🔎 Fakes e Marçal: combustível para violência
#154: Agressividade na campanha eleitoral contribui para crença em desinformação
Oi. Natália Leal aqui, diretora-executiva da Lupa. Há algumas semanas temos discutido os efeitos da agressividade e da violência que tomou conta da campanha eleitoral. Hoje, a nossa gerente de Produto, Marcela Duarte, explica por que esse clima hostil contribui para que mais e mais pessoas caiam em desinformação. De olho nos avanços da inteligência artificial, nosso time comenta os impactos dela nas eleições europeias e os planos para regulação no Brasil. E a prisão do rapper Diddy também respinga na eleição americana. Boa leitura!
Violência e desinformação: como Marçal explora a polarização para enganar
Um vídeo acompanhado de uma legenda falsa que sugere que Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo, teria levado um soco durante o debate no Flow começou a circular nas redes sociais após o evento, realizado na noite de segunda-feira (23). Nas imagens, o mediador Carlos Tramontina expulsa Marçal do debate, ele sai de cena, e o estúdio é tomado por correria e gritos – o que de fato aconteceu. A legenda diz que o candidato levou um soco, mas a verificação da Lupa mostra que isso não ocorreu. Por publicações como essa, desde 2023 a Lupa usa uma etiqueta adicional de "legenda enganosa" em casos nos quais a imagem é verdadeira e o que desinforma é o texto complementar.
Depois de tantos episódios de violência na campanha de São Paulo, ninguém duvida de mais nada. Começamos esta campanha eleitoral preocupados com as deep fakes, mas o que engaja mesmo são as cheap fakes (ou desinformação barata), que ganham tração rapidamente em um ambiente hostil e agressivo, como têm sido os debates eleitorais.
A fake sobre o soco em Marçal não é um caso isolado. Ela surge em meio a uma série de incidentes que tornaram os confrontos entre candidatos o centro das atenções. O mais marcante foi a cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) no influenciador no debate da TV Cultura, em resposta a provocações.
Não foi o único. No dia 14 de agosto, Guilherme Boulos (PSOL) deu um tapa em uma carteira de trabalho que Marçal segurava, dizendo que ia "exorcizar" Boulos. Depois de uma discussão — na qual o candidato do PSOL chama o influenciador de mentiroso e o compara a padre Kelmon (em referência ao candidato presidencial de 2022), e recebe como resposta a acusação de que nunca trabalhou e que é "um grande vagabundo nessa nação" —, os dois se encaminham aos seus assentos, com Marçal atrás de Boulos empunhando uma carteira de trabalho.
Eles sentam em seus lugares, lado a lado, e Boulos dá um tapa na carteira:
As cenas reforçam o ciclo de violência verbal e física, acostumando o público a esse conflito. A publicação falsa sobre o suposto soco se encaixa nesse ambiente e, por isso, é fácil acreditar. É o que estudiosos chamam de “efeito de verossimilhança”: uma mentira é mais poderosa quando parece plausível.
A desinformação não é um acidente para Marçal, mas sim uma ferramenta de campanha. Desde o início da corrida eleitoral, ele usa essa tática para chamar a atenção e definir as regras do jogo a seu favor.
Em julho, ele gerou revolta ao sugerir que a morte do pai de Tabata Amaral (PSB) teria sido culpa da própria família. A declaração, sem qualquer prova, foi usada por Marçal para se posicionar como um “outsider” que “diz verdades inconvenientes”, um recurso comum entre candidatos que se valem de ataques pessoais para ganhar visibilidade.
Outro exemplo é a constante acusação de que Boulos seria usuário de drogas, também sem provas. Por conta dela, Marçal foi obrigado pela Justiça Eleitoral a publicar no Instagram e no TikTok um vídeo de resposta gravado pelo candidato do PSOL.
A repetição dessas narrativas estigmatiza o adversário, enquanto reforça a imagem de Marçal como alguém “acima dos vícios” — uma construção para atrair um eleitorado conservador.
Embora seja falso que Marçal levou um soco no Flow no início desta semana, o evento teve sua dose de violência. Pois é. Vamos a mais um episódio.
Tudo começou quando Marçal foi expulso do debate nos últimos segundos, depois de infringir as regras e ser advertido pela terceira vez, insistindo que prenderia Ricardo Nunes (MDB) se fosse eleito. Ele protestou, houve confusão, e a transmissão foi interrompida. Assessor e sócio de Marçal, Nahuel Medina deu um soco no marqueteiro de Nunes, Duda Lima. Pessoas que estavam no estúdio disseram que Duda tentou cobrir a câmera do celular de Medina, que reagiu. Cinco viaturas foram até o local, e os envolvidos seguiram para o 16º Distrito de Polícia, na Vila Clementino, zona sul da capital.
É só mais um desdobramento do modus operandi baseado na violência real e simbólica. No debate, Marçal insistiu, mesmo sem provas, que Nunes seria preso por corrupção. Ao ser retirado, seus apoiadores tentaram enquadrar o incidente como “censura” e perseguição, manipulando a opinião pública para transformá-lo em vítima e fortalecer sua imagem de combatente contra um suposto “sistema corrupto”.
Essas táticas fazem parte de um modelo de comunicação adaptado ao ambiente digital. Marçal construiu sua base de apoio nas redes sociais, um espaço onde o conflito gera engajamento e dinheiro. Ele personifica a economia da atenção: o valor está no tempo que as pessoas gastam discutindo, compartilhando e reagindo, e não na veracidade dos argumentos.
Enquanto Datena precisou se afastar de suas atividades como apresentador de programa de TV em junho, conforme exigido pela legislação eleitoral, Marçal continua ativo e monetizando conteúdos nas redes sociais, onde a regulamentação é vaga e há mais espaço para manipulações. No fim de agosto, a Justiça Eleitoral suspendeu os perfis do influencer, a pedido do PSB, de Tabata, por suposto abuso de poder econômico com o financiamento de cortes de vídeos. Ele abriu novas contas na sequência.
A desigualdade de regras entre candidatos oriundos da TV e das redes sociais revela uma falha crítica na legislação eleitoral. Enquanto a Justiça é severa com quem construiu sua carreira nos meios tradicionais, ela permanece leniente com aqueles que dominam o ambiente digital. Essa falha cria uma assimetria explorada ao máximo por candidatos como Marçal.
O jornalista Leão Serva, que mediava o "debate da cadeirada", publicou um artigo argumentando que a imprensa repete erros históricos ao dar visibilidade a candidatos que se utilizam de táticas antidemocráticas, normalizando discursos radicais em busca de audiência. A crítica é contundente: Marçal não precisaria ser chamado para os debates, mas é — e isso alimenta sua estratégia de desinformação e provoca a espetacularização.
No entanto, a responsabilidade não recai apenas sobre a imprensa. A Justiça Eleitoral também tem falhado em reagir adequadamente a infrações. Marçal já foi denunciado por monetizar irregularmente cortes de vídeos e discursos políticos, o que gera assimetrias severas em relação a outros candidatos, mas segue no páreo. E continua a distorcer o debate público, se aproveitando das brechas do sistema.
O resultado é um ambiente onde a violência simbólica, o engajamento polarizado e a desinformação convergem para moldar a percepção do eleitorado, encobrindo o sentido e os processos da democracia brasileira. Sem regulação de plataformas sociais, sem ações contundentes da Justiça e dos partidos e sem uma compreensão profunda das novas dinâmicas de comunicação, candidatos como Marçal continuarão explorando falhas, avançando suas agendas e polarizando o debate.
A inteligência artificial não impactou de forma significativa as eleições recentes na Europa. É o que mostra um estudo publicado pelo Instituto Alan Turing. Os pesquisadores afirmam que os conteúdos virais elaborados com uso de IA circularam em grupos minoritários que já se identificavam com a visão ideológica propagada. Ainda assim, foram identificadas três novas tendências: deepfakes realistas indicados como sátira, mas que acabam sendo interpretados como conteúdo factual; acusações de que conteúdos verdadeiros foram feitos com IA; e difamações pornográficas com uso de deepfake. Embora identifique um impacto eleitoral reduzido, a pesquisa também aponta a necessidade de orientações mais claras aos setores de regulação. [João Pedro Capobianco, repórter]
E por aqui, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator do projeto de regulamentação da Inteligência Artificial, afirmou que o Senado deve retomar a discussão da proposta após as eleições municipais. O PL 2338/23, que tramita na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) prorrogada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve sofrer algumas modificações em relação ao substitutivo apresentado em julho. Em busca de consenso, temas como liberdade de expressão, código eleitoral e impactos no emprego podem ficar de fora do debate. O relator espera que o texto seja aprovado na Câmara e no Senado antes da troca de comando em fevereiro. [Evelin Mendes, editora-assistente]
O último escândalo da indústria musical está respingando nas eleições americanas. Imagens e vídeos editados vem sendo utilizados para indicar que Kamala Harris e Donald Trump seriam próximos de Sean “Diddy” Combs, rapper preso no dia 16 de setembro e acusado de extorsão e tráfico sexual. O PolitiFact verificou uma imagem que supostamente mostrava Kamala ao lado do rapper e descobriu que tinha sido editada. No dia seguinte, os checadores americanos localizaram um vídeo que aparenta mostrar Trump e Diddy em uma entrevista. O PolitiFact mostrou que, embora os videoclipes sejam reais, eles são enganosos porque são de duas entrevistas diferentes — conduzidas com sete anos de diferença. [Nathália Afonso, analista de projetos]
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