🔎 Lente #35: PL das fake news avança com seu jabuti
Boa sexta-feira, 3 de dezembro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
Texto base do PL das fake news avança na Câmara levando seu jabuti
Desinformação e a necessidade do ser humano em contar histórias
TSE divulga relatório sobre o Programa de Combate à Desinformação 2020
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“PL das fake news” virou árvore para um jabuti dos grandes
O Projeto de Lei nº 2.630/2020, mais conhecido como "PL das fake news", avançou, nesta semana, na Câmara. O grupo de trabalho que analisa a matéria aprovou o texto-base do projeto, que tem relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Talvez você conheça a expressão "jabuti não sobe em árvore, se está lá é porque alguém colocou". Como todo projeto amplo, que tenta abarcar muitas frentes de um mesmo tema, o PL 2.630 acabou virando árvore para um jabuti ― e dos grandes.
Por sugestão do deputado Filipe Barros (PSL-PR), o relator incluiu no artigo 22 do texto um parágrafo para garantir que "a imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais". A imunidade parlamentar material diz respeito ao que estabelece o artigo 53 da Constituição Federal de 1988, que afirma: "os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". A redação mais recente deste artigo, válida atualmente, é da Emenda Constitucional nº 35/2001, que prega que deputados e senadores devem ter seus processos judiciais analisados pelo STF, não podem ser presos (salvo em flagrante de crime inafiançável) e, caso sejam, que a sua Casa de origem ― Câmara ou Senado ― analise as circunstâncias da prisão e decida sobre ela em 24 horas.
A imunidade parlamentar não garante a políticos com mandato que façam qualquer coisa que bem entenderem. Condutas criminosas previstas no Código Penal não são cobertas por imunidade parlamentar e, por isso, eles podem, sim, ser presos, investigados e processados caso incorram em alguma delas. Mas desinformação ainda não é um tipo penal (e eu diria ainda bem!), e a discussão que quero trazer aqui não vai por esse caminho ― embora, para alguns especialistas em direito, sobretudo penal e digital, o texto novo pode dificultar medidas legais contra quem tem mandato.
A questão sobre a qual convido você a se debruçar diz respeito à moderação de conteúdos em redes sociais, sobretudo aquelas com as quais as iniciativas de checagem têm parcerias para o combate à desinformação. É público que as políticas do programa de verificação de notícias da Meta (ex-Facebook) evitam que os checadores atribuam um selo de falso a publicações e anúncios feitos por políticos. Diz a Meta que essa abordagem "se baseia na crença fundamental do Facebook na liberdade de expressão, no respeito ao processo democrático e de que o discurso político é o mais analisado que existe, especialmente em democracias maduras com uma imprensa livre". A empresa também defende que limitar o discurso político seria deixar "as pessoas menos informadas sobre o que os representantes eleitos estão dizendo" e diminuir "a responsabilidade dos políticos por suas palavras".
Conversei longamente com Orlando Silva na manhã de ontem, e o deputado defendeu que o parágrafo adicionado em nada muda o entendimento de que qualquer político pode, sim, ser escrutinado e ter publicações suas classificadas como desinformação em redes sociais. Silva não tinha conhecimento, até então, das limitações impostas sobre os verificadores com relação ao discurso de políticos. Para o relator, o fato de "a fonte da informação ser um agente público não é critério de veracidade ou qualificação de determinada informação''. Silva disse que respeita a concepção das plataformas, mas a considera um equívoco e espera que a abordagem seja revista.
Por certo, seria importante revê-la, uma vez que já se estabeleceu um consenso sobre o fato de que os políticos ― com mandato ou sem ― são chave no processo de disseminação de falsidades em redes sociais. Tanto é que o próprio Orlando Silva retirou do novo texto-base do PL 2.630 o conceito de contas inautênticas, já que, em seu entendimento, de nada adianta se concentrar nisso se "grande parte da difusão [de desinformação] vem de contas autênticas, com nome, endereço e CPF conhecidos, de gente que atua com interesse político e até de gente eleita. Não faz sentido correr atrás de contas inautênticas, sendo que o problema é a [desinformação] que viraliza por ação deliberada de personalidades públicas, inclusive políticos".
Porém, a combinação entre o que se expressa no PL e o que defende a Meta é explosiva. Desde 2018, quando o programa de verificação de notícias chegou ao Brasil, checadores alertam para o papel crucial dos políticos na cadeia desinformativa e clamam pela possibilidade de apontar falsidades espalhadas por eles diretamente em redes sociais, sem sucesso. Um dispositivo legal que assegure imunidade parlamentar material também em redes sociais pode se converter em mais um empecilho para o combate à desinformação no ambiente digital.
É fato que leis, não importa quais sejam e o que digam, sempre estarão passíveis de interpretação. E, em se tratando de uma lei ainda não aprovada, como é o caso, tudo pode ser. No entanto, o caminho que toma o "PL das fake news" é preocupante e pode desembocar em artifícios que inundem as timelines de desinformação em 2022, o que seria o exato oposto do seu objetivo.
Além disso, como lembrou a fundadora da Lupa, Cristina Tardáguila, em artigo no portal UOL, nesta quinta-feira (2), os parlamentares poderiam ter apostado na solução mais do que comprovada para a desinformação: educação midiática. O projeto de lei tem apenas um artigo sobre o tema, umas poucas linhas generalistas que incentivam o Estado a fomentar o tema. Nada sobre responsabilidade das plataformas ou de quem quer que seja. Silva afirmou, em live na noite de ontem, que vai investir num aprimoramento deste ponto. Poderia ter feito isso antes de incluir no texto a imunidade parlamentar já garantida na Constituição.
Jabuti não sobe em árvore. Se está lá é porque alguém colocou.
Um abraço,
Natália Leal
CEO da Lupa
Desinformação faz parte do contar histórias?
O linguista e cientista cognitivo americano Mark Turner considera a literatura não apenas uma arte, um saber ou ainda uma disciplina, mas uma parte da mente humana. Para ele, nossa mente é inerentemente literária. Turner estuda as narrativas e mostra que elas não estão presentes apenas em textos literários, mas fazem parte da cognição humana. A jornalista e educomunicadora Januária Cristina Alves vai além e sugere pensarmos a desinformação a partir da perspectiva de um fenômeno que perpassa a necessidade do ser humano em contar histórias. Em recente coluna no Nexo Jornal, ela defende que “decifrar a ocorrência da desinformação passa pelo entendimento da estrutura narrativa e sobretudo pela compreensão de como usamos a linguagem para nos comunicarmos, pois é por meio dela que nos expressamos”.
Mas a necessidade de contar histórias assumiu uma escala imensurável, segundo Alves, porque essas narrativas foram se multiplicando por meio dos algoritmos, formando uma teia complexa e infinita sobre a qual não temos mais controle. “A desinformação faz parte de uma desordem criada pela confusão entre o mundo online e o offline nas redes, e a cada dia é mais difícil reconhecer uma narrativa construída a partir de reflexões e experiências sustentáveis para nela confiar.”
Januária Cristina Alves, além de jornalista e educomunicadora, é vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira e coautora de “Como não ser enganado pelas fake news”. Além da coluna, indicamos também a leitura do livro, voltado para jovens e adolescentes, com ilustrações e explicações.
...no TSE: a corte eleitoral brasileira divulgou nesta semana um relatório sobre o Programa de Combate à Desinformação implementado em 2020, com foco na eleição. Segundo o documento, a parceria com os checadores de fatos, na Coalizão para Checagem, foi um pilar importante no combate à desinformação eleitoral. Mais de 270 verificações sobre o tema foram feitas entre outubro e dezembro do ano passado e, neste período, o site Fato ou Boato, que reproduzia as checagens, teve mais de 13 milhões de acessos. O TSE prepara uma extensão do programa, que se tornará permanente, e contará com as plataformas de checagem.
...na China: O Twitter removeu nesta semana mais de 2 mil contas que disseminavam o discurso oficial do Partido Comunista da China sobre o povo uigur, minoria muçulmana que teria cerca de 1 milhão de membros detidos em campos de trabalhos forçados no país, segundo ONGs. O governo diz que isso não é verdadeiro. Contas vinculadas a uma empresa próxima do governo em Xinjiang, onde vive boa parte dos uigures, também foram deletadas. Também nesta semana, o Facebook removeu contas chinesas que alimentavam tensões do país com os Estados Unidos. Em ambos os casos, a desinformação é a peça central.
...em "No epicentro": a visualização de dados feita pela Lupa em parceria com o Google ― e reproduzida pelo Washington Post ― foi escolhida a melhor do mundo em 2021 pela Associação Mundial de Editores (WAN-Ifra). Este é o 7º prêmio internacional conquistado pelo projeto desde seu lançamento, em julho do ano passado. "No epicentro" é uma ferramenta de simulação que coloca o usuário no centro da narrativa da Covid-19, mostrando como seria sua vizinhança se todos os mortos pela doença no país estivessem à sua volta. A experiência imersiva é, sem dúvida, o que garante as honrarias do projeto. E se você se interessa por visualização de dados, vale relembrar o TEDTalk já antiguinho com o jornalista britânico David McCandless ― aliás, quem faz parte do Contexto recebeu antes essa dica.
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