🔎 Luz, câmera e... desinformação
#163: Como cenas de séries e filmes nacionais estão sendo usadas para espalhar mentiras nas redes
Oi!
Aqui é a Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, chegando com a edição da Lente nessa semana agitada. Não falaremos de Lula hoje (volte uns dias na sua caixa de e-mails porque teorias absurdas sobre a morte do presidente e a existência de um sósia foram tema da newsletter semana passada). O assunto aqui é como imagens de séries e filmes viraram material para a criação de fakes que espalham pânico e tentam justificar ações de segurança pública. Quem conta é a repórter Gabriela Soares. Boa leitura.
Fakes com imagens de filmes e séries alimentam narrativas de pânico nas redes
“A bala cantou aqui (...) Você gosta de filmar as favelas? Sabia que um dia o mosquito fofoqueiro [helicóptero] ia cair”, diz um homem em tom de comemoração, enquanto filma um helicóptero preto com “Polícia Civil” escrito na cauda, que está caído em uma rua do Complexo da Maré, Zona Norte da capital fluminense.
A chocante imagem da aeronave supostamente abatida por criminosos é, na realidade, cenografia usada na produção do filme “Na Linha de Fogo”, gravado no Complexo do Maré, com estreia prevista para 2025.
Não dá para saber se quem gravou fez isso sabendo da verdade, mas detalhes na própria cena já denunciavam que ali não tinha acontecido uma queda real. Não havia nenhum policial próximo à aeronave, a área não estava isolada, as pessoas ao redor andavam tranquilamente em volta do helicóptero que, com exceção do painel interno destruído, não tinha nenhuma avaria — o que é, no mínimo, estranho para um avião que supostamente foi derrubado a tiros. Um último detalhe deixava tudo ali ainda mais cenográfico: o helicóptero está cuidadosamente acomodado em cima de um pequeno monte de terra, o que, novamente, dificilmente aconteceria em uma queda de verdade.
Apesar da quantidade de elementos estranhos no vídeo e de a “queda” não ter sido noticiada — o que, novamente, seria bastante incomum para um fato dessa gravidade —, a história ganhou força nas redes sociais. No Instagram, o vídeo foi visualizado ao menos 36,3 mil vezes. As publicações são acompanhadas por legendas com críticas ao judiciário e a uma suposta impunidade no país.
E essa não foi a primeira vez que cenas de filmes e séries foram tiradas de contexto para espalhar desinformação do gênero. Em outubro de 2023, a Lupa mostrou que era falso o vídeo de uma suposta troca de tiros entre policiais e criminosos em uma comunidade. O registro, compartilhado com alarde nas redes sociais, era apenas a gravação de cenas para a terceira temporada de Arcanjo Renegado, série do GloboPlay gravada no Complexo da Maré.
Um pouco antes, em julho de 2023, outro vídeo dos bastidores da terceira temporada viralizou. Nele, atores apareciam gritando com fuzis cenográficos nas mãos. Mais uma vez, a história contada era de que aquilo seria prova do descontrole do crime na capital fluminense.
Em 2020, cenas da primeira temporada da série já tinham sido alvo de desinformação. Imagens de atores “armados” foram compartilhadas nas redes sociais acompanhadas de críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal que, entre outras determinações, estabeleceu que operações policiais no Rio de Janeiro só podem ser realizadas em casos excepcionais e com acompanhamento do Ministério Público Estadual.
Como no vídeo do helicóptero, detalhes na própria publicação já alertavam — ao menos deveriam —, que a cena não é de um tiroteio de verdade. É improvável que uma plateia, incluindo crianças, fique parada assistindo dezenas de homens marchando pelas ruas com armas apontadas para a população. Além disso, a presença de uma claquete na mão de um dos “criminosos” deixa claro que tudo não passava de encenação.
Esse tipo de desinformação espalha pânico, estimula o ódio e alimenta uma narrativa perversa que estereotipa a população que vive em favelas e, no português claro, passa pano para ações policiais violentas com a justificativa de “é preciso combater o crime que se espalha cada vez mais”.
Não há dúvidas de que segurança pública precisa ser assunto sério no Brasil, mas não é inflando a realidade com doses de ficção que se resolve o problema.
O episódio "Escute as crianças", da Rádio Novelo Apresenta, fala sobre as mais de 1.500 cartas enviadas por crianças da Maré, no Rio de Janeiro, ao Tribunal de Justiça em agosto de 2019. Nas cartas, elas contam como é viver em meio a operações policiais. Entre as histórias, está a de Bruna Silva, mãe do Marcus Vinicius, menino morto durante uma operação. Bruna narra como, após a tragédia, seu filho foi novamente vitimizado, dessa vez com mentiras que o ligavam ao crime organizado. O relato dela se conecta com um episódio da série especial “Vítimas da desinformação” — que fica aqui como dica também —, produzida pela Lupa em 2023 e que mostra outra família carioca que passou pela mesma situação. [Gabriela Soares, repórter da Lupa]
Um estudo publicado nesta quarta-feira (11), na revista Sociological Science, concluiu que a desinformação se espalha de modo diferente das publicações em geral no Facebook. A pesquisa se concentrou no compartilhamento de conteúdos durante a campanha eleitoral de 2020 nos Estados Unidos. Os pesquisadores identificaram dois padrões distintos de disseminação. Para conteúdos comuns, geralmente ocorre um “big bang” — um grande evento de compartilhamento em massa, que depois perde força. No caso de conteúdos desinformativos, porém, o que ocorre é um compartilhamento gradual e contínuo. Os pesquisadores mostram como políticas da plataforma moldam esses dois caminhos distintos. Vale a leitura. [João Pedro Capobianco, repórter da Lupa]
O WhatsApp cresce — e rápido — nos EUA. Em 2024, atingiu a marca de 100 milhões de usuários e virou peça-chave na comunicação entre os latinos que lá residem, incluindo os brasileiros. Um estudo do Digital Democracy Institute of the Americas revelou que pelo menos 3.200 mensagens únicas escritas em português e espanhol circularam por grupos públicos frequentados por latinos residentes no país. Entre brasileiros, temas como mudanças climáticas tiveram destaque, com menções a enchentes no Rio Grande do Sul, seca e queimadas. A pesquisa ainda comprovou que algumas narrativas desinformativas têm fronteiras: discursos “anti-comunista” e as dúvidas (infundadas) sobre sistemas eleitorais apareceram em conversas sobre as eleições realizadas neste ano em EUA, Brasil e México. [Cristina Tardáguila, fundadora e repórter da Lupa]
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