🔎 Lente #27: Facebook é acusado de usar ódio e desinformação para atrair usuários
Boa sexta-feira, 08 de outubro. Nesta edição da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa, você vai ler que:
Semana ruim para Mark Zuckerberg: Facebook, Instagram e WhatsApp saem do ar e empresa é acusada de usar ódio e desinformação em seu ecossistema deliberadamente para fazer com que os usuários voltem
Sites e aplicativos usam design e UX para induzir usuário a clicar onde eles querem e a permanecer indefinidamente em seus ambientes
Coreia do Sul volta atrás em projeto que queria legislar sobre desinformação e notícias falsas depois de protestos
Sabe aquela pessoa do grupo de WhatsApp que insiste em mandar notícia falsa pelo aplicativo? Então, mande o link para essa pessoa assinar esta newsletter!
Facebook viveu um inferno astral completo esta semana
Quem aqui não ficou tenso com a pane do Facebook, Instagram e WhatsApp na segunda-feira (4)? Esse já está sendo considerado por alguns especialistas como o maior crash das redes sociais de todos os tempos. Todo mundo correu para o Twitter, onde o chefe de tecnologia do Facebook, Mike Schroepfer, fez um pedido de desculpas pelo problema de infraestrutura tecnológica (vi muito conspirador dizendo que era um ataque de hackers). Mas as seis horas fora do ar custaram a Mark Zuckerberg, dono do Facebook, Instagram e WhatsApp, cerca de US$ 100 milhões de prejuízo com a impossibilidade de venda de mídia programática e a entrada de outras receitas. Na bolsa de valores, a empresa perdeu estimados US$ 40 bilhões de seu valor em ações e fez Mark ficar US$ 6 bilhões mais pobre.
A queda das redes do Facebook me fez lembrar de um artigo do Nieman Lab de 2018 que buscava responder à seguinte pergunta: o que acontece quando o Facebook sai do ar? E a resposta é a seguinte: sem um Feed de rede social para percorrer, mais pessoas vão diretamente para sites de notícias e ferramentas de buscas para conseguir seu conteúdo noticioso. Ou seja: quem costuma se informar em rede social passa a buscar um site de notícias para isso e, dependendo da fonte de notícia, esta mudança pode reduzir o compartilhamento de desinformação.
Mas o inferno astral de Zuckerberg não para aí e engana-se quem pensa que a queda nas ações da empresa na segunda ocorreram por conta somente da pane. Na segunda, Frances Haugen deu um depoimento revelador no Senado americano, que investiga as práticas comerciais e manipulação de dados de terceiros executadas pela companhia. Ex-gerente de produto do departamento de Integridade Cívica do Facebook, ela deixou a empresa em maio e vazou documentos internos para o jornal norte-americano The Wall Street Journal, que publicou uma série de reportagens sobre o assunto — e que foi tema de um dos textos da edição número 24 desta newsletter. A cobertura do jornal no mês passado desencadeou uma das piores crises de relações públicas do Facebook desde o escândalo de privacidade de dados em 2018 com a consultoria Cambridge Analytica.
Em três horas de depoimento, Haugen detalhou como a empresa é deliberada em seus esforços para manter as pessoas — incluindo crianças — presas a seus serviços. Ela disse, também, que o Facebook propositadamente esconde pesquisas perturbadoras sobre como os adolescentes se sentem pior sobre si mesmos depois de usar suas redes, e acusou a empresa de estar disposta a usar conteúdos odiosos e desinformativos em seu ecossistema deliberadamente. “Estou aqui hoje porque acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, polarizam as pessoas e enfraquecem nossa democracia”, disse Haugen. “A liderança da empresa sabe como tornar o Facebook e o Instagram mais seguros, mas não fará as mudanças necessárias.”
Haugen sugeriu aos senadores republicanos e democratas discutir os seguintes pontos:
Modificar a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações nos EUA, que protege os sites da responsabilidade pelo conteúdo postado por seus usuários, "isentando decisões sobre algoritmos". Haugen observou que os algoritmos levam em consideração o conteúdo dos comentários para traçar os perfis e exibir outros conteúdos a perfis específicos. Isso significa que um conteúdo na plataforma é parte importante na construção das personas feitas por eles e, em última instância, uma parte integrante na sua construção. Se o algoritmo desenha um perfil com base em discurso de ódio, ele vai ajudar a propagar mais discurso de ódio entre as pessoas associadas a este perfil. O mesmo ocorre com gente que desinforma. Resumindo: as plataformas alegam não ter responsabilidade pelos conteúdos, mas usam o conteúdo para mapear pessoas e dirigir a elas mais conteúdos. Então não devem ser isentas;
Haugen pediu a criação de um novo órgão federal de supervisão para regular as empresas de tecnologia, uma espécie da Agência Reguladora de plataformas de mídias sociais — algo que já é realidade na China e na Rússia, diga-se de passagem. Nesses dois países se fala em legislar em nome da população, mas o que se vê nesses países são os governos de Pequim e Moscou buscando manipular a narrativa sobre o que fazem. E censura clássica, também;
Os senadores discutiram a necessidade da criação de uma legislação de privacidade online, maior proteção para crianças online e melhoria da transparência sobre como funcionam os algoritmos do Facebook.
Na terça-feira (5), Mark Zuckerberg publicou um longo texto no Facebook para dizer que as acusações não faziam sentido, que seus anunciantes não querem anúncios próximos de conteúdo de ódio ou desinformação e que a empresa protege as crianças. Mas fez algumas perguntas ao próprio Congresso: "Por exemplo, qual é a idade certa para os adolescentes poderem usar os serviços da Internet? Como os serviços da Internet devem verificar a idade das pessoas? E como as empresas devem equilibrar a privacidade dos adolescentes e, ao mesmo tempo, dar aos pais visibilidade de suas atividades?" Zuckerberg percebe que vem regulamentação por aí e busca pautar também o processo.
Um grande abraço,
Gilberto Scofield Jr.
Diretor de Marketing e Relacionamento
A ascensão do dark webdesign: como os sites o induzem a clicar
Este é o título de um artigo do Nieman Lab que eu considero um dos mais esclarecedores sobre o poder (do mal) do webdesign e da UX (experiência do usuário). O artigo começa falando dos cookies e aquela janela (pop-up) que se abre pedindo permissão para o uso dessas ferramentas, usadas para rastrear o caminho do usuário na internet, alimentar algoritmos e criar um perfil a partir daí (olha os algoritmos aí de novo). Quando aparece aquele pop-up na home do site, perguntando se você concorda com o uso do cookie, muitos não possuem a opção de você simplesmente rejeitar o cookie e continuar navegando. É "eu aceito todos" ou "ajustar os cookies". Ou seja, você será monitorado de qualquer forma dentro do site.
Trata-se do que a revista The Conversation considera como "banner de cookie manipulador". Mas o Nieman chama a atenção para o fato de que esses cookies manipulativos são apenas um exemplo do que já se convencionou chamar de "design obscuro" (ou dark webdesign) — a prática de criar interfaces de usuário que são intencionalmente projetadas para enganá-lo. Elas são difíceis de detectar, mas são cada vez mais comuns em sites e aplicativos que usamos todos os dias, criando produtos que são "manipuladores por design", muito parecidos com os persistentes pop-ups que somos forçados a fechar quando visitamos um novo site.
No caso dos cookies, o Nieman observa que o botão "aceitar tudo" é geralmente grande e destacado, atraindo o cursor logo na chegada ao site. Enquanto isso, os botões para “confirmar escolhas” ou “gerenciar configurações” — aqueles por meio dos quais se protege a privacidade — são menos destacados e até feios. Alguns teóricos consideram essa estratégia como truques da economia da atenção, que é o princípio que rege os algoritmos de plataformas como o YouTube ou Facebook. Se quanto mais você passa a tela ou assiste, mais dinheiro as empresas ganham, as plataformas são desenhadas intencionalmente para comandar e reter sua atenção, mesmo se você preferir fechar o aplicativo e começar o dia. Quer um exemplo? O algoritmo por trás das sugestões de vídeo “Próximos” do YouTube pode manter uma pessoa assistindo a vídeos ali por horas.
Por fim, o artigo fala de um recente estudo com aplicativos gratuitos de jogos para adolescentes, no qual os pesquisadores Dan Fitton e Janet C. Read identificaram dezenas de exemplos de design obscuro. Os usuários são forçados a assistir a anúncios e frequentemente encontram anúncios disfarçados que parecem parte do jogo. Eles são solicitados a compartilhar postagens nas redes sociais e, conforme seus amigos entram no jogo, são solicitados a fazer compras no aplicativo para diferenciar seus personagens dos de seus colegas.
"Parte dessa manipulação psicológica parece inadequada para usuários mais jovens. A suscetibilidade das adolescentes à influência de seus pares é explorada para encorajá-las a comprar roupas para avatares no jogo. Alguns jogos promovem imagens corporais prejudiciais à saúde, enquanto outros demonstram e incentivam ativamente o bullying por meio da agressão indireta entre os personagens", diz Dan Fitton no artigo do Nieman.
Note que a estratégia que te deixa grudado na tela assistindo a um vídeo atrás do outro com batidas de carro ou pessoas tomando susto também é usada também para atraí-lo para conteúdos de desinformação. É preciso estar atento.
...na Coreia do Sul: O presidente do país, Moon Jae-in, e seu Partido Democrata passaram meses prometendo acabar com o que eles chamaram de notícias falsas na mídia. Mas os legisladores tiveram que adiar a votação do projeto de lei do governo nesta semana, quando encontraram um problema: ninguém consegue conceituar desinformação exatamente. O partido de Moon, que controla a maioria no Parlamento, apresentou o projeto em agosto, mas ele gerou protestos da mídia coreana e de grupos de direitos humanos que alertaram que a nova lei desencorajaria os jornalistas a investigarem escândalos de corrupção e teria um efeito negativo na liberdade de imprensa.
...no Reflexo, o podcast da Lupa: A primeira temporada do Reflexo, o podcast da Lupa, chegou ao fim, mas você não precisa ficar triste se perdeu algum ou não teve tempo de ouvir. Todos os oito episódios continuarão à disposição em sua plataforma de streaming de áudio preferida. O Reflexo continua disponível gratuitamente nas principais plataformas de streaming de áudio do país, como Apple Podcasts, Breaker, Castbox, Deezer, Google Podcasts, Pocket Casts, RadioPublic e Spotify.
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Obrigado pela leitura e até a próxima semana