🔎Lula morreu? Há quem jure que sim
#162: A lógica de quem reproduz teorias absurdas e continua ganhando visualizações
Oi! Depois de uma semana dedicada a debates no LatamChequea, evento que discutiu a desinformação na América Latina, voltamos. E na Lente desta semana, eu, Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, chamei o repórter Ítalo Rômany para compartilhar um pouco sobre o mergulho no absurdo que ele recentemente fez. O ano é 2024 (quase 2025) e ainda há quem afirme que Luiz Inácio Lula da Silva morreu e foi substituído. Sim, é isso mesmo. Boa leitura.
Mentira sobre morte de Lula se mantém viva na internet para milhões de pessoas
“Nesse vídeo, estão transportando o caixão do Molusco para escondê-lo em local seguro.... Vejam aí ele saindo do Hospital Sírio Libanês de SP, onde a imprensa descobriu tudo. Querem diplomar o ‘sósia’ dele para depois empossarem o Alkmin.”
O texto da mensagem acima circulou nas redes sociais em novembro de 2022, logo após Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vencer a eleição presidencial daquele ano. O post mostrava uma gravação de um caixão sendo transportado num carro funerário. A afirmação era de que Lula morreu e o suposto objetivo seria esconder o corpo do petista para “diplomar” o seu “sósia” e, depois, empossar o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
À época, essa teoria conspiratória foi disseminada porque o petista deu entrada no Hospital Sírio-Libanês para passar por uma laringoscopia. Após o procedimento, contudo, Lula recebeu alta.
As imagens do vídeo enganoso eram, na verdade, da retirada do corpo da cantora Gal Costa, que morreu, aos 77 anos, em 9 de novembro de 2022.
Como todos sabemos, o presidente Lula tomou posse e continua vivo. Isso é fato.
Por mais absurda que seja, a narrativa enganosa de que o presidente morreu e que, em seu lugar, há um sósia ainda paira nas redes e em grupos bolsonaristas. E, para piorar, tem se tornado uma fonte de renda para canais no YouTube que impulsionam esse tipo de publicação.
É o caso de um canal de receitas culinárias, com mais de 2,3 milhões de inscritos, que dissemina fakes já desmentidas para aumentar a audiência e monetizar seu conteúdo — ferindo assim as políticas sobre desinformação da plataforma. Entre os vídeos, há uma gravação de um áudio que seria a suposta prova de que Lula é mesmo um clone. A publicação tinha sido vista 1,6 milhão de vezes até a última segunda-feira (2). Depois disso, e após contato da equipe da Lupa para a apuração da reportagem, o vídeo foi retirado do ar.
O tema sobre a suposta morte do presidente voltou a ganhar força após o acidente doméstico sofrido por Lula em outubro deste ano. Segundo o boletim médico emitido pelo Hospital Sírio-Libanês, o presidente sofreu um “ferimento corto-contuso em região occipital” que não foi grave, no entanto, por precaução, deveria evitar viagens de longa distância. Por isso, Lula cancelou a viagem que faria à Rússia no dia 20 de outubro. Ele iria participar da Cúpula dos Brics, mas foi substituído pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
O canal de receitas culinárias — e de conspirações bizarras — publicou um vídeo, sem qualquer prova robusta, que afirmava que “Lula falseou acidente pra fugir da reunião do BRICS e não enfrentar Nicolás Maduro”. Além disso, alegou que os pontos recebidos pelo presidente na cabeça por causa do acidente eram uma farsa, voltando a associar o caso ao suposto sósia.
Um outro vídeo publicado pelo canal e disseminado nas redes mostrava imagens do encontro do G20, realizado em novembro no Rio de Janeiro, em que Lula teria sido visto em três lugares e com roupas diferentes ao mesmo tempo. O vídeo faz recortes do presidente em momentos distintos afirmando que um sósia estava em seu lugar presidindo a reunião com os principais líderes mundiais. O vídeo inclusive sugere que alguém está usando uma máscara hiper-realista semelhante ao rosto do Lula.
É absurdo? Sim. Alcança bastante gente? Também. Levantamento feito pela Lupa a partir de dados coletados pelo monitor da Palver mostra que esses conteúdos tiveram um alcance estimado de até 264 mil usuários distintos do WhatsApp e Telegram, entre os meses de outubro e novembro deste ano.
“A ‘criatividade’ da Polícia Federal do XANDÃO, para justificar a perseguição e truculência, do REGIME, é a tentativa desesperada de enquadrar e silenciar todos os seus opositores políticos, antes que TRUMP assuma o poder, pois depois, eles sabem que terão seus crimes desvendados, que devem culminar com a COMPROVAÇÃO DA FRAUDE ELEITORAL, em 2.022 ou quiçá, Alexandre de Moraes ter dado posse a um SÓSIA DE LULA, porque ele já estava morto desde 05 de Novembro/22 !?", diz uma das mensagens que circulou em grupos bolsonaristas.
Até uma imagem “póstuma” de Lula circula entre os grupos que alimentam a teoria.
A tática da narrativa do sósia de Lula é semelhante à dos Estados Unidos. Por lá, circulam boatos de que Joe Biden está morto e tem um irmão gêmeo que o substituiu em segredo como presidente dos Estados Unidos. Em julho deste ano, posts no X (antigo Twitter) também impulsionaram falsas alegações de que Joe Biden teria enfrentado uma emergência médica não revelada e poderia estar morrendo — mesmo depois de o presidente ter aparecido diante das câmeras.
Essas narrativas alimentadas nas redes sociais revelam um padrão: a capacidade de boatos improváveis ganharem força, mesmo diante de evidências claras que os desmentem. Neste caso, para engrossar o coro da suposta fraude eleitoral. Seja pelas urnas que muitos insistem em culpar ou por um presidente “fake”.
Lula não morreu, tampouco foi substituído por sósias. Em maio deste ano, durante um evento em São José da Tapera (AL), o presidente Lula encontrou um 'sósia’ na plateia. Mas desta vez de verdade. O petista, aproveitando o momento, brincou com a situação: “A rede social tem uma parte tão canalha que tem um cidadão falando que o Lula morreu e que eu não sou o Lula”.
O episódio arrancou risadas e serviu como um momento de descontração. Nas redes sociais, longe de ser apenas uma piada, a situação reflete um cenário preocupante sobre como uma teoria bizarra pode ganhar tração entre legiões de seguidores.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da internet, que trata da responsabilidade das plataformas sobre conteúdos publicados pelos usuários. A decisão pode mexer bastante nas redes sociais que conhecemos, já que a discussão inclui a possibilidade de remoção de material ofensivo, a pedido dos ofendidos, sem necessidade de decisão judicial (que é como funciona hoje) – o que inclui desinformação. Embora pareça burocrático, a decisão da Corte pode ter consequências práticas. Para entender mais, indico o artigo publicado na Folha de S. Paulo, com a participação de Ronaldo Lemos, cofundador do ITS Rio. [Luciana Corrêa, editora-chefe]
Uma pesquisa publicada na Science em 28 de novembro mediu o papel da chamada “indignação moral” (uma mistura de raiva e repulsa) na propagação de desinformação. O estudo revelou que as emoções costumam levar os usuários a compartilhar materiais possivelmente falsos como parte de um esforço para demonstrar lealdade a grupos políticos ou defender posições morais. A análise alerta que intervenções focadas apenas na precisão dos conteúdos — como é o caso do fact-checking — podem ser insuficientes para frear a desinformação. A solução, segundo os pesquisadores, é considerar o apelo emocional das publicações. O site Tech Policy Press destrincha o material neste link aqui. [Cris Tardáguila, fundadora e repórter a Lupa]
A ex-diretora de Políticas Públicas para Eleições Globais do Facebook, Katie Harbath, entrevistou nesta semana Aaron Rodericks, vice-presidente de Confiança e Segurança (Trust and Safety) do Bluesky. Desde que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, a nova rede social cresce vertiginosamente – lembrando o que ocorreu por lá quando o X foi bloqueado no Brasil. No papo, Rodericks fala de moderação de conteúdo e na descentralização da plataforma. Quem espera que o Bluesky contenha menos desinformação do que o antigo Twitter deve passar um olho nesse link aqui. [CT]
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