🔎 Lente #37: O perigo de um país governado em meio a apagões de dados
Boa sexta-feira, 17 de dezembro. Veja os destaques da Lente, a newsletter sobre desinformação da Lupa:
"Ataque hacker" à Saúde é mais uma amostra do desprezo do governo federal a uma política baseada em dados confiáveis e transparentes
Em época de encontros familiares, saiba como combater desinformação sem ficar de mal com os parentes
Memes são passíveis de checagem? Imagens do piloto Max Verstappen mostram que sim
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Sequestro de dados do Ministério da Saúde é sintoma de apagão que vive o governo
Na última semana, o Ministério da Saúde afirmou ter sofrido duas tentativas de ataques hackers ― uma delas impossibilitou o acesso dos brasileiros à plataforma ConecteSUS e impediu o download de certificados de vacinação. O episódio demonstra a displicência com que os dados são tratados no Brasil, mas não é o único. A falta de cuidado com as informações objetivas e transparentes sobre o país tem impacto em muitas frentes, atingindo desde a formulação de políticas públicas até o combate à desinformação.
Um dos grandes exemplos é o Censo. De acordo com o calendário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa realizada de 10 em 10 anos deveria ter sido feita em 2020, mas sofreu atraso devido à pandemia e, apesar da promessa de ser viabilizada neste ano, acabou impossibilitada pela falta de destinação recursos. O principal raio-X do Brasil é fundamental para a realização de políticas públicas. Interrupções na série são uma economia pouco eficiente.
Como mensurar investimentos em infraestrutura sem dados atualizados sobre os deslocamentos populacionais nos últimos anos? Ou como pensar políticas de inclusão, nacionais e locais, sem informações sobre pessoas com deficiência, por exemplo? Orçamentos públicos devem ser pautados em dados objetivos para que recursos não sejam investidos de forma errônea.
Esse mesmo tipo de desmantelamento foi visto no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A autarquia federal é mais conhecida por gerenciar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas sua importância não se resume a isso. Entre as atribuições do Inep estão o Censo da Educação (levantamento essencial para definir políticas educacionais nos estados e municípios) e a coordenação e aplicação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), indicador que avalia a efetividade e a evolução das políticas do segmento.
Em um momento de pandemia, essas informações seriam fundamentais para compreender, por exemplo, a evasão escolar. Mas parte delas está com o lançamento atrasado, enquanto mais de três dezenas de servidores técnicos do instituto pediram demissão alegando sofrerem pressão política. Novamente, o impacto é aterrorizante. Em 2022, inicia-se a nova distribuição de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), com volumes maiores do que os habituais. Além disso, na nova legislação sobre o fundo, era previsto que o Inep criasse um novo indicador para avaliar o nível socioeconômico dos alunos, o que deveria pautar a distribuição dos recursos. Até agora, nada foi feito.
E não para por aí. Durante todo o ano, o presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Ricardo Salles fizeram uma série de críticas aos técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelos dados sobre desmatamento no país. Os funcionários chegaram a ser chamados de mentirosos, e as informações, apesar de retiradas de um banco de dados com metodologia técnica, transparente e internacionalmente respeitada e validada, foram tratadas como falsas.
Em longo prazo, a falta de informações confiáveis trava a evolução de políticas públicas, que, em novos mandatos, serão feitas sobre dados menos objetivos e transparentes. Sem informações corretas e atualizadas, a credibilidade do país é colocada em dúvida, o que piora ainda mais a já combalida imagem do Brasil no Exterior.
Em curto prazo, o apagão de dados dificulta a checagem de fatos. Estamos às vésperas de um ano eleitoral e informações que, até agora, estão envoltas em suspense e discussões pouco produtivas são essenciais para atestar a veracidade dos discursos de candidatos. O trabalho se torna mais difícil, mas não deixará de ser feito. Afinal, você precisa ter em suas mãos informação qualificada para tomar suas decisões na hora de votar. E, nisso, a Lupa vai ajudar você. Com ou sem apagão de dados.
Um abraço,
Raphael Kapa
Coordenador de Educação da Lupa
Ceia de Natal sem brigas e sem desinformação
Já há alguns anos, as festas de fim de ano despertam uma preocupação além da uva passa: os conflitos com parentes por conta da desinformação. Com a polarização política e os ânimos acalorados, como dizer que aquela informação fornecida por aquele tio que você só encontra na festa de Natal é falsa sem magoá-lo (e ainda sabendo que ele pode reagir de maneira grosseira)?
Algumas pesquisas dão pistas. Uma delas é o efeito Dunning-Kruger — quanto menor seu conhecimento de um determinado assunto, maior sua propensão a acreditar que suas crenças são verdadeiras. Quantas vezes você já ouviu frases impactantes e generalistas sobre um assunto vindas de alguém que não tem necessariamente o conhecimento técnico sobre ele? A maioria das pessoas que passa adiante uma desinformação é vítima desse efeito e tem convicção de que está espalhando uma informação correta. Por isso, um desmentido, por melhor embasado que seja em dados e fatos, pode soar como uma ofensa. Então, tenha cuidado com ironias e deboches, por exemplo. Eles não são bons aliados nesse momento. A conversa deve ser franca e direta, com base em informações, mas sem menosprezar a fala ou o pensamento do outro.
Outra estratégia é relembrar o vínculo que você tem com seu interlocutor. Pesquisas indicam que as relações pessoais validam a confiança e são uma espécie de "chancela" para informações. Em uma reunião familiar, apelar para os laços sanguíneos pode ser uma boa maneira de mostrar que não há motivo para tentar enganar a sua prima que você não vê há mais de dois anos. Tente lembrar das brincadeiras da infância e de como o conhecimento, para ser produzido, precisava ser testado, observado e, depois, racionalizado. Mostrar esse passo a passo é uma forma de evidenciar como se chega a informações corretas, ensinar como checar e, claro, evitar tensões no grupo da família durante a eleição do ano que vem.
Não deixe de recorrer aos sites das plataformas de checagem para expor histórias que já foram desmentidas e aproveite para mostrar de onde os dados que embasam a verificação surgiram. Dê dicas também de como diversificar a dieta informativa, ou seja, consumir informação em mais de uma fonte e abrir espaço, inclusive para o contraditório. Para se preparar, assista a esse vídeo produzido pela Lupa para o curso Conectados e Ligados, do Instituto Vero, sobre como conversar com quem acredita em desinformação.
Lembre-se que o objetivo é construir pontes e não aumentar as distâncias. Mas não esqueça de também preservar sua sanidade mental.
...nos memes: na última semana, a Lupa checou duas imagens envolvendo o piloto holandês Max Verstappen, campeão da temporada 2021 da Fórmula-1. Na primeira, ele aparece à frente da bandeira do Brasil e um texto afirma que o piloto havia dedicado o título à namorada, Kelly Piquet, ao sogro, o ex-piloto Nelson Piquet, e “ao melhor presidente da história deste país, Jair Bolsonaro”. Na segunda, Verstappen usa uma camiseta com estampa de apoio a Bolsonaro. Ambas eram falsas, não passavam de montagens. Mas viralizaram em grupos bolsonaristas (uma chegou a ser compartilhada por um assessor do presidente). Em redes sociais, leitores apontaram que a Lupa estava checando memes e criticaram as verificações. Porém, é preciso entender que parte da decisão sobre checar uma determinada informação está baseada no fato de que, ainda que se trate de um meme, de uma ironia ou de uma sátira, há uma parcela de pessoas que acreditam que essa informação é verdadeira. Por isso, memes também são passíveis de checagem, caso estejam sendo levados à sério por um grande número de usuários de redes sociais. Às vezes, o que é óbvio para alguém está longe de ser óbvio para o outro e a desinformação é desastrosa ao preencher esse espaço. Fique atento.
…em Donald Trump: o ex-presidente americano anunciou um “amplo acordo de tecnologia” entre a Trump Media & Technology Group (TMTG) e a Rumble. A ideia é que a plataforma seja o provedor de vídeos da Truth, nova rede social de Trump, uma cópia do Twitter. A Rumble se apresenta como uma plataforma "neutra" e longe do alcance da "cultura do cancelamento", mas já responde a diversas denúncias nos Estados Unidos por permitir a propagação de vídeos com desinformação. A TMTG também é investigada pelo governo americano por questões financeiras e fiscais.
…nas eleições brasileiras de 2022: as plataformas Instagram e Facebook anunciaram que fizeram uma parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Posts públicos sobre o processo eleitoral circularão com um aviso que remeterá ao site do tribunal. Um recurso similar já funciona nessas duas redes para posts sobre Covid-19, com links que remetem a uma Central de Informações sobre o assunto.
Esta é a última edição da Lente em 2021 ― a próxima já virá no ano eleitoral, acompanhando pré-candidatos e as narrativas desinformativas em torno das Eleições. A Lupa faz uma pausa agora e retorna em janeiro. Até lá!
Dicas? Correções? Escreva para lupa@lupa.news
Obrigado pela leitura e até a próxima semana
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