🔎 A fake do Mark
#165: As inconsistências e contradições no discurso de censura usado por Zuckerberg
Oi!
Feliz ano novo! 2025 começou movimentado, mas é apenas 10 de janeiro, então o desejo de um ano bom ainda tá valendo. Aqui quem escreve é a Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa. E dessa vez também é meu o texto que abre a primeira edição do ano da Lente. O assunto você deve imaginar: os anúncios feitos por Mark Zuckerberg sobre os próximos passos da Meta. Só que neste caso vamos falar de como ele escolheu desinformar para encerrar nos Estados Unidos o programa que tem o objetivo de diminuir a desinformação nas redes dele. Boa leitura.
Para encerrar programa nos Estados Unidos, Meta esconde fatos ao acusar checadores de censura
Na terça-feira (7), o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, ao anunciar o fim do programa de verificação independente de fatos (Third-Party Fact-Checking, ou 3PFC), nos Estados Unidos, e outras mudanças na política de moderação de conteúdo da empresa, se referiu à censura nove vezes em seu vídeo de cinco minutos. O diretor de Assuntos Globais da Meta, Joel Kaplan, recorreu ao termo outras duas vezes no comunicado feito pela big tech. Como exemplo, destaco uma das frases que está no texto assinado por Kaplan: “Um programa [de verificação independente de fatos] destinado a informar com muita frequência se tornou uma ferramenta para censurar”.
Assim como muitas das verificações que parceiros da Meta vêm fazendo nos últimos oito anos — o 3PFC existe desde 2016 nos Estados Unidos e desde 2018 no Brasil — esta é uma declaração que precisa de contexto adicional para ser corretamente compreendida. Zuckerberg e Kaplan omitiram informações importantes e, assim como muitos usuários das suas redes, acabaram disseminando na plataforma (e no mundo) a famosa fake news.
A narrativa desinformativa adotada pela empresa na hora de explicar o fim do programa que busca diminuir os efeitos da desinformação nas redes não se sustenta. Primeiro porque as publicações verificadas não são censuradas pelas organizações de checagem, elas não são retiradas das redes por elas. Em vez disso, recebem um aviso de que foi analisada e oferecem a possibilidade — e ninguém é obrigado a ler — de informações e contexto adicionais para quem vê o post. O “Ver publicação” na imagem abaixo é autoexplicativo. O post segue no ar e quem decide se algo deve ser removido é a Meta, seguindo o que prevê os Padrões da Comunidade.
De acordo com Zuckerberg, o problema (censura) é resultado de uma postura politicamente tendenciosa dos verificadores, “especialmente nos EUA”, nas palavras do próprio. Aqui é importante outro contexto. Os verificadores parceiros do programa precisam ser certificados pela International Fact-Checking Network (IFCN) em auditorias independentes, anuais e públicas. O Código de Ética da IFCN estabelece padrões rigorosos de transparência e apartidarismo. Zuckerberg, aliás, já elogiou o “padrão rigoroso” da IFCN em audiência no Congresso norte-americano.
Ao dizer que os verificadores possuem um viés, ele dá a entender que usam as checagens para um fim político. Isso também não é verdade. Alexios Mantzarlis, diretor da Iniciativa de Segurança, Confiança e Proteção da Cornell Tech, ex-diretor da IFCN e um dos profissionais que trabalharam para estruturar o 3PFC, mostra neste texto (entre outras coisas) o exemplo do PolitiFact, um dos parceiros do programa nos Estados Unidos. Ao analisar mais de 100 verificações, constatou que apenas 21% eram politicamente sensíveis. A maioria (45,1%) não tinha relação com política e falava, por exemplo, sobre árbitros da NFL — a liga de futebol americano dos Estados Unidos — e um navio que fingia ser o Titanic.
Para reforçar a sua tese de censura, Zuckerberg ainda diz que vai “trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas” e completa dizendo que países da América Latina têm “tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa”. O recado foi entendido por brasileiros como uma (in)direta para o ministro Alexandre de Moraes. Neste caso, independentemente de críticas que possam ser feitas às decisões de Moraes, é importante reforçar que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral não são tribunais secretos e que inquéritos sigilosos são previstos no sistema jurídico brasileiro.
Sai o programa de verificação independente, entra um sistema de Notas da Comunidade, semelhante ao que é utilizado hoje no X de Elon Musk. E ao seguir por esse caminho e “ajustar” os filtros para diminuir a remoção de conteúdos, a Meta sabe o que vai acontecer. Zuckerberg antecipou o resultado das novas decisões em seu vídeo: “Significa que vamos detectar menos conteúdos problemáticos”. Uma declaração que, com certeza, levaria o rótulo de “verdadeiro” de qualquer checador de fatos. Para ele, uma consequência aceitável para reduzir “o número de postagens e contas de pessoas inocentes que removemos acidentalmente”.
Como a decisão da Meta afeta as favelas e periferias? O jornalista Michel Silva do Fala Roça publicou um artigo explicando que a decisão de Mark Zuckerberg dificulta o trabalho dos jornalistas nesses territórios. “O combate à desinformação já era desleal, porque os grandes produtores de fake news têm recursos infinitamente maiores do que nós. Agora, será ainda mais fácil espalhar mentiras e atacar iniciativas comunitárias, que muitas vezes são o último bastião de informação confiável nesses territórios”, afirma. [Nathália Afonso, Analista de projetos editoriais]
O episódio de quarta (8) de O Assunto, podcast apresentado pela jornalista Natuza Nery, ajuda a entender o movimento brusco do CEO da Meta ao anunciar o fim do programa de verificação independente de fatos, ou como diz o nome do episódio: “O cavalo de pau de Zuckerberg em direção ao trumpismo”. São vinte e oito minutos de conversa com o professor de gestão de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado, sobre motivos, consequências e como isso respinga no Brasil. [LC]
Outras leituras que podem ajudar na compreensão das últimas notícias: carta aberta dos membros da International Fact-Checking Network (IFCN) à Mark Zuckerberg; editorial da Lupa sobre anúncio da Meta, nos Estados Unidos: Fake news não têm fim; programa de checagem da Meta, sim; nota pública da LatamChequea, rede de checadores ibero-americanos, sobre como a decisão de Mark Zuckerberg impacta nossa região: "Fact-checking não é censura"; nota pública da EFCSN, rede de checadores europeus, que lembra que a Meta não pode desrespeitar regulamentação aprovada na União Europeia: EFCSN lamenta o fim do programa de verificação da Meta nos EUA e condena declarações que associam checagem à censura. [Cristina Tardáguila, fundadora e repórter da Lupa]
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