🔎Desinformação corre solta nas redes
#184: Boatos antivacina e fraudes digitais mostram o perigo da falta de checagem
Oi, aqui é a Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa. Na Lente desta semana, o repórter Maiquel Rosauro divide com a gente um episódio que ele viveu na vida real e conta como isso se conecta com a velocidade com que fakes e golpes se proliferam nas redes sociais. E antes de me despedir, um recado importante: a Lente vai dar uma pausa e retorna à sua caixa de e-mail no dia 3 de julho. Além do feriado na próxima semana, todos da Lupa estarão envolvidos no Global Fact, o maior evento de fact-checking do mundo, organizado pela International Fact-Checking Network (IFCN), que acontece no Rio de Janeiro entre os dias 25 e 27 de junho. Então, até julho!
A dor real e a farsa fabricada – quando a maratona termina em desinformação
O último sábado (7) foi gelado nos pampas – um típico dia de “frio de renguear cusco”, mas perfeito para encarar as provas da 40ª Maratona Internacional de Porto Alegre, na Orla do Guaíba. Infelizmente, uma tragédia marcou o evento: um jovem morreu na Meia Maratona. E assim que a notícia veio à tona, surgiu uma enxurrada de comentários distorcidos nas redes sociais culpando a vacina contra Covid-19. Ou seja, a partir de um fato – real – criou-se uma narrativa sem qualquer evidência confiável.
Nas duas edições anteriores do evento, corri os 21 quilômetros da Meia Maratona. Como diminui o ritmo de treinos nos últimos meses e troquei de assessoria esportiva, minha nova treinadora aconselhou correr na prova dos 10 Km este ano, cuja largada ocorreu às 9h, duas horas depois do início dos 21 Km. E quando estava na concentração, há poucos minutos de iniciar a rústica, vi algo até então inédito.
Uma ambulância ligou suas sirenes e se deslocou no meio da multidão de atletas amadores, que rapidamente abriram espaço para o veículo passar. De imediato sabíamos que alguém havia passado mal, mas estávamos longe de saber da gravidade do caso. Apenas horas depois, quando já estava no carro voltando para casa, tomei conhecimento de que uma pessoa havia morrido na Meia Maratona.
Saber que uma pessoa morreu no mesmo evento em que estive presente foi algo desconcertante. Além disso, ninguém corre para morrer, mas para ter mais saúde. Resolvi acompanhar a evolução das informações sobre o caso durante o final de semana e o que vi me deixou perplexo. Antes mesmo de ser confirmado o nome do rapaz, João Gabriel Hofstatter De Lamare, que estava completando 20 anos de vida justamente naquele sábado e que faltava apenas um quilômetro para a linha de chegada, já havia se criado uma imensa narrativa contra vacinas.
O post que mais chamou atenção foi de um vídeo que mostra o corpo do rapaz sobre uma maca no chão, coberto por um cobertor térmico ao lado de uma ambulância enquanto a prova seguia. Inúmeros comentários alegavam que João Gabriel era mais uma vítima das vacinas contra Covid-19 e que mortes repentinas durante exercícios físicos agora eram normais desde a pandemia.
Mesmo após ser divulgado que João Gabriel sofreu um mal súbito e uma parada cardiorrespiratória, e que possuía hábitos esportivos, não pararam de surgir publicações remetendo à morte do jovem aos imunizantes contra Covid-19. Isso não é novidade. Em abril do ano passado, analisei um vídeo que alegava que centenas de pessoas morreram diante das câmeras devido aos efeitos da imunização. Porém, das 132 cenas de pessoas passando mal apenas 12 de fato haviam morrido, mas nenhuma possuía relação com as vacinas.
O que me preocupa não é nem a narrativa antivacinas, já velha conhecida aqui na Lupa, mas a rapidez em que as pessoas têm para deduzir que algo é real sem ao menos checar as informações ou analisar os fatos com senso crítico. Isso é perigoso e me lembrou uma verificação que fiz semana passada sobre o lançamento da “CNH Social Digital 2025”, cujo objetivo seria ampliar o acesso à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) a partir de um sistema digital, gratuito e integrado às autoescolas credenciadas.
Para enganar as pessoas, os golpistas juntaram duas coisas diferentes: CNH Social e CNH Digital. Ambas existem e são gratuitas. Quem criou a fraude solicitava uma grande quantidade de dados pessoais e, ao final, cobrava R$ 58,71 de “taxa de emissão e ativação digital”. Constatei no Reclame Aqui que uma boa quantidade de pessoas caiu no golpe.
“Entrei em um anúncio do instagram de CNH SOCIAL DIGITAL, me inscrevi e apareceu uma taxa de R$ 58,71 para pagamento e concluir a inscrição, no site informa que entrariam em contato pelo e-mail para informar o local da prova, mas até agora nada de enviar nenhum e-mail do local de agendamento isso foi realizado no final do mês passado. Dei uma pesquisada e encontrei algumas pessoas reclamando que teve o mesmo problema, quero o estorno do meu dinheiro”
“Vi uma propaganda no instagram de CNH SOCIAL DIGITAL, me inscrevi e apareceu uma taxa de R$ 58,71 para pagamento e concluir a inscrição, quando finalizei me comunicaram que entrariam em contato pelo email, e até agora nada. Fui buscar mais ao fundo no site do gov.br e no Detran da minha cidade e não tem essa divulgação de "CNH DIGITAL SOCIAL", ou seja, ainda não abriram as inscrições e descobri que se tratava de um [Editado pelo Reclame Aqui]. Dei uma pesquisada e encontrei alguém reclamando que teve o mesmo problema que eu! Então solicito o estorno do dinheiro pago”
Outro caso foi o da funcionária pública Patrícia Aparecida Soares, fisgada por um anúncio no Instagram que promovia vagas para agentes de saúde em um suposto processo seletivo do Ministério da Saúde. Ela clicou, preencheu os dados e seguiu até a etapa final da inscrição. Só então, ao se deparar com uma exigência de pagamento via Pix, percebeu que se tratava de um golpe. Porém, antes de desconfiar do esquema, ela havia compartilhado o link fraudulento com familiares. Em menos de dez minutos, três parentes caíram na armadilha. Juntos, perderam R$ 462,51 no golpe.
Outro golpe baseado em algo que aparenta ser real é o programa Agente Escola do Futuro, que promete vagas no Ministério da Educação (MEC) via processo seletivo. Tal iniciativa não existe no MEC, mas o site fraudulento usa a identidade do governo federal e cobra R$ 78,40 por uma suposta taxa de inscrição.
A disseminação de desinformação em momentos de comoção, como a morte de um jovem atleta ou a promessa de um benefício social, revela o quanto ainda é urgente fortalecer a cultura da checagem e do pensamento crítico. Em tempos de redes sociais tão aceleradas quanto uma maratona, acreditar no que parece ser verdade, sem verificar, pode custar caro - seja pela propagação de mentiras, seja pelo prejuízo financeiro ou simbólico de quem é enganado.
O episódio desta quarta-feira (11) do podcast Neural, da Folha de S. Paulo, fala sobre o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização das redes sociais por conteúdos de terceiros. Como a Lupa já mostrou, o tema é espinhoso e especialistas divergem sobre a melhor regra de responsabilização. Os apresentadores do Neural, Patrícia Campos Mello e Ronaldo Lemos têm visões diferentes e comentam a demora do Congresso em legislar sobre o tema. O episódio também fala sobre o sucesso Marisa Maiô e o direito autoral de obras produzidas com IA, sobre a embarcação internacional interceptada por Israel e o embate entre Donald Trump e Elon Musk. [João Pedro Capobianco, repórter]
Em seu novo livro, 'A hora dos predadores', Giuliano Da Empoli mostra como a aproximação entre big techs e políticos extremistas ameaça a democracia. O cientista político, referência no estudo das ligações entre tecnologia, populismo e autoritarismo, revela como Trump, Milei e Musk têm usado o ecossistema digital – onde não há critérios de verdade ou falsidade – para fazer política e minar instituições democráticas. Em entrevista para O Globo, ele defende que as democracias precisam impor humildade às máquinas, antes que sejam engolidas por elas. E classifica como vanguardistas as ações do ministro do STF, Alexandre Moraes, em favor da regulação das plataformas. [Victor Terra, analista de educação]
Falando em big techs, o relatório “Greening Digital Companies 2025”, divulgado nesta semana pela World Benchmarking Alliance e a União Internacional de Telecomunicações, mostra que quatro das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo aumentaram em 150% suas emissões de carbono com investimentos em IA. Entre 2020 e 2023, a Amazon elevou em 182% suas emissões operacionais, a Microsoft 155%, a Meta 145% e a Alphabet 138%. O aumento se deve, em parte, à demanda energética dos centros de dados usados para o funcionamento dos sistemas de IA. [VT]
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