🔎 Não era fraude, era cilada
#160: Como a narrativa de Trump sobre fraude foi do 100 ao zero em poucas horas após vitória nos EUA
Oi!
Aqui é a Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa. Depois de uma pausa na semana passada para recuperar as forças após as eleições municipais no Brasil, estamos de volta e já para falar de outra eleição, a que definiu o novo presidente norte-americano. Chamei a repórter Carol Macário para, junto comigo, falar de um desaparecimento que nos intrigou (contém ironia). Alguém aí sabe onde foi parar a suspeita do Trump de fraude eleitoral nos Estados Unidos? Pois é, sumiu e levou junto o assunto nas redes. Arriscam o motivo? Boa leitura e um ótimo fim de semana.
Acusações evaporaram após o resultado das eleições norte-americanas
O mundo todo já sabe. Donald Trump, de 78 anos, foi eleito e será o 47º presidente dos Estados Unidos. Desde quarta-feira (6), quando a vitória de Trump sobre Kamala Harris foi confirmada, só se fala sobre o futuro do país e do mundo com a volta do republicano à Casa Branca. Porém, vocês não estão sentindo falta de nada? Notaram a ausência de um certo assunto nas manifestações dos aliados de Trump e, principalmente, nas redes sociais depois da divulgação do resultado? Sim, estamos falando das alegações sem provas de fraude nas eleições que desapareceram nos últimos dias.
Falsas acusações de fraude circulam nas redes pelo menos desde o começo de setembro. Mas a disseminação do discurso já batido de que a votação estaria sendo adulterada se intensificou especialmente a partir do final de outubro, com uma forcinha do próprio Trump.
Em mais de uma ocasião, ele bradou aos seus mais de 93 milhões de seguidores no X (antigo Twitter) denúncias sem provas de falcatrua eleitoral.
Uma linha do tempo ajuda a entender como esse barulho começou discreto, dois meses atrás, com teorias conspiratórias como a existência de caixas de cédulas pré-preenchidas em nome de pessoas mortas com votos para a democrata Kamala Harris.
Depois, aumentou de volume nos dias que antecederam o fim da votação. Em 29 de outubro, Trump afirmou, sem provas, que dois condados da Pensilvânia estariam sofrendo fraude eleitoral — na verdade, autoridades locais estavam investigando possíveis problemas relacionados aos pedidos de registro de eleitores. Um dia depois, em 30 de outubro — quase uma semana antes da contagem de cédulas ser iniciada —, o republicano voltou a dizer, sem qualquer embasamento, que o estado da Pensilvânia estaria "trapaceando" em "grande escala".
Trump contou também com o engajamento de seus eleitores. Em 4 de novembro, um usuário do X escreveu: “Ei, Texas. Parece que eles estão roubando as suas eleições”. A legenda foi acompanhada de supostas imagens da CNN mostrando Kamala Harris à frente nas pesquisas. O post acumulou 2 milhões de visualizações e a emissora negou ter veiculado a imagem.
A campanha desinformativa de Trump e apoiadores seguiu até o dia da votação. Em 5 de novembro, poucas horas antes do fim das eleições, o ex-presidente e empresário denunciou na rede social Truth (que é dele) supostas “fraudes massivas” na Filadélfia, a cidade mais populosa da Pensilvânia. Como é de praxe, não apresentou nenhuma prova e foi desmentido por autoridades.
Na manhã de 6 de novembro, contudo, com Trump eleito presidente pelas projeções — inclusive vencendo no estado da Pensilvânia, onde horas antes ele apontava fraude — , pairou nas redes um silêncio estrondoso. Nenhuma nova alegação de fraude. Uma reação após o resultado completamente diferente ao escarcéu feito por ele e seus apoiadores após a derrota para Joe Biden em 2020 — que estimulou, inclusive, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
A Ebulição — newsletter da Lupa que acompanha o que viraliza em português em grupos públicos no WhatsApp e Telegram monitorados pela Palver — trouxe nesta quinta-feira (7) números que praticamente desenham o reflexo dessa narrativa de fraude.
Entre 15h de terça e 2h de quarta no horário de Brasília, ou seja, quando a vitória de Trump ainda não tinha sido anunciada, ao menos 22 mensagens únicas em português contendo os termos “fraude” e “Trump” foram disseminadas por 14 grupos, impactando cerca de 324 mil pessoas. Já nas 12 horas seguintes ao anúncio, o total de mensagens com os mesmos termos caiu para oito, chegando a apenas 310 pessoas. A mesma queda brusca foi observada ao buscar os mesmos termos em inglês e espanhol.
A cronologia dessa tática já velha — e, infelizmente, eficaz — de espalhar conteúdos falsos sobre fraude eleitoral escancara que tudo não passou de uma estratégia para tumultuar o processo e pavimentar uma nova mobilização em caso de derrota para Harris. Vale lembrar que, embora o resultado não tenha refletido isso, a disputa entre os dois candidatos foi acirrada na campanha e pesquisas muitas vezes apontavam empate entre os dois. Um resultado que não fosse a vitória de Trump teria nos dado um pós-eleição bem diferente.
Mas ela veio. E, por enquanto, trouxe o silêncio dos seus apoiadores que momentaneamente esqueceram as supostas fraudes eleitorais. Resta saber até quando.
Ainda falando de Trump, Glenn Kessler fez uma análise para o The Washington Post sobre o que aprendeu nos seus nove anos checando as declarações do presidente eleito. O redator-chefe do The Fact Checker revelou que Trump é o político mais checado, com mais de 30 mil declarações falsas, e o que mais acumula "Pinóquios" (etiqueta dada pelo jornal a um mentiroso contumaz). Mesmo após derrotas eleitorais e o ataque ao Capitólio em 2021, Trump seguiu usando mentiras para conquistar apoio, abordando temas como imigração e economia. Kessler conclui que, apesar dos desafios econômicos e promessas irrealizáveis, Trump mantém o poder de convencer seus apoiadores de que tudo está bem. Você também pode conferir a versão traduzida para o português. [Evelin Mendes, editora-assistente]
Voltando para o Brasil, se você também fica curioso sobre o fenômeno dos coaches — e a entrada deles na política — a indicação da semana é o episódio ‘A era do coach’, do podcast Ciência Suja, publicado no fim de outubro. O episódio desconstrói argumentos usados por alguns coaches que deturpam a ciência para desinformar. Por exemplo, você já ouviu falar de coach quântico? “A terminologia usada por muitos coaches modernos remete a conceitos científicos. Mas não passa do discurso”, explica o podcast que sempre traz histórias diferentes de fraudes científicas que geram desinformação. [LC]
Na próxima semana, terei a honra de mediar o webinar “Distinguindo Vozes de Ruídos: Reflexões sobre as Eleições Municipais de 2024” e queria te convidar a participar do evento, que faz parte do Mídia e Democracia, projeto da Lupa com a FGV Comunicação Rio, FGV Direito Rio e a Democracy Reporting International (DRI). O webinar acontece na quarta-feira (13) às 10h, para tratar da disseminação de desinformação, discursos de ódio e hostilidade contra as instituições tradicionais democráticas nas eleições. O debate contará com a participação de Clarice Tavares (InternetLab), Thais Pavez (USP) e André Boselli (Civil Society - Artigo 19 Brasil). Na ocasião, também serão apresentados resultados de estudos elaborados ao longo do projeto, que durou dois anos. Para se inscrever, clique aqui. [Marcela Duarte, gerente de Produto]
Não sei se você leu o aviso que publiquei na Lente da semana passada. Se viu, tenho um novo recado. A Pearson, empresa focada em aprendizagem, irá apoiar uma edição da Lente sobre inteligência artificial em novembro. Comentei que esse conteúdo chegaria na sua caixa de entrada hoje, porém, devido a forças maiores (também conhecidas como eleições norte-americanas), precisamos adiar para o dia 22 de novembro. Dia 15 estaremos todos aproveitando o feriado. Por isso, aguarde! Ela tá no forno. Enquanto isso, vocês podem ler mais sobre inteligência artificial e educação na Intervalo. A Pearson está apoiando edições da newsletter de educação da Lupa. [Nathália Afonso, analista de projetos editoriais]
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