🔎 Cadeirada encobre misoginia eleitoral
#153: Enquanto Brasil se diverte, candidatas sofrem com ataques, sexualização e discurso de ódio
Marcela Duarte que escreve aqui, apresentando a você uma edição toda feita por mulheres: Brenda Farfoglia, Flávia Campuzano e Nathália Afonso, minhas colegas na área de Produto, e Natália Leal, CEO da Lupa. Nos unimos para escrever esta edição – em especial o texto de abertura – a muitas mãos sobre um tema que não é novo, mas silencioso e persistente: a violência política de gênero, impulsionada pelo uso sistemático da desinformação. Se o tema tem impacto direto e imediato na vida das vítimas, as consequências para todos e todas nós vêm a médio e longo prazo com a falta de representatividade e a constante lembrança de que ainda há espaços que nós, mulheres, não podemos ocupar.
Eleição nova, problema antigo: casos de misoginia dominam as redes sociais
O Brasil parou para comentar – e produzir memes sobre – a cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) no debate da TV Cultura entre os candidatos à prefeitura de São Paulo no último domingo (15). A violência explícita, pontual e colérica do ato surpreendeu – não tanto pela reação de Datena, mas pelo ineditismo da situação.
Essa violência física, porém, que tanto divertiu as redes sociais e acendeu um alerta para a agressividade desta campanha (que parecia passar abaixo do radar até agora), encobre outra violência nada pontual, mas sim diária e que ocorre não só durante as eleições: a violência política de gênero. Um tipo de violência que cala mulheres na política e aniquila a representatividade, tão importante para as gerações futuras.
Em respeito às candidatas que serão mencionadas e para não aumentar o engajamento de imagens desinformativas, não usaremos prints para ilustrar esta edição.
Durante o debate da TV Cultura, comentários misóginos sobre Tabata Amaral (PSB) e Marina Helena (Novo) foram postados no X (suspenso no Brasil desde 30 de agosto), no Reddit e no YouTube. O assunto foi tema da 🔥Ebulição SP de terça (17), newsletter da Lupa sobre o que mais engaja em aplicativos de mensagem.
Deep fakes sexualizadas de Tabata são divulgadas desde os primeiros meses de 2024. No dia 13 de setembro, a campanha do PSB já havia acionado a Justiça Eleitoral em São Paulo com uma queixa-crime contra a disseminação de imagens manipuladas digitalmente que usam o rosto de Tabata em cenas de teor sexual. Há mais de 97% de chance de as imagens terem sido geradas por inteligência artificial (IA). A defesa da candidata alega que houve crime de injúria eleitoral e pede o oferecimento da denúncia contra os responsáveis pelas postagens. Até o momento, eles não foram identificados.
Em Bauru (SP), há uma situação semelhante. A prefeita e candidata à reeleição, Suellen Rosim (PSD), registrou um boletim de ocorrência na quarta (18) após ser vítima de uma deep fake que traz seu rosto sobre o corpo de uma mulher nua.
“Já fui desrespeitada outras vezes, seja com montagens maliciosas, seja com falas do tipo “ninfeta no prostíbulo”, "vassala", "vagabunda", que Bauru seria governada da senzala, entre tantas outras injúrias. Não posso admitir esse tipo de ataque, que revela o que nós, mulheres públicas, seja na política, seja em outras áreas de destaque, sofremos pelo simples fato de sermos mulheres.”
Desinformação, discurso de ódio e toda forma de ataque misógino não são uma exclusividade de São Paulo. Em Porto Alegre, a candidata à prefeitura Maria do Rosário (PT) – aquela que o ex-presidente Jair Bolsonaro disse em 2014 que não estupraria porque ela "não merece", por ser "muito feia" e porque ela não faria o seu "tipo" – foi acusada de criticar um policial que matou três assaltantes ao se defender. No entanto, trata-se de uma postagem falsa, que tenta reforçar o estereótipo de Maria do Rosário como “defensora de bandidos”.
Existem casos de ameaça de morte. No Rio de Janeiro, a deputada estadual e candidata a vice-prefeita Renata Souza (PSOL) relatou receber e-mails com ofensas racistas e ameaças de morte. Ex-chefe de gabinete de Marielle Franco, Renata estava fazendo campanha com escolta quando ainda estava grávida – sua filha nasceu no início deste mês.
Atravessando a ponte Rio-Niterói, mais um caso. No final de julho, a deputada Talíria Petrone (PSOL) também denunciou à polícia ataques racistas e ameaças de morte que teria recebido por e-mail. Os ataques incluíam ameaças contra seus filhos. Os agressores exigiam a retirada da candidatura de Talíria à prefeitura de Niterói, na Região Metropolitana do Rio.
Todos esses ataques têm como objetivo constranger as candidatas e inibir a sua participação em pleitos. “Muitas mulheres políticas acreditam que simplesmente precisam suportar a violência para não serem percebidas como emocionais, fracas ou inadequadas para o trabalho. Algumas conseguiram prosperar politicamente apesar de serem confrontadas com violência digital severa”, explica o artigo publicado na revista Political Violence at A Glance, assinado em colaboração pelas pesquisadoras Ladyane Souza, Luise Koch, Maria Paula Russo Riva e pela CEO da Lupa, Natália Leal.
Na terça-feira (17), dois dias depois da cadeirada, Datena e outros candidatos à prefeitura de São Paulo voltaram a se encontrar, no debate realizado por RedeTV/UOL. O apresentador alegou que teria agredido Marçal em "legítima defesa da honra", porque o ex-coach se dirigiu a ele com uma gíria usada em presídios para identificar estupradores.
É ensurdecedor o silêncio em torno da expressão, que, até pouco tempo, era usada por homens que cometiam feminicídio para culpar mulheres assassinadas pelo crime cometido por eles. A tese da legítima defesa da honra nesses casos foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2021 por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero (decisão na página 88).
A Lupa acompanha a violência política de gênero e as mulheres na política há anos. A série SobreElas mostra ataques direcionados, entre outras questões relacionadas à representatividade feminina.
A violência política de gênero é sistêmica, sistemática e, por fim, expulsa mulheres da política. É o caso da ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB-RS), que desistiu de concorrer às eleições ao Senado em 2022 após ameaças e ataques recorrentes direcionados a ela e sua família. Também é o caso da deputada Áurea Carolina, que anunciou, em abril de 2022, que não concorreria à reeleição na Câmara dos Deputados, onde ocupava uma cadeira pelo PSOL-MG. Depois disso, Áurea se desfiliou do partido. Mulheres negras sofrem em dobro, vítimas de misoginia e racismo – leia a entrevista com a pesquisadora Monique Paulla, doutoranda e mestre em Mídia e Cotidiano pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
O debate público sempre priorizou as demandas e imposições dos homens nos espaços de decisão e poder – e isso não é diferente no que diz respeito a combater violências. Casos contra mulheres são constantes, mas raramente ganham repercussão e medidas enérgicas necessárias.
Enquanto tolerarmos que as redes sociais amplifiquem a violência política de gênero, em uma visão de mundo centrada no machismo e na tentativa de subjugar as mulheres, seguiremos todos e todas perdendo na busca pela igualdade de gênero.
Comentaristas do programa Linha de Frente, da Jovem Pan, comentaram na semana passada a notícia de que uma cela no estilo “greco-goiano” seria construída para receber o cantor Gusttavo Lima como um desdobramento das investigações por “suposta participação em esquema de lavagem de dinheiro”. Detalhe: a notícia era do Sensacionalista, conhecido por fazer sátiras sobre assuntos do noticiário. O conteúdo foi apagado das redes sociais depois que o erro foi percebido. [Brenda Farfoglia, analista de Produto]
Outra notícia inusitada que rendeu nos últimos dias foi a de que um grupo estava sendo pago para circular pelas ruas de São João do Meriti (RJ), se infiltrando em locais com aglomerações de pessoas como pontos de ônibus, padarias, filas de bancos, bares e mercados, espalhando informações falsas sobre determinado candidato a prefeito. O esquema se estendeu para outros dez municípios. Quatro pessoas foram presas na operação chamada pela Polícia Federal de “teatro invisível”. [BF]
A pequena cidade de Springfield, em Ohio, nos Estados Unidos, recebeu 33 ameaças de bomba após declarações infundadas contra imigrantes haitianos proferidas pelo candidato republicano Donald Trump. Durante o debate presidencial do dia 10, Trump foi desmentido ao vivo pelo mediador do evento após acusar os imigrantes de comerem cães e gatos dos moradores. [BF]
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