đMĂĄscaras foram âinĂșteisâ na pandemia?
#175: Como pesquisas podem ser usadas para desinformar e gerar dĂșvidas nas redes
Oi! Espero que a sexta tenha começado bem por aĂ. Aqui Ă© Luciana CorrĂȘa, editora-chefe da Lupa, em mais uma edição da Lente. Hoje, a repĂłrter Gabriela Soares escreve sobre um tema recorrente nas redes sociais: o uso de pesquisas para polemizar (e desinformar) sobre medidas de prevenção adotadas na pandemia. Sim, cinco anos depois ainda precisamos falar sobre isso. Boa leitura e um Ăłtimo fim de semana!
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Medidas de prevenção adotadas na pandemia seguem sendo questionadas com pesquisas que nem sempre são o que parecem
Nos Ășltimos dias, muita gente foi impactada pelo seguinte tĂtulo polĂȘmico: âEstudo da USP confirma que mĂĄscaras foram inĂșteis e possivelmente perigosas na Covid-19â. No WhatsApp e no Telegram, atĂ© as 14h do dia 26 de março de 2025, mensagens endossando a suposta revelação alcançaram, respectivamente, ao menos 78.082 e 14.577 usuĂĄrios, de acordo com dados da Palver.
A âchocante descobertaâ foi, inclusive, usada como argumento para âdar razĂŁoâ a quem, lĂĄ em 2020, era contra o uso de mĂĄscaras. Como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que compartilhou a pesquisa no X em um post que acumulou, atĂ© 26 de março de 2025, 516 mil visualizaçÔes e 8 mil retuĂtes.
Na mensagem, ele ainda afirma que âSĂł faltou a USP se desculpar com Jair Bolsonaroâ. Mas o ex-presidente nĂŁo foi o Ășnico a cobrar desculpas por ter sido contrariado durante a pandemia.
Entre as mensagens com conversas sobre o assunto analisadas na Palver, encontramos uma de um grupo de condomĂnio, onde um morador usou a pesquisa para exigir que os vizinhos se retratassem, pois, segundo ele, sua famĂlia foi perseguida por nĂŁo usar mĂĄscara durante a pandemia â ato que contrariava as recomendaçÔes comprovadamente vĂĄlidas do MinistĂ©rio da SaĂșde e da Organização Mundial da SaĂșde (OMS) para reduzir o risco de contaminação por Covid-19.
Realmente existe um estudo vinculando o uso de mĂĄscaras com as mortes por Covid, e sim, ele foi feito por membros da USP. Mas, por baixo do verniz de legitimidade que essas duas informaçÔes proporcionam, hĂĄ outro fato: o artigo nĂŁo comprova que mĂĄscaras foram âinĂșteisâ, tampouco âperigosas durante a pandemia.
A pesquisa apenas identificou uma correlação estatĂstica entre o uso de mĂĄscaras e a mortalidade por Covid-19, mas nĂŁo comprovou que as mĂĄscaras aumentaram as mortes pela doença, tampouco provou que foram ineficazes. A prĂłpria publicação deixa claro que a metodologia usada nĂŁo permitiu estabelecer relação de causa e efeito e que variĂĄveis nĂŁo mensuradas podem ter influenciado os resultados (pĂĄgina 8).
Ă importante observar que, como alertado pelos pesquisadores ouvidos pela Lupa, essas âvariĂĄveis nĂŁo mensuradasâ sĂŁo fundamentais quando se trata de ciĂȘncia. Afinal, a relação entre os nĂșmeros isolados pode ser fruto de uma coincidĂȘncia estatĂstica, a chamada correlação espĂșria. Em outras palavras, a correlação entre os dados, sozinha, nĂŁo prova nada e por isso hĂĄ necessidade de mais pesquisas.
Um exemplo clĂĄssico de como dados verdadeiros podem enganar Ă© a relação entre o consumo de margarina nos Estados Unidos e a taxa de divĂłrcios no estado norte-americano do Maine entre 2000 e 2009, uma coincidĂȘncia numĂ©rica que â obviamente â nĂŁo implica nenhuma relação causal. Os dados foram explorados por Tyler Vigen, especialista do Boston Consulting Group e conhecido pelo projeto Spurious Correlations, dedicado a mostrar casos de correlação espĂșria.
E nĂŁo foram sĂł os especialistas ouvidos pela Lupa que apontaram possĂveis problemas na pesquisa citada por Bolsonaro. O artigo foi reprovado na revisĂŁo por pares realizada pela BioMed Central (BMC). No entanto, foi âeditorialmente aceitoâ e publicado. Agora, dias depois da publicação, a BMC resolveu realizar uma nova revisĂŁo editorial do estudo. Aguardemos pelos prĂłximos capĂtulos.
Vale dizer que â infelizmente â essa nĂŁo Ă© a primeira vez que pesquisas sĂŁo usadas para âembasarâ alegaçÔes falsas ou exageradas.
Foi assim quando um mĂ©dico, desmentido pela Lupa, afirmou que as vacinas de mRNA causavam âmorte sĂșbitaâ e atĂ© autismo, baseando-se em um estudo repleto de alegaçÔes infundadas e, ainda por cima, publicado em um site sem qualquer credibilidade.
TambĂ©m aconteceu quando um suposto estudo foi usado para espalhar a ideia de que a Pfizer e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA esconderam casos de miocardite em crianças vacinadas. Nesse caso, tratava-se, na verdade, de um artigo de opiniĂŁo publicado por dois autores que integram uma organização anti-vacina nos EUA. Ou seja, nem sequer era uma pesquisa, mas foi âvendidoâ como tal para conferir falsa credibilidade Ă s alegaçÔes.
No fim, o que sobra nĂŁo Ă© ciĂȘncia, mas versĂ”es convenientes, moldadas para alimentar narrativas enganosas sobre a Covid-19 ou outros temas (1, 2 e 3). Uma estratĂ©gia usada para confundir as pessoas e justificar posicionamentos e escolhas polĂticas.
Nem tudo que se diz cientĂfico Ă© verdadeiro. Ă preciso duvidar. Cheque a fonte da pesquisa, verifique se foi revisada por pares e â reconhecendo que muitas vezes a linguagem cientĂfica pode nĂŁo ser tĂŁo acessĂvel a todos â busque o que especialistas, divulgadores cientĂficos e agĂȘncias de checagem disseram sobre o tema.
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Uma anĂĄlise publicada pela The Conversation, mostra que, em 2023, mais de 10 mil artigos cientĂficos foram retratados â um recorde histĂłrico. Esse aumento levanta discussĂ”es sobre fraude, plĂĄgio e manipulação de dados, mas evidencia que o processo de pesquisa e divulgação estĂĄ se tornando mais transparente e rigoroso. O texto ajuda a contextualizar o fenĂŽmeno, diferenciar erro de mĂĄ fĂ© e mostrar por que retratar nĂŁo significa "matar" a ciĂȘncia â e sim fortalecĂȘ-la. Uma leitura essencial para entender como funciona a retratação e por que ela Ă© um mecanismo importante para manter a integridade da pesquisa cientĂfica. [Evelin Mendes, editora-assistente]
A minissĂ©rie britĂąnica AdolescĂȘncia, da Netflix, aborda a masculinidade tĂłxica e o impacto das redes sociais na vida de jovens. Logo apĂłs seu lançamento, circulou uma informação falsa de que a produção seria baseada em fatos reais. Algumas publicaçÔes afirmaram que o roteiro era inspirado no caso do "assassino de Southport", ocorrido no Reino Unido em julho de 2024. Elon Musk, dono do X, interagiu com um post que espalhava essa ideia. No entanto, o cocriador da minissĂ©rie Stephen Graham explicou que a trama foi inspirada por uma combinação de casos criminais que ocorreram no Reino Unido, nĂŁo tendo inspiração em um caso especĂfico. [NathĂĄlia Afonso, analista de projetos]
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