesta primeira temporada, fizemos um compilado de discussões sobre as amplas consequências da desinformação no contexto específico e peculiar do Brasil, com pessoas que vivem a realidade do tema aqui. Foram episódios estilo “mesa redonda” com convidados para um diálogo aberto sobre as consequências (o reflexo) da desinformação na sociedade e o papel do fact-checking, da educação midiática e do desenvolvimento do pensamento crítico.
As conversas, sempre mediadas pela CEO da Lupa, Natália Leal, e pelo diretor de Marketing e Relacionamento, Gilberto Scofield Jr., tiveram os seguintes temas e convidados:
Episódio 1) Jornalismo e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 28/7. Convidada especial: Paula Cesarino, ex-editora de diversidade e ex-ombudsman do jornal Folha de S.Paulo sobre o impacto da desinformação no jornalismo;
Episódio 2) Repactuação democrática e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 4/8. Convidado especial: o cientista social Marcos Nobre, filósofo e professor de Filosofia Política da Unicamp;
Episódio 3) Verificação de fatos e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 11/8. Convidados especiais: o jornalista de dados Plínio Lopes, da revista Piauí, e a editora-assistente da plataforma de checagem Estadão Verifica, Alessandra Monnerat;
Episódio 4) Ciência e saúde e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 18/8. Convidada especial: a microbiologista Natalia Pasternak, diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência;
Episódio 5) Política e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 25/8. Convidado especial: o professor e pesquisador em Ciência Política Claudio Couto, da FGV-SP;
Episódio 6) Meio-ambiente e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 1º/9. Convidado especial: o jornalista Claudio Angelo, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima;
Episódio 7) Diversidades e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 8/9. Convidada especial: a jornalista Flávia Oliveira, comentarista da GloboNews, da Globo Rio, da Rádio CBN e colunista do jornal O Globo;
Episódio 8) Assédio Online e o reflexo da desinformação. Data de lançamento: 15/9. Convidada especial: a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S.Paulo.
Lançado em 28 de julho, o podcast Reflexo buscou debater de forma aprofundada os efeitos da desinformação na sociedade brasileira, sempre com convidados especiais. O conteúdo teve a produção da @trovao_midia. O Reflexo continua disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
Na ONU, Bolsonaro apresenta um Brasil ficcional
Quase ninguém ficou surpreso com o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na abertura da Assembleia Geral da ONU, mas isso não torna a fala menos chocante. Dizendo mostrar “a verdade” sobre o país que governa, o presidente pintou um cenário fantasioso, um Brasil no qual não existem problemas ambientais, a Covid-19 foi superada com competência e mínimos danos e a economia está voando. Para quem trabalha e estuda desinformação, essa fala foi também uma oportunidade para dissecar os métodos usados por Bolsonaro para construir sua loucura.
Em alguns momentos do discurso, Bolsonaro usou dados corretos, ou próximos dos corretos, para criar narrativas completamente falsas. Quando falava sobre desmatamento, por exemplo, disse que o sistema Deter, do Inpe, registrou uma redução no desmatamento em agosto deste ano. A informação, em si, é verdadeira, mas trata-se de um caso clássico de “cherry-picking” — retirar um dado preciso de seu contexto para sustentar uma narrativa falsa. Na comparação específica entre os meses de agosto de 2021 e 2020, houve uma redução no desmatamento, segundo o Deter — embora o Imazon mostre números diferentes. Isso esconde, porém, que, nos últimos dois anos, a destruição da floresta voltou a atingir níveis de 12 anos atrás. E que, mesmo com essa redução pontual, o desmatamento em agosto deste ano ainda foi 75% maior do que em agosto de 2018, quando Bolsonaro ainda não era presidente.
Na mesma toada, o presidente destacou que quase 90% da população adulta no Brasil recebeu sua primeira dose da vacina contra a Covid-19 — uma porcentagem relativamente alta, considerando o resto do mundo. Ainda que seja verdade, isso ignora o fato de que o governo demorou meses para disponibilizar as vacinas para a maioria da população, e que, enquanto esperávamos as doses no primeiro semestre, a pandemia matou mais do que em todo o ano de 2020. Isso sem contar o esforço pessoal do presidente em desacreditar a vacinação e fomentar o negacionismo entre seu público cativo.
Mas Bolsonaro usou e abusou, também, de informações flagrantemente falsas em seu discurso. Disse, por exemplo, que as manifestações de 7 de setembro foram “as maiores da história do Brasil”, que não há casos concretos de corrupção em seu governo e, pasmem, que o Brasil tem um dos melhores desempenhos econômicos atuais entre os países emergentes. Para não falar na vergonhosa insistência no chamado “tratamento precoce” da Covid-19.
Nada disso me choca mais, porém, que a repetição de algumas afirmações que, de tão completamente absurdas, são difíceis até mesmo de checar. Em dado momento, por exemplo, Bolsonaro diz que o Brasil estava “à beira do socialismo” quando assumiu o poder — uma afirmação que deixa de cabelo em pé qualquer pessoa que tenha uma vaga ideia do que a palavra “socialismo” significa. Disse, também, que a culpa da inflação é das medidas de isolamento para prevenção da Covid-19. Essas teses estapafúrdias e inimigos inventados tornaram-se, pela insistência, verdades fundamentais do cânone bolsonarista, que cada vez mais parecem completamente desconectados da realidade.
Chico Marés
Coordenador de Jornalismo
...no Facebook: Mark Zuckerberg, presidente-executivo da rede, assinou no mês passado uma nova iniciativa de codinome Projeto Amplify, relata o jornal The New York Times. O projeto, que nasceu em uma reunião interna em janeiro, tinha um propósito específico: usar o feed de notícias do Facebook, o patrimônio digital mais importante do site, para mostrar às pessoas histórias positivas sobre a rede social. A ideia era que, divulgando notícias pró-Facebook — algumas delas escritas pela própria empresa —, sua imagem ficaria melhor aos olhos dos usuários, disseram três pessoas com conhecimento do projeto. A empresa iniciou um esforço para melhorar a sua imagem distanciando Zuckerberg de escândalos, reduzindo o acesso de terceiros a dados internos, enterrando um relatório potencialmente negativo sobre seu conteúdo e aumentando sua própria publicidade para mostrar sua marca.
...no estado americano do Alabama: o lugar tem uma das mais baixas taxas de vacinação contra a Covid-19 nos EUA porque é lá também onde há uma das maiores quantidades de negacionistas e teóricos conspiratórios das vacinas. O resultado dessa conjunção nefasta é que o Alabama registrou mais mortes em 2020 do que nascimentos – a primeira vez na história do estado. O secretário de Saúde, Scott Harris, diz que isso pode acontecer novamente em 2021 — ou seja, a população do estado está literalmente encolhendo, relata o Alabama News Network. Ano passado, foram 65 mil mortes para 58 mil nascimentos.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana